Conheça a bancada de R$ 3 milhões dos fundadores da Localiza

Ex-secretário de desburocratização Salim Mattar e seu irmão financiam tropa de liberais em momento crucial para defender seus incentivos fiscais

AOS 33 ANOS, o deputado federal Lucas Gonzalez, do Novo, tenta a reeleição. Para isso, abocanhou a maior doação até agora de Salim e Eugênio Mattar, os irmãos fundadores da Localiza: R$ 350 mil, sendo R$ 250 mil de Salim e R$ 100 mil de Eugênio. Em 2018, Salim, ex-secretário de Desestatização, Desinvestimento e Mercados de Bolsonaro, já havia doado R$ 100 mil para a campanha do candidato, que depois de eleito retribuiu com várias propostas de flexibilização de leis trabalhistas (nenhuma foi para frente). Agora, a aposta foi triplicada.

Notórios doadores de campanha, até agora os irmãos Mattar já regaram com R$ 3,1 milhões 24 candidaturas, a maioria do Novo de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Paraná. Só Salim já distribuiu R$ 2,7 milhões a 19 candidatos, segundo informações do Tribunal Superior Eleitoral, o TSE.

Entre as propostas de Gonzalez, o maior agraciado pelas doações, está uma alteração na CLT que prevê a “suspensão do contrato de trabalho em caso de crise econômico financeira da empresa”. Sua conta de Twitter traz um resumo da cartilha liberal na economia e conservadora nos costumes que rege a política de boa parte dos políticos do partido. “Como é difícil colocar na cabeça dos parlamentares de esquerda que quanto MAIS ‘regrinhas trabalhistas’, MENOS postos de trabalho”, opinou para seus 17,1 mil seguidores em 3 de agosto.

“Enquanto alguns lutam cegamente para tornar o aborto uma prática normal, outros reconhecem o estrago irreversível que ele provoca. Acertada a decisão da Suprema Corte Americana”, publicou o deputado em comentário à revisão ao amplo direito ao aborto nos Estados Unidos, que, após mudança de posição da maioria da Suprema Corte, permitiu que estados de governo conservador proibíssem a prática.

Ali, ele também deixa claro quem apoia para presidente: “As eleições exigirão de muitos coragem suficiente p/ conscientizar/convencer outros muitos a NÃO VOTAREM NULO/BRANCO ou a NÃO SE ABSTEREM. Será PALMO A PALMO e não podemos descansar na eminência do PT VOLTAR AO PODER. # PTNunca Mais. Obs, não confie na sua ‘bolha’”, postou em 23 de julho.

De acordo suas declarações de bens junto ao TSE, o patrimônio de Gonzalez encolheu de forma dramática nestes quatro anos como parlamentar. Segundo os dados da Justiça Eleitoral, em 2018 o então candidato declarou um patrimônio de R$ 21.140.240,06. Havia mais de R$ 19 milhões em fundos de investimento, um apartamento de quase R$ 900 mil e um carro de R$ 85 mil, entre outros bens. Neste ano, todo o patrimônio declarado resume-se a uma casa no valor de R$ 3 milhões e um veículo automotor de R$ 60 mil.

Questionada pelo Intercept, a assessoria do deputado afirmou que a “legislação permite doações de pessoas físicas” e que “não utiliza um centavo de dinheiro público do fundo eleitoral”. “Sendo assim, é uma campanha feita de doadores, sejam eles de R$ 5 ou R$ 5 mil. Todas as doações são declaradas, estão dentro da legalidade e seguem as normas do Tribunal Superior Eleitoral”, disse a assessoria. Sobre o patrimônio, Gonzalez disse apenas que a variação “se deve a movimentações legais, de cunho pessoal e referente à vida privada, devidamente declaradas”.

Nomes foram escolhidos ‘pelo engajamento às ideias liberais’.

Salim Mattar também lembrou de contribuir com R$ 250 mil para a campanha a deputado federal por São Paulo do ex-ministro do Meio Ambiente e ex-colega de governo federal, Ricardo Salles. Recém-ingresso no PL, ele foi expulso do Novo em maio de 2020, após pedir demissão do ministério em meio a um escândalo de corrupção. Ele é investigado pela Polícia Federal por suspeita de fazer parte de uma quadrilha que contrabandeava madeira ilegal para o exterior.

Outro dos candidatos agraciados com R$ 250 mil, a maior bolada individual de Salim, foi o vereador paulistano Fernando Holiday, atualmente na disputa pela Câmara dos Deputados pelo Novo. Projetado pelo MBL e por sua defesa incansável do Escola sem Partido, Holiday saiu brigado do movimento no ano passado. Em declarações à imprensa na época, disse que havia uma incompatibilidade de agendas, já que o MBL não defendia o movimento LGBT nem o aborto.

Procurado pelo Intercept, Salim Mattar afirmou, por meio de sua assessoria, que os nomes foram escolhidos “pelo engajamento às ideias liberais”. “Todas as doações estão em conformidade com as regras da Justiça Eleitoral respeitando o limite de 10% de seus rendimentos brutos no ano anterior”, disse o empresário via assessoria de imprensa.

A própria bancada ‘liberal’

Como em outros anos, o partido Novo comunicou ao TSE que renunciaria aos R$ 87,7 milhões do fundo eleitoral. Assim, suas campanhas são inteiramente financiadas com recursos privados, como os dos donos da Localiza. Foi para o Novo a maior fatia das doações dos irmãos Mattar: R$ 2,1 milhões. Ao todo, 19 dos candidatos financiados pelos Mattar são da sigla. Outros três são do PL, um do União Brasil e um do Podemos.

A assessoria de Salim Mattar afirmou que o empresário não é filiado a nenhum partido, mas está apoiando “predominantemente, mas não exclusivamente, candidatos a governador, senador, deputado federal e deputado estadual, pelo partido Novo de cujos valores liberais compartilha e que renunciou ao uso de verba do fundo eleitoral”.

Dos 24 nomes apoiados pelos empresários até agora, 15 são candidatos a deputado federal, um a senador, dois a governador e outros seis a deputado estadual. As doações de Salim vão de R$ 25 mil a R$ 250 mil, enquanto Eugênio doou entre R$ 30 mil e R$ 100 mil para cada candidato. Nas eleições municipais de 2020, Salim ficou em quinto lugar no ranking dos maiores doadores, com R$ 1,9 milhão distribuído aos candidatos. Seu irmão foi o oitavo, com R$ 1,48 milhão.

Embora esteja empenhado em eleger uma tropa de choque autointitulada liberal na economia, os negócios dos Mattar são dependentes de incentivos do governo. A Localiza é uma das três maiores empresas de locação e revenda de veículos usados do país. Esse setor se beneficia diretamente de isenções fiscais concedidas pelo governo federal na compra direta de veículos zero quilômetro das montadoras. Após até dois anos de uso, eles são revendidos pelo preço de mercado sem pagamento de ICMS, um imposto estadual.

A bancada dos Mattar, caso eleita, pode ajudar a decidir regras para revenda de carros de locadoras.

O lucro da operação é fabuloso. Além das isenções fiscais, as locadoras conseguem descontos adicionais na compra de lotes grandes de veículos. A receita com a venda de seminovos chegou a 60% do faturamento global das três maiores empresas do ramo — Localiza, Unidas e Movida —, revelou a Folha de S.Paulo em janeiro de 2020.

Apesar disso, o regramento em vigor atualmente é frágil e baseia-se em uma resolução de 2006 do Conselho Nacional de Política Fazendária do Ministério da Fazenda, que permite a venda dos carros após 12 meses de uso na locação. No final de 2020, o Supremo Tribunal Federal julgou uma ação da Localiza em que a empresa pedia a isenção do ICMS para a venda de carros antes de um ano de uso. O pedido não foi atendido.

Paralelamente, governos de estados como São Paulo e Sergipe começaram a fiscalizar e cobrar na justiça o ICMS em cima da venda dos carros usados pelas locadoras antes e depois de um ano de uso, apesar de a decisão do STF dizer respeito apenas à cobrança antes do prazo de um ano.

Atualmente, existem projetos de lei no Congresso tanto endurecendo as regras para a revenda dos carros das locadoras quanto para facilitar a vida dessas empresas. A bancada dos Mattar, caso eleita, pode ajudar a decidir a discussão.

O empresário Eugênio Mattar afirmou que seu apoio a partidos políticos é “uma forma de participação legítima no desenvolvimento de uma sociedade democrática e plural”, não tendo “qualquer vínculo com o negócio em que estou à frente, e de acordo com as determinações previstas pela legislação”.

Procurado por meio de sua assessoria de imprensa, o deputado federal Lucas Gonzalez não retornou nossos contatos até a publicação desta reportagem.

The Intercept Brasil

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