Argentina despede-se de Hebe de Bonafini na histórica marcha das Mães da Praça de Maio

Milhares de pessoas compareceram à primeira marcha sem Hebe; tal como desejava, suas cinzas foram enterradas na praça

Toda partida de uma mãe ou avó da Praça de Maio é profundamente sentida na Argentina. Muitas chegam a falecer sem saber o paradeiro de seus filhos e netos desaparecidos na ditadura. A morte de Hebe de Bonafini foi particularmente impactante pelo simbolismo de sua figura na luta pelos direitos humanos no país.

Neste domingo (27), completou-se uma semana do luto na Argentina pela partida de Hebe de Bonafini, aos 93 anos. A notícia de sua morte tomou conta das manchetes no dia da abertura da Copa do Mundo, e reuniu milhares de pessoas na histórica praça para sua despedida na última quinta-feira (24).

“Ela sempre foi uma mulher muito frontal, que sempre dizia o que pensava, sem se importar com o que diziam”, afirma Cristina Conde, professora aposentada presente na marcha em homenagem a Hebe. “Foi a primeira que enfrentou os militares perguntando onde estavam nossos filhos”, diz, mencionando a repressão dos militares montados em cavalos contra as militantes.

Hebe era referência e uma das líderes da organização de mães durante a última ditadura militar argentina, que se identificavam com o lenço branco na cabeça durante os protestos na praça em frente à Casa Rosada para reivindicar o paradeiro de seus filhos sequestrados pelos militares.

E foi justamente durante uma Copa do Mundo, a de 1976, que o grupo de mulheres conseguiu furar o cerco midiático da ditadura para dar visibilidade aos casos de desaparecimento no regime repressivo. A persistente presença na Praça de Maio das mulheres com lenços brancos na cabeça chamou a atenção da mídia internacional. Hebe de Bonafini foi uma das organizadoras dessas marchas, ao ter dois de seus três filhos desaparecidos pelos militares, além de uma nora.

“Sua valentia e coragem, em momentos em que imperava o silêncio, motivou e depois manteve viva a busca pela verdade, pela memória e pela justiça”, escreveu o argentino Papa Francisco, em carta endereçada à Associação das Mães da Praça de Maio, no mesmo dia da morte de Hebe. O pontífice ainda relembrou o encontro que teve com Bonafini. “Recordo, no encontro que tivemos no Vaticano, a paixão que me transmitia por querer dar voz aos que não a tinham.”

Com a volta da democracia, surgiram as diferenças de posicionamento político das militantes. A partir de então, a organização das mães foi dividida em duas: a Mães da Praça de Maio – Linha Fundadora, de caráter autonomista, e a Associação das Mães da Praça de Maio, alinhado ao peronismo – e da qual Hebe de Bonafini era presidenta.

O adeus a Hebe

A primeira marcha semanal das mães da Praça de Maio sem Hebe de Bonafini aconteceu na última quinta-feira, transformada em um ato de homenagem e despedida. Assim como desejava, suas cinzas foram depositadas na praça do monumento da Pirâmide, no centro da praça, eternizando sua presença no histórico palco de lutas pelos direitos humanos na Argentina.

A cerimônia foi protagonizada pelas integrantes da associação, em um dia atipicamente quente na cidade portenha: os termômetros registraram 36ºC. Também compareceram à marcha mães de outras cidades e províncias, para despedir-se da presidenta da associação.

“Lembremos das palavras, dos discursos que vão nos guiar daqui em diante”, disse a mãe da Praça de Maio Irene de Chueque, em um palco armado na praça. “Honremos a Hebe, porque ela se adiantava a nós, nos dava força, nos dava carinho, nos dava tudo. Ela nos dizia que a política não é um caminho para conseguir um cargo, mas para construir um projeto político onde a distribuição da riqueza esteja no povo.”

A tradicional ronda que acontece dentro da praça, desta vez, teve de ser realizada nas ruas que margeiam a Praça de Maio, dada a quantidade de presentes na marcha. Entre militantes e autoconvocados, muitas das pessoas presentes viveram a época da ditadura e sentem o peso da partida de uma figura como Hebe.

“A Hebe, para mim, é como um prócer. Não vai haver outra”, diz, entre lágrimas, a psicóloga aposentada Silvia Spitalnik, no ato de homenagem a de Bonafini. “Vai haver muitos lutadores, sempre, mas não outra Hebe. Porque ela tinha uma coragem e uma fortaleza que raramente se dá.”

Edição: Thalita Pires

Brasil de Fato

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