A lista de covardias de Bolsonaro

Por João Batista da Silveira*

A intenção foi veementemente negada pelo governo logo depois, mas só de ter surgido como hipótese bastou para acender o sinal de alerta. Tudo começou quando, há quase duas semanas, as aposentadorias entraram no radar do Ministério da Economia, que, para viabilizar o Renda Brasil, levantou a possibilidade — conforme noticiado pela imprensa — de congelar os benefícios previdenciários por dois anos. Publicamente Jair Bolsonaro esperneou, rechaçou a retirada de direitos de idosos e pessoas com deficiência, proibiu a equipe econômica de falar sobre o tema e, por fim, desistiu de seu próprio programa social. Ou melhor, “desistiu” do nome original dele, que agora, segundo o noticiário recente, será batizado de Renda Cidadã.

Uma das frases mais historicamente conhecidas do ministro hitlerista Joseph Goebbels é aquela segundo a qual “uma mentira dita cem vezes torna-se verdade”, síntese da proposta de implicação psicológica da propaganda nazista. Mentir e “desmentir” — intensificando a mentira — tem sido a tônica do governo Bolsonaro desde seu início. Tentou desacreditar os dados e a metodologia do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que apontavam o aumento do desemprego; escondeu informações e mapas sobre áreas de preservação ambiental e se recusou a divulgar números sobre a pandemia da Covid-19; minimizou as responsabilidades e as consequências dos incêndios na Amazônia e no Pantanal (culpando até os povos indígenas por isso); reivindicou o auxílio emergencial — que não queria — e a aprovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) — que tentou desconstruir até o último segundo — como conquistas suas; realizou um cálculo e uma operação de câmbio inimagináveis para declarar, em discurso à ONU, que o auxílio emergencial concedido no Brasil no valor de R$ 600 — assegurados por luta da mobilização popular e da oposição — corresponde a mil dólares (e depois, claro, desmentiu alegando ter feito apenas uma “aproximação”).

Ao negar falas de seus ministros de governo, Bolsonaro parece se esquecer (ou pretender que esqueçamos) de um detalhe: o de que seus ministros são o governo. Mais até: o de que são ministros como Ricardo Salles — que se aproveita da crise para passar a boiada em favor da agropecuária predatória e do desmonte da proteção ambiental — e Paulo Guedes — que cogita congelar aposentadorias dos mais frágeis e não mexer em nada (a não ser para cima) na renda dos mais ricos — que sustentam seu governo. Ao declarar que não pode “tirar direitos de pobres para dar a paupérrimos”, Bolsonaro finge não saber que o que seu governo faz sistematicamente, desde o princípio, é retirar condições básicas mínimas de ambos os grupos, pobres e paupérrimos. E que é precisamente por isso que ainda tem uma base de sustentação, inclusive na mídia hegemônica e adoradora do ultraliberalismo, a qual pode até mordê-lo, mas segue a assoprar sua política econômica.

A reforma da Previdência mostrou isso. As tentativas de aprofundar a deforma (com D mesmo) trabalhista mostraram isso. O anúncio de corte de mais de R$ 1 bilhão no orçamento da educação básica (quando, na verdade, o setor precisa de mais recursos para lidar, seja remota ou presencialmente, com uma crise sanitária que não acabou) mostra isso. A retirada de R$ 35 bilhões do orçamento do Sistema Único de Saúde (SUS) para 2021 enquanto, no presente, o Brasil ainda registra quase mil mortos por dia pela Covid-19, escancara isso. Cogitar atacar as aposentadorias de quem mais precisa — e num momento em que fazem parte do maior grupo de risco — é mais um item para sua lista de covardias.

*João Batista da Silveira é secretário de ensino, advogado, professor de História e membro das diretorias executivas da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) e da Federação Sindical dos Auxiliares de Administração Escolar no Estado de Minas Gerais (Fesaaemg)

Da Carta Capital

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