Conjuntura política é tema da aula inaugural do curso “Educação do Brasil na atualidade”

A importância da formação sindical para enfrentar a atual conjuntura política foi o grande destaque da noite desta sexta-feira (18) na aula inaugural do curso remoto de formação “Educação do Brasil na atualidade”, realizado pela Contee, em parceria com o Centro Nacional de Estudos Sindicais e do Trabalho (CES) e com a Secretaria Nacional de Formação da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Mais de cem inscritos, entre diretores da Confederação e das entidades filiadas, assistiram às exposições feitas pelo economista Marcio Pochmann e pelo jornalista Altamiro Borges, que conduziram as reflexões sobre a crise que enfrentamos e os desafios do movimento sindical.

“Um dos desafios da nossa Confederação, que é a realização deste curso, se torna positivo no sentido de reunir essas lideranças e grandes ativistas que estão resistindo”, saudou, em sua fala inicial, a coordenadora da mesa e da Secretaria de Formação da Contee, Guilhermina Luzia da Rocha. Em nome do CES, o professor Augusto Petta, ex-presidente da Contee, destacou que “a formação sempre foi muito importante e ganha importância ainda maior neste momento em que o neofascismo atinge o Brasil”. Petta ressaltou ainda que é fundamental um trabalho de conscientização da sociedade e que esse curso pretende ser o pontapé para um processo de formação permanente no âmbito da Confederação.

A secretária nacional de Formação da CUT, Rosane Bertotti, também enfatizou o papel tático da formação. “A formação é sempre um elemento estratégico na luta das organizações. Nunca é uma política em si só, mas sim ligada à nossa ação”, frisou, acrescentando que esse espaço do curso abre a perspectiva da construção do conhecimento coletivo. “Estamos retomando um trabalho de formação da Contee que já havia sido iniciado antes da pandemia e que agora acontece de forma até mais ampla”, observou, por sua vez, a coordenadora-geral em exercício da Contee, Madalena Guasco Peixoto. “Nesses momentos difíceis, se não compreendemos as particularidades, ficamos sem rumo. A formação sempre foi muito importante no movimento sindical e agora se torna mais importante diante da realidade extremamente complexa e adversa que estamos enfrentando.”

A crise do capitalismo no Brasil

À abertura, que também teve um momento de mística com a leitura do texto “Ao destino”, de Ademar Bogo — autor também recitado no encerramento —, seguiu-se a apresentação de Marcio Pochmann, que fez um retrospecto do capitalismo brasileiro desde a proclamação da República até esta terceira década do século XXI. “O país hoje é um país sem vitalidade econômica. O PiB per capita atual não deve ser diferente do que era na década de 1980. Somos um país desindustrializado, em que a indústria pesa hoje no PIB menos de 10%, que era o peso da indústria na década de 1910. O que resta é uma espécie de ‘fazendão’, de exploração e exportação latifundiária, mas que também é dependente do mercado internacional, porque não produz as sementes transgênicas, não produz o agrotóxico… E o resto é o setor terciário, em sua maioria vinculado à renda das famílias. Uma espécie de reorganização da casa grande, ou seja, muitas casas grandes que vão se apropriando de uma massa abundante de mão de obra.”

Outro aspecto da realidade brasileira apontado por Pochmann foi o estado policial, que, segundo ele, “também opera sobre essa massa abundante de mercado de trabalho”. O Brasil tem a terceira maior população aprisionada do mundo, em sua maioria formada por pobre e negros, retirados, pela prisão, do mercado de trabalho. Enquanto isso, quando os novos prefeitos a serem eleitos em novembro tomarem posse, em janeiro de 2021, a economia do país, será 11% menor do que foi em 2014. E, mesmo que depois da pandemia fosse retomado o ritmo lento de crescimento dos últimos anos, só se retornaria ao patamar de 2014 em 2030. “Se a economia não cresce, não tem receita pública e, consequentemente, não tem como atender os desejos mínimos da classe trabalhadora e de toda a população. A estrutura do país, que era industrial, desapareceu. E desaparecendo, leva consigo a classe trabalhadora urbana e industrial e a burguesia urbana industrial. O que há hoje é uma burguesia de negócios e uma classe trabalhadora de serviços.”

O economista destacou ainda o domínio das igrejas neopentecostais e do crime organizado. “O sinal de interpenetração do crime organizado dentro do governo brasileiro é inegável. É uma força que opera nas eleições, que faz seus acordos político-partidários… E, de outro lado, as igrejas neopentecostais também são negócios, que têm banco, que atuam em partidos políticos. Mas uma coisa nova agora é a fusão dessas duas forças”, alertou. Diante disso, amplia-se a tarefa do movimento sindical e dos movimentos sociais. “Muitos discursos dos partidos e dos sindicatos são discurso sem teoria, sem leitura da realidade. A formação é que nos dará mais oportunidade se intervir nessa realidade.”

Tendências e contratendências

Altamiro Borges centrou sua intervenção na contextualização da atualidade brasileira frente à mundial. “Podemos observar quatro grandes tendências. A primeira é o cenário de desastre econômico devastador e que vai se prolongar. Essa é a pior das crises que o sistema capitalista já viveu na história, superando a crise de 1929. A segunda tendência é que essa crise vai ser despejada, como sempre na história do capitalismo, nas costas dos trabalhadores. A terceira é a concentração de capital: os pequenos vão falir e serão engolidos pelos grandes. E a quarta é que se mantém a hegemonia das forças ultraconservadoras e neofascistas no mundo: autoritarismo na política casado com conservadorismo nos direitos civis e com ultraneoliberalismo na economia”, descreveu.

Para Miro, “a crise no capitalismo, em suas distorções, está atrelada também a uma crise das instituições, inclusive dos sindicatos, sobretudo com a limitação das experiências de esquerda reformistas/ social-democratas no mundo: promoveram mudanças, mas não conseguiram politizar a sociedade”. Em contrapartida, ele apontou também quatro contratendências. “A primeira é que a luta de classes deve se intensificar no próximo período. A pandemia, que mostrou ter classe e cor, aguçou contradições desse sistema. A segunda é que vai haver um grande debate sobre o papel do Estado e a importância da saúde pública, por exemplo, ficou evidente. A terceira é que os EUA não estão mais sozinhos nesse tabuleiro mundial. E a quarta é que a onda reacionária pode estar atingindo seu teto, porque, ao prometer soluções para a crise econômica e não conseguir dar respostas, deixou de ser pedra para ser vidraça.”

De acordo com o jornalista, Bolsonaro, no Brasil, é fruto das circunstâncias. “Bolsonaro é um imbecil do baixo clero político que chegou ao poder por causa desse cenário. Se elegeu em função da criminalização da política, em que mídia teve papel decisivo. Bolsonaro é fruto do golpe da Dilma. O ovo do neofascimo foi chocado, no Brasil, pela mídia, pelo Judiciário e pelas igrejas neopentecostais”, declarou. “Só que Bolsonaro vai sofrendo seus desgastes. Já estava desgastado por causa da crise econômica, passou a sofrer ainda mais com a pandemia.”

Embora esse desgaste de Bolsonaro tenha se reduzido por uma mudança de postura — ao perceber o risco de impeachment — e pelo auxílio emergencial — que conseguiu capitalizar politicamente, embora tenha se posicionado contrariamente à sua aprovação —, Miro acredita que a situação pode se alterar novamente. “O auxílio emergencial vai ser cortado pela metade, a taxa de desemprego vai ficar mais próxima do real… Vai gerar uma grande tensão nesse governo.”

Para o enfrentamento, a questão central, para ele, é a solidariedade de classe. “O movimento sindical luta por suas questões corporativas, mas não pode ser só isso. Há pautas que precisam ser defendidas e que estão na ordem do dia: a renda básica (o auxílio emergencial tem que virar política de estado); o fortalecimento dos órgãos públicos; e a reforma tributária (só se financia isso taxando os ricos). Temos que bater para matar nesse teto de gastos, e construir a unidade no nosso campo.”

Depois de Miro, abriram-se as inscrições para perguntas. O coordenador-geral licenciado da Contee, Gilson Reis, também se manifestou durante esse momento de debate. “É imprescindível pensar na formação de lideranças, como estamos fazendo, e construir um movimento capaz de colocar em xeque o sistema capitalista e, sobretudo, essa base financista autoritária e excludente”, defendeu. “A Contee está consciente da importância da formação na transformação da realidade.”

Por Táscia Souza

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