Apesar de tudo, feliz ano novo!

Por José Geraldo de Santana Oliveira*

A locução interjetiva “feliz ano novo” encerra muito mais do que simples mensagem, que se repete a cada passagem de ano; exceto para os tecelões de discursos, que falam sem dizer, expressa esperança, desejo sincero de que a passagem de 31 de dezembro para 1º de janeiro seja de alegria e de festas — se se restringir a este marco, deve ser grafado com hífen: “feliz ano-novo” —, bem assim que os dias vindouros sejam venturosos, cheios de alegria e capazes de fazer esquecer eventuais amarguras enfrentadas no ano que se finda, para quem a emite e para quem a recebe — aqui, sim, “feliz ano novo”.

Em que pese a canção, a simples canção, ser uma luz dentro da noite, e um solene canto, um archote nas trevas — como ensina o poeta Mário Quintana, em seu belíssimo poema “Aula inaugural” —, e apesar de ser o povo incorrigível otimista — o que deve ser saudado com júbilo —, no atual cenário brasileiro e no que se desenha, para a partir de 1º de janeiro de 2019, pelos próximos quatro anos, de crescentes dificuldades, de toda monta, e de negação dos sagrados valores da cidadania, da dignidade da pessoa humana, do primado do trabalho, da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar, divulgar o pensamento, a arte e o saber, parece inevitável que esta magistral mensagem não flua
com as costumeiras espontaneidade e alegria e com o mesmo altivo fervor.

Apresenta-se como surreal, para dizer o mínimo, a crença de que o ano que chega seja de bom augúrio, no contexto sócio-político em que o presidente eleito afirma e reafirma, em alto e
bom som, que: “os trabalhadores têm de escolher se querem direitos ou emprego”; “no que for possível, eu sei que está engessado o artigo 7º da Constituição, mas tem que se aproximar da informalidade”; “não dá mais para continuar quem produz sendo vítima de ações de uma minoria, mas uma minoria atuante”; “ser patrão no país é um tormento”; e, não satisfeito, declara solenemente que extinguirá o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE ), que, há 88 anos, simboliza a proteção mínima das relações de trabalho, em especial no campo da fiscalização de cumprimento dos direitos assegurados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e de segurança e medicina do trabalho.

O cineasta John Carpenter, em contagiante declaração de amor à humanidade, dada em seu instigante filme “Starman” — “Homem das estrelas” —, por meio do inesquecível personagem do
ator Jeff Bridges, que representou o homem das estrelas, afirmou que o principal diferencial dela, que encanta os habitantes de outros planetas, é a sua capacidade de vencer as adversidades.

Como o quadro brasileiro é de absoluta adversidade para todos os que cultuamos a Ordem Democrática, façamos dessa espetacular lição de John Carpenter o mote de nossa resistência e de lutas pela reconquista do Brasil que a Constituição de 1988 preconizou e que foi perdido com o golpe do impeachment e com a eleição de 2018.

Nesta caminhada de resistência e de lutas, sem esmorecimento — o que nos é proibido, sob pena de sermos renegados pelas futuras gerações —, miremo-nos nos imortais versos de Carlos Drumond de Andrade, insculpidos no magistral poema “Mãos dadas”:

“Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas”.

Devamos, também, acreditar nos sonhos do poeta alemão Friedrich Schiller, revelados no poema “Esperança”, com tradução livre de Rodrigues, J.A:

“Esperança
Sonha e fala constantemente
todo homem, desse sonho ardente
que o faz lutar por atingir
um marco de ouro em seu porvir.
Seca e ressurge o mundo ao derredor:
o homem aguarda sempre um bem maior.

A esperança o desperta para a vida.
Envolve-o na adolescência florida,
ao moço atrai com brilho intenso.
O próprio ancião, nesse consenso,
ao baixar sobre seu caminho a treva,
à sepultura uma esperança leva.

Não é uma ilusão fugaz
com que se ofusca o néscio. Mas
o alto prenúncio, em nosso peito,
de que o destino humano é mais perfeito.
E essa voz interior, sincera,
não ilude – jamais – a alma que espera”.

Apesar de tudo, feliz ano novo!

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee

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