Brasil inicia a Conferência do Clima da ONU sob desconfiança mundial

COP-25 começa nesta segunda-feira 2, na Espanha; ministro Ricardo Salles deve pedir dinheiro por serviços ambientais
Após uma sequência de escândalos ambientais, é com desconfiança que o Brasil deve ser recebido na Conferência das Partes 25, a COP-25, órgão supremo da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. A conferência começa nesta segunda-feira 2, em Madri, na Espanha, e vai até 13 de dezembro. O evento seria realizado no Chile, mas mudou de sede após intensos protestos contra o presidente Sebastian Piñera.

A COP tem como objetivo reconhecer a existência de mudanças climáticas antropogênicas, ou seja, de origem humana, e implementar princípios e medidas práticas para que os países combatam as mudanças climáticas, principalmente, os países industrializados. A expectativa é de que cerca de 200 países participem da conferência neste ano.

Um dos grandes feitos da COP foi a costura do Acordo de Paris, aprovado por 195 países na 21ª edição da conferência, em 2015, para reduzir emissões de gases de efeito estufa em prol do desenvolvimento sustentável.

As nações signatárias se comprometeram em manter o aumento da temperatura média global em menos de 2ºC acima dos níveis pré-industriais e limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais.

O texto também determina que os países desenvolvidos dediquem 100 bilhões de dólares por ano em medidas de combate à mudança do clima em países menos desenvolvidos.

O Congresso Nacional brasileiro concluiu o processo de ratificação do Acordo de Paris em 12 de setembro de 2016. O país se comprometeu, por exemplo, em reduzir, até 2025, as emissões de gases de efeito estufa em 37% abaixo dos níveis de 2005, e em 2030, diminuir as emissões em 43%.

O Brasil também firmou o compromisso de aumentar a participação de bioenergia sustentável na sua matriz energética para 18% até 2030, restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas e alçar a produção de energias renováveis à fatia de 45% na composição da matriz energética em 2030.

E o Brasil que cultivava o meio ambiente ficou no passado

Tudo indica, porém, que os olhares do mundo para a primeira participação do governo Bolsonaro no evento não serão de admiração. Em menos de um ano no poder, já há uma lista de questões que chamaram (e chamam) a atenção da comunidade internacional. A começar pelo aumento do desmatamento e das queimadas da Amazônia.

Dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em 18 de novembro, mostram que o desmatamento na Amazônia já é o maior desde 2008. Segundo o levantamento do instituto, 9762 km² de floresta foram destruídos neste ano.

O recorde na década representa aumento de 29,5% em comparação ao ano anterior. O aumento percentual é o terceiro maior da história, atrás apenas dos verificados nos anos de 1995 e 1998. Juntos, os estados do Pará, Rondônia, Mato Grosso e Amazonas reuniram 84% do total desmatado no período pesquisado pelo Inpe, totalizando 8.213 km².

O incendiário discurso de Bolsonaro na Assembleia Geral das Nações Unidas, seguido da crise das manchas de óleo nas praias do litoral brasileiro e, recentemente, a prisão dos quatro brigadistas de Alter do Chão, no estado do Pará, tornam ainda mais tenso o clima que envolve no Brasil na área ambiental.

Mesmo com um currículo negativo nas costas, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou na quarta-feira 27 que pedirá aos países ricos uma “boa parcela” dos 100 bilhões de dólares que constam no acordo de investimento em ações de preservação do meio ambiente. A declaração ocorreu após audiência pública na Câmara dos Deputados.

Para o diretor de Economia Verde do WWF-Brasil, Alexandre Prado, o Brasil chega sem crédito. Ele avalia que a posição brasileira nesta edição da conferência tende a ser conservadora e deve avançar apenas em nichos específicos. Prado diz concentrar expectativas sobre qual será o sucesso do país na negociação no financiamento das ações contra as mudanças climáticas.

“O Brasil chega nessa COP semelhante à COP anterior, com uma posição muito diferente do histórico brasileiro nos processos de negociação de mudanças climáticas. O Brasil chega envergonhado, sem nenhuma grande qualificação para colocar na mesa, numa posição de difícil negociação, apesar de, dado o seu histórico, ser muito respeitado durante todo esse processo”, avalia.

Para a doutora em Geografia Humana e professora de Relações Internacionais da Universidade Anhembi Morumbi, Helena Margarido, o Brasil vai sem a confiança que antes a comunidade internacional depositava nele. Para ela, o mundo ainda está espantado com o discurso de Bolsonaro da ONU e assiste à desmobilização de organismos da área, como o Ibama, por parte de ações do governo.

“O Brasil chega com muita desconfiança. O Salles tem dito que o objetivo do Brasil na COP-25 vai ser discutir compensação por serviços ambientais prestados e afirmando que, pelos serviços que o Brasil presta, certamente mereceria boa parte desses 100 bilhões, ignorando completamente que, na verdade, a política ambiental que o governo pratica é o contrário de preservação. É uma política de destruição”, examina a pesquisadora.

O Observatório do Clima, rede de 47 organizações não governamentais e movimentos sociais, divulgou uma programação de debates em Madri, no mesmo período em que ocorre a COP-25. No dia 10 de dezembro, realizará uma mesa com pesquisadores que discutirão o tema “O Brasil vai cumprir as suas metas no clima?”; no mesmo dia, convidará o senador Fabiano Contarato (Rede-ES) para debater o assunto “O pior ainda está por vir – ecocídio e violações dos direitos humanos no Brasil de Bolsonaro”. Em 11 de dezembro, o Observatório realizará uma coletiva e, em 12 de dezembro, fará um encontro com parlamentares engajados na causa ambiental.

O mundo em débito com o meio ambiente

Para Helena Margarido, uma expectativa possível para esta edição da COP é a avaliação da proposta de revisão das metas dos países signatários do Acordo de Paris. Segundo o tratado, é necessário haver ciclos de revisão desses objetivos de redução de gases de efeito estufa a cada cinco anos. Como os compromissos foram firmados em 2015, o prazo é que as metas sejam revistas em 2020.

Na Assembleia Geral da ONU deste ano, chefes de estado de 63 países anunciaram planos para aumentar as metas de redução de emissão de gases de efeito estufa. Porém, a estimativa é de que a participação desses países seja de 8% nas emissões globais. Portanto, é decisivo que a China e países da União Europeia anunciem suas revisões. Os Estados Unidos, outro gigante das emissões, já declarou a decisão do presidente Donald Trump em sair do Acordo de Paris.

No dia 26 de novembro, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) alertou que é preciso reduzir a emissão de gases em 7,6%, no período entre 2020 e 2030, para evitar uma “catástrofe climática”. O documento indicou que, sem essa redução, a temperatura do planeta pode aumentar 3,2ºC. Contudo, segundo dados divulgados pela ONU em outubro, as emissões subiram 1,6% ao ano entre 2008 e 2017 no mundo.

Segundo a ONU, 15 dos 20 países mais ricos não têm sequer um plano para atingir o nível zero de emissões, e sete países devem aplicar mais medidas para cumprirem as promessas atuais: Brasil, Austrália, Canadá, República da Coreia, África do Sul, Japão e Estados Unidos. Apesar de a questão ser urgente, Helena cogita que os países não se adiantem nas revisões de metas neste ano e deixem apenas para 2020. A ver.

Da Carta Capital

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