Agosto roxo e o papel da educação no enfrentamento à violência contra a mulher

Por Valdir Graniel Kinn*

Máscara Roxa. É esse o código — e o nome — da campanha lançada em junho no Rio Grande do Sul como enfrentamento à violência contra a mulher. Há cerca de dois meses, a cada vez que uma mulher pede por uma máscara roxa numa farmácia que tenha o selo de “amiga das mulheres”, ela está se identificando como vítima e buscando apoio para romper o ciclo de agressões. Ao fazer a solicitação do produto, como se tivesse a intenção de se proteger do coronavírus, o atendente responderá que o produto está em falta, mas pedirá quatro informações para avisar sobre a chegada do equipamento de proteção: nome, endereço e dois telefones. Imediatamente, as informações serão repassadas para um número de WhatsApp disponibilizado pela Polícia Civil.

A campanha é motivada pelo aumento da violência doméstica sob a lupa do convívio mais intenso entre homens e mulheres durante o isolamento social imposto pela pandemia da Covid-19. A iniciativa, que conta com o apoio do Judiciário e de órgãos de segurança, é do Comitê Gaúcho Impulsor Eles por Elas/ He for She, ligado à ONU Mulheres. Os pronomes, aqui, são de suma importância. O machismo, a misoginia, a violência contra a mulher são crias masculinas. O combate a elas, portanto, não pode ser apenas das mulheres; essa é uma luta dos homens também. É preciso que nos dispamos de nossas máscaras e encaremos que somos igualmente responsáveis por combater, lado a lado com elas, os males que causamos.

Segundo o Cronômetro da Violência publicado no site da Agência Patrícia Galvão, uma mulher é vítima de estupro a cada nove minutos; três mulheres são vítimas de feminicídio a cada um dia; uma mulher registra agressão sob a Lei Maria da Penha (que acaba de completar 14 anos neste mês) a cada dois minutos. Números recentes apontam que o Brasil é o quinto colocado no ranking mundial de violência contra a mulher, dados que alarmam ainda mais neste tempo de pandemia.

De acordo com levantamento divulgado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos — que, sob a atual gestão, está a anos-luz de distância de representar avanços nesse enfrentamento e garantir apoio e segurança efetiva às vítimas —, só em abril, primeiro mês da quarentena no país, as denúncias de violência contra a mulher recebidas pelo número 180 aumentaram em 40% na comparação com o mesmo período de 2019. Esse número já tinha subido em março, mês em que teve início o isolamento social, com um avanço de quase 18%. Por sua vez, o índice de feminicídios teve alta de 22% durante a quarentena, de acordo com informações divulgadas em junho pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Um dos casos mais recentes, noticiado nesta semana, foi o de Carla Andreia Monteiro, de 46 anos, assassinada a tiro de espingarda na noite de 12 de agosto, dentro de sua própria casa, em Guarantã do Norte, a 700 km de Cuiabá. No cômodo onde Carla foi encontrada, malas arrumadas indicavam o desejo de uma fuga que ela não conseguiu fazer. O assassino? O companheiro dela, Uilson Morete Rodrigues, de 42 anos. Um homem. Um homem como tantos. Um homem como todos os homens que representam 48,2% da população brasileira. Um homem — e aqui toco minha própria máscara, roxa de vergonha — como eu.

Ser um homem no papel de coordenador da Secretaria de Defesa dos Direitos de Gênero e LGBTT+ de uma entidade como a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino — Contee é algo que nos faz rever nosso lugar. Ao longo dos quase 30 anos da entidade, na maior parte das vezes, a Secretaria de Gênero da Contee foi ocupada por mulheres, porque são elas as protagonistas desta luta. Mas o enfrentamento ao machismo, à misoginia, à cultura patriarcal e à violência de gênero que agridem e matam todos os dias é uma bandeira que precisa ser hasteada por todos os gêneros. E isso não pode ser diferente numa entidade educacional, para a qual — como deveria ser para toda a sociedade — a superação das desigualdades educacionais e sociais se dá também com a ênfase na promoção de igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual. Para a qual promover a igualdade de gênero é abrir o diálogo e criar espaços para se trabalhar todas as dimensões das desigualdades, problematizando a exclusão e o preconceito. Para a qual uma educação verdadeiramente democrática deve contribuir efetivamente para a superação de mazelas como o machismo, o racismo, a homofobia, a transfobia. Para a qual é fundamental que a formação das novas gerações seja de meninos não machistas e meninas livres do medo. Que possamos, no futuro breve, não precisar mais de campanhas como “Máscara Roxa” e que a cidadania se realize de forma plena independentemente de gênero, cor ou orientação sexual.

*Valdir Graniel Kinn é coordenador da Secretaria de Defesa dos Direitos de Gênero e LGBTT+ da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino — Contee

Da Carta Capital

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