2019: o ano do grito e das mobilizações em defesa do meio ambiente

Somando milhões de apoiadores durante o ano, campanhas quebraram recorde de engajamento na causa ambiental em plataforma de mobilizações

Partindo de Greta Thunberg a Leonardo DiCaprio, o ano de 2019 foi marcado por um “grito” global em defesa do meio ambiente. O “basta” saiu da boca de milhões ao redor do mundo, reunindo personalidades e cidadãos comuns em torno de um único questionamento que incomodou de Donald Trump e Jair Bolsonaro: “How dare you?”. Do português “Como ousa?”, a pergunta foi feita pela ativista sueca em discurso na Cúpula do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU) e virou lema de atos pelo meio ambiente em diversos países.

No Brasil, o conturbado cenário de 2019 não foi diferente. Medidas controversas na área da política ambiental acumularam motivos para que os brasileiros se engajassem pela causa, mobilizando-se contra o recorde do desmatamento e queimadas na Amazônia, a acelerada liberação de agrotóxicos, a invasão das praias nordestinas por manchas de óleo até agora não esclarecidas, um leilão de petróleo na região com a mais rica biodiversidade do Atlântico Sul, a polêmica prisão de brigadistas em Alter do Chão, entre outros casos.
As crises levaram a um engajamento inédito do brasileiro em defesa do meio ambiente, que pôde ser constatado em numerosos protestos nas ruas e em outras formas de mobilização. A criação de campanhas online foi, por exemplo, um dos instrumentos aos quais os cidadãos recorreram para formar mobilização em torno do assunto e pressionar as autoridades a agir. Na versão brasileira da plataforma de petições online Change.org, a campanha de 2019 que reuniu o maior número de assinaturas foi sobre as queimadas na Floresta Amazônica.

A diretora-executiva da plataforma no Brasil, Monica Souza, conta que o abaixo-assinado pedia pela criação de uma comissão para investigar o aumento dos incêndios na Amazônia. “Com 5 milhões de apoiadores, a petição conseguiu pressionar diretamente a Câmara dos Deputados, fazendo com que parlamentares e o próprio presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), recebessem o abaixo-assinado e criassem uma Comissão Externa de Políticas para Integração do Meio Ambiente e Economia na Câmara”, comenta.

De acordo com dados da plataforma, o meio ambiente foi a causa que mais recebeu engajamento em 2019. Isso porque, apesar de não ter sido criada neste ano, a petição que coletou o maior número de assinaturas em 2019, na Change.org, foi uma contra o desmatamento e a exploração irresponsável da Amazônia. O abaixo-assinado, que até 2018 não alcançava meio milhão de apoiadores, está terminando este ano com 5,8 milhões.

“Esse total de assinaturas é um recorde mundial para a plataforma. É a maior petição da história da Change.org no planeta, o que passa uma mensagem muito clara sobre a real preocupação, não só do brasileiro, mas de todo o mundo com o meio ambiente, já que o abaixo-assinado foi traduzido para outros cinco idiomas e também recebeu assinaturas em outros países, como Alemanha e Itália, por exemplo”, destaca a diretora.

As campanhas em defesa da floresta foram lançadas por dois jovens de 20 e 25 anos, moradores do Amazonas e do Acre, respectivamente. Para a estudante de Direito, Valéria dos Santos Magalhães, de 20 anos, autora do maior abaixo-assinado em defesa da Amazônia, os jovens, como Greta Thunberg, que foi chamada de “pirralha” por Bolsonaro e virou capa da revista Time, compõem uma geração com mais sede de falar, de conhecimento e de mudança.

“Acho que foi isso que motivou toda essa questão [do engajamento] ambiental: a preocupação, a informação e essa vontade de querer fazer alguma coisa”, opina Valéria. A jovem manauara ressalta o tamanho da mobilização política que o brasileiro teve em 2019. “Acho que nunca vi tanta gente tão engajada com questões políticas como nesse ano, e o meio ambiente é uma das pautas principais”, comenta. “É muito bom que as pessoas tenham tomado consciência de que não dá para deixar para depois, porque o depois é muito tarde”.

Grito em defesa das matas e também dos oceanos

Além da mobilização gigantesca em prol da floresta, a proteção dos mares e oceanos também foi e ainda está sendo pauta de protestos ambientais neste ano no Brasil. Com 1,2 milhão de assinaturas, uma campanha em defesa do Parque Nacional Marinhos dos Abrolhos figurou entre as maiores hospedadas na plataforma Change.org em 2019.

O abaixo-assinado comoveu pessoas do Brasil inteiro a se manifestarem contra o leilão de quatro blocos de petróleo localizados na bacia de Camamu-Almada, no entorno do Parque Nacional Marinhos dos Abrolhos. A pressão da sociedade, que se deu a partir de variadas formas de mobilização, influenciou o resultado da 16ª Rodada de Licitações de Blocos Exploratórios da Agência Nacional do Petróleo (ANP): nenhuma das empresas petroleiras participantes ofereceu propostas para as áreas de alta sensibilidade ecológica.

A campanha contra o leilão foi liderada pela ativista ambiental e defensora dos animais, Tamires Felipe Alcântara, 32 anos, com apoio da Conexão Abrolhos. Para a ativista, 2019 pode ser considerado como o ano do grito pelo meio ambiente porque nunca o desmonte das políticas ambientais foi tão explícito no país. “O governo fala abertamente contra a preservação ambiental, inclusive debochando daqueles que lutam por essa causa. Enquanto insistem em negar a destruição em curso, os dados e as evidências provam o contrário”, declara.

Além dos incêndios na Floresta Amazônica e da mobilização para salvar Abrolhos, Tamires lembra de outras crises que deram ao meio ambiente seu devido status de prioridade, como a tragédia do rompimento das barragens em Brumadinho, as queimadas no Cerrado e as manchas de óleo que, após mais de 100 dias do aparecimento, já atingiram praias dos nove estados do Nordeste e chegaram ao Espírito Santo e Rio de Janeiro, no Sudeste do país.

O desejo de cobrar das autoridades medidas satisfatórias para lidar com o problema engrossou o movimento ambiental no Brasil nos últimos 12 meses, fazendo com que o “óleo no Nordeste” também virasse tema de abaixo-assinado. Nascido em Recife, o cientista político Felipe Oriá, de 28 anos, foi um dos brasileiros que decidiu lançar uma campanha pedindo pela criação de uma força tarefa para conter as manchas de óleo e salvar as praias.

“A inércia de ações do governo, a falta de uma preocupação em relação ao longo prazo, não só ao óleo chegando, mas às consequências que ele vai ter, acho que foram o grande motor que fez as pessoas se mobilizarem”, indica o cientista político, que até o momento já reuniu mais de 224 mil apoiadores em sua campanha. O abaixo-assinado segue aberto.

Felipe destaca que o caso das manchas de óleo fez com que, além da pressão das campanhas, os brasileiros também se engajassem em outras iniciativas para lidar com as consequências. O recifense cita exemplos de projetos que estão dando apoio a marisqueiras, com o oferecimento de selos de qualidade sem contaminação, a reprodução de corais in vitro enquanto os atingidos são recuperados, e a retirada de óleo em profundidade abaixo de 50 cm.

“Isso mostra o quanto as pessoas estão ativas”, destaca Felipe. “As pessoas estão tomando responsabilidade ao ver que não tem nada sendo feito de forma estrutural pelo próprio governo. Elas estão tomando isso nas próprias mãos”, finaliza o jovem cientista político.

Da Carta Capital

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