A educação pública precisa, sim, de mais investimentos
Provocou polêmica a pesquisa divulgada nesta semana por analistas de finanças e controle da Secretaria do Tesouro Nacional, vinculada ao Ministério da Fazenda, segundo a qual pelo menos 40% dos recursos gastos pelas prefeituras brasileiras no ensino fundamental são desperdiçados, seja por corrupção ou ineficiência da máquina pública.
O texto foi publicado na página do Tesouro Nacional na internet, mas, embora contenha a ressalva de que expressa a opinião dos autores e não necessariamente a do órgão, causou reações indignadas entre os gestores municipais e dentro do próprio governo. Segundo o levantamento, 4,9 mil municípios destinaram R$ 54 bilhões por ano ao ensino fundamental, no período de 2007 a 2009, sendo que R$ 21,9 bilhões teriam sido desperdiçados, na estimativa mais modesta. O texto diz ainda que os recursos disponíveis são mais do que suficientes para o cumprimento das metas do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e que o problema dos municípios seria a má gestão.
Em carta aberta à sociedade, a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) ressaltou que “o Ideb não foi criado para apontar a necessidade ou não de investimentos financeiros” e que “o uso desse indicador já é suficientemente desvirtuado pelo emprego da meritocracia, dos simulados, das fraudes durante a aplicação das provas”. Além disso, entre outros pontos, os gestores municipais destacaram a responsabilidade dos municípios, que “precisam atender a uma grande demanda (ainda não estimada) de alunos para creche”. “Dessa forma, são necessários mais recursos financeiros para se construir escolas, organizar infraestrutura adequada, contratar profissionais da educação”.
A nota de protesto cita ainda que “3,7 milhões de crianças e adolescentes de 4 a 17 anos estão fora da escola no Brasil (vide pesquisa Unicef/ Campanha Nacional pelo Direito à Educação)” e que 8,8 milhões de alunos das séries iniciais e finais do ensino fundamental encontram-se em risco de exclusão escolar”, de acordo com as mesma pesquisa.
O Ministério da Educação (MEC) também reagiu. Luiz Claudio Costa, presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão vinculado ao MEC, criticou a pesquisa e afirmou que seu “principal erro é o da simplificação”. Ele enfatizou que o estudo se propõe a medir a qualidade dos gastos municipais e o desperdício de dinheiro sem analisar variáveis como a relação do número de professores por aluno, a formação dos docentes, a inclusão de estudantes e as matrículas em escolas rurais, que impacta diretamente as despesas com transporte escolar. O presidente do Inep ainda chamou a atenção para o fato de que há uma demora natural para que os investimentos em educação se traduzam em melhores resultados no Ideb.
Por fim, o próprio Tesouro manifestou críticas ao estudo, declarando, por e-mail ao jornal “O Globo”, que “a STN discorda dos resultados obtidos que apontam excesso de recursos” e que “a política do governo federal, em parceria com estados e municípios, e focada na ampliação e na melhoria da qualidade do ensino básico do país, leva em consideração um complexo sistema de variáveis que o estudo apresentado não considera”. O e-mail manifesta ainda que “qualquer simplificação sobre a qualidade do gasto nessa área pode levar a conclusões equivocadas e não amparadas pelos resultados aferidos pelo Ministério da Educação”.
Conclusões precipitadas são controversas principalmente no momento em que se debate nacionalmente a necessidade de investimentos na educação pública. Debate este presente tanto no contexto da votação do projeto de lei sobre a partilha dos royalties do petróleo (cujos destaques serão apreciados pela Câmara no dia 6 de agosto) quanto no da tramitação, no Senado, do Plano Nacional de Educação (PNE), desfigurado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) de modo a incluir a iniciativa privada como contemplada pela destinação de 10% do PIB para a educação – o que não pode ser permitido.
Nesse sentido, a Contee concorda, sim, com a necessidade de fiscalização dos investimentos públicos, mas ressalta que, como direito do cidadão e dever do Estado, a educação pública deve, com certeza, ser tratada como prioridade nacional e contemplada com mais investimentos (pelo menos 10% do PIB em dez anos, como estabeleceu o texto do PNE aprovado no ano passado pela Câmara). Assim a educação poderá cumprir seu papel na promoção da igualdade, do desenvolvimento e da soberania nacional.
Acesse o estudo da STN
Leia a carta da Undime
Da redação, com informações da Undime e do jornal “O Globo”