“Capital tomou para si o papel de educar”, denuncia pesquisador

Professor Allan Kenji Seki abriu o Seminário Nacional de Educação Básica da Contee e alertou para os impactos da oligopolização e das Edtechs sobre o trabalho docente

O impacto dos processos de financeirização e oligopolização da educação sobre o trabalho docente, em especial com o desenvolvimento de plataformas digitais, foi um dos pontos de destaque do debate sobre o avanço da privatização e do capital aberto na educação básica. O tema abriu, na tarde desta sexta-feira (29), o Seminário Nacional de Educação Básica promovido pela Contee, com apontamentos, inclusive, sobre o projeto do capital de operar desaparição da figura do professor.

“Lembrando Conceição Evaristo, combinaram de nos matar, mas combinamos de não morrer”, citou o professor Allan Kenji Seki, na palestra de abertura, mediada pelas professoras Adércia Hostin e Conceição Fornasari, dirigentes da Confederação.

“No processo de resistência que os sindicatos e os trabalhadores da educação precisam abraçar para si, precisam contar também com a força mobilizatória de todos os setores da classe trabalhadora”, defendeu Seki. “Só nós não daremos conta diante de um inimigo tão articulado, nessa forma que o capital apresenta para tomar a educação como sua. Todos os setores precisam ter em mente que a educação nacional é parte estratégica de suas próprias agendas e horizontes políticos. Não é uma luta que se restringe só aos trabalhadores da educação.”

Seki é doutor em Educação pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e, atualmente, pesquisador de pós-doutorado do Greppe (Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional), na Unicamp (Universidade de Campinas). O inimigo articulado ao qual se refere é o capital privado que “tomou para si o papel de educar as novas gerações de trabalhadores”. “O capital não está mais preocupado só em privatizar, em colocar a educação como serviço, mas em estabelecer projetos pedagógicos totalizantes”, denunciou.

Oligopolização e financeirização

Na palestra de abertura do seminário, o pesquisador traçou histórico do processo de financeirização na educação privada brasileira, com marcos que vieram desde a própria LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), de 1996, passando pelo Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior), ProUni (Programa Universidade Para Todos), Proies (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior) e Novo Fies.

Segundo ele, a crescente oligopolização fez com que os 10 maiores grupos empresariais de educação privada concentrassem, em 2017, 42,7% das matrículas no ensino superior privado (presencial e EaD ). “Apenas 5 grupos concentraram mais do que todas as matrículas públicas no Brasil”, destacou.

“A oligopolização do ensino privado é uma política de Estado. Não fosse, a gente veria dados de concentração econômica na primeira página do Ministério da Educação. A ausência desses dados, que não são sistematizados em nenhum dos censos realizados, evidenciam que o Estado não só é passivo diante da oligopolização, como a agencia.”

Para Seki, a financeirização “não envolve só abertura de ações na bolsa de valores, mas todas as negociações de capitais que passem por bancos, fundos e seguradoras”. Desse modo, o processo de financeirização no Brasil começou em 1998, justamente na educação básica, com o grupo Pitágoras, que posteriormente se transformou na Kroton e, atualmente, na Cogna.

“A Cogna possui mais de 120 instituições com nomes diferentes no Brasil. Quando um estudante se matricula numa instituição de nome ‘Anhanguera’, ele não tem como saber a personalidade jurídica e o dono daquela instituição”, alertou.

Especificamente sobre a nova onda de expansões do capital na educação, em especial na educação básica, o pesquisador elencou ser possível reconhecê-la na formação de professores; no domínio do mercado de livros didáticos; nos sistemas de ensino e apostilamento; na organização curricular; nos sistemas de gestão escolar; na hibridização do ensino, que leva à normalização da EaD; e nas plataformas digitais, as Edtechs, que transformam, reconfiguram e, por vezes, tentam excluir o trabalho do professor.

A exposição completa pode ser assistida na TV Contee:

Táscia Souza

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo