Contee denuncia prejuízos da reforma da Previdência a parlamentares e entidades

O coordenador-geral da Contee, Gilson Reis, enviou ofício aos deputados e deputadas federais, senadores, senadoras e entidades populares e institucionais, como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), denunciando os efeitos perversos para professoras, professores e técnicos administrativos das escolas particulares da reforma da Previdência proposta pelo Governo Bolsonaro. Após listar em detalhes os prejuízos que serão sofridos pela categoria no caso de aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC), a Contee solicita o expurgo dos itens “de lesa-sociedade, sem a qual não há progresso e nem esperança”.

Leia a íntegra do documento:

A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino — Contee é uma entidade que representa, em todo o país, mais de 1 milhão de professores/as e técnicos administrativos/as que atuam no setor privado de educação, das escolas infantis às instituições de ensino superior. Essa categoria é formada, sobretudo na educação básica — ainda mais na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental —, majoritariamente por mulheres.

Segundo o Censo Inep/MEC de 2018, os/as professores/as da educação básica totalizam 2,2 milhões, sendo 1.854,400 urbanos e 345.600 rurais, que dão aulas em 141.367 escolas públicas e 40.572 particulares. No setor privado, conforme dados levantados pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) a pedido da Contee, as educadoras somam 64,6% do total de docentes, mas recebem um salário, em média, 22% menor do que os homens.

É em defesa desses trabalhadores — e, especialmente, dessas trabalhadoras — que gostaríamos de propor algumas reflexões sobre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 6/2019, em tramitação na Câmara Federal, que visa a promover a mais profunda e inusitada reforma da Previdência e da Assistência Social de todas quantas já efetivadas e/ou intentadas. Inicialmente, faz-se necessário destacar que a valorização dos profissionais da educação — tanto professores quanto técnicos administrativos — é um princípio constitucional, assegurado no Art. 206, inciso V, da Constituição Federal (CF). Isso é fundamental para que tenham efetivas condições de cumprir os objetivos educacionais, determinados pelo Art. 205 da CF, e que incluem o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Todavia, Senhor/a Deputado/a, a PEC 6/2019 vai na contramão da valorização definida pela Constituição. Ao contrário, o que a reforma da Previdência propõe é sinônimo de depreciação, desrespeito e desprezo. Antes de mais nada, porque, além de destruir a seguridade social baseada na solidariedade de toda a sociedade e na repartição simples, a PEC desconstitucionaliza todos os benefícios previdenciários, neles incluídos as aposentadorias dos professores e, sobretudo, das professoras (ainda mais penalizadas), com a finalidade de transferir sua regulamentação para lei complementar, sem o rigor e sem as exigências de emendas constitucionais.

Até que essa lei seja aprovada, a aposentadoria fica mantida desde que o professor e a professora comprovem 60 anos de idade e 30 de contribuição. Essa regra perversa será aplicada a todos/as os/as professores/as, públicos/as e privados/as, que iniciarem as suas atividades a partir da promulgação da emenda, caso a PEC seja aprovada com essa redação.

Senhor/a Deputado/a, é possível imaginarmos professoras com 59 anos de idade, dentro de uma sala de aula de educação infantil e/ou nos anos iniciais do ensino fundamental, com cerca de 25 crianças, por oito horas diárias, em milhares de escolas que não dispõem sequer de infraestrutura mínima?

Conforme o Censo de 2018, há 557,5 mil professores atuando em educação infantil, e 761,7 mil nos anos iniciais do ensino fundamental. Quanto à idade, dos 2,2 milhões de professores, 4,2%, têm até 24 anos; 34,5% entre 30 e 39 anos; 31,2% entre 40 e 49 anos; e 3,2% acima de 60 anos (não há dados sobre as escalas de 25 a 29 e de 50 a 59 anos, que somam o percentual de 26,9%).

Não é demais lembrar que a atividade docente foi reconhecida como penosa — árdua, difícil, que causa sofrimento — já em 1963, pelo Decreto N. 53831, o que, desde então, confere aos professores e professoras da educação básica o direito de se aposentar com idade e tempo de contribuição reduzidos em relação às atividades que não exigem o mesmo esforço. Essas condições diferenciadas, no entanto, são desprezadas pela PEC 6/2019.

Para além dessa idade desproporcional ao esforço físico e mental e do aumento de cinco anos no tempo de contribuição para as professoras, a PEC em questão impõe uma drástica redução dos benefícios previdenciários dessa categoria. Hoje, a aposentadoria para os/as docentes da rede pública corresponde à remuneração integral para os que ingressaram no serviço público até 31 de dezembro de 2003 — data da promulgação da Emenda N. 41 —, que podem se aposentar aos 50 anos de idade e 25 de contribuição, para a professora, e 55 e 30, respectivamente, para o professor. Para os da iniciativa privada, que atingem 86 pontos, se mulher, e 96, se homem, resultantes da somatória da idade e tempo de contribuição, com o acréscimo de cinco pontos ao total encontrado, a Lei N. 8213/1991 garante 100% do salário de benefício. Pela PEC, contudo, a comprovação de 60 anos de idade e 30 de contribuição assegura-lhes, tão somente, proventos equivalentes a 80% dos salários de contribuição de todo o período contributivo. Para chegarem a 100%, terão de comprovar 40 anos de contribuição, sem nenhuma lacuna.

Isso significa que a PEC, além de exigir mais dez anos de idade para a professora e cinco para o professor, exige-lhes também mais 15 anos de contribuição para ela e dez para ele, para que façam jus à aposentadoria integral. Como se pode ver, ambos são penalizados, mas as mulheres — que, na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, começam a lecionar mais jovens, recém-saídas da formação do magistério — são ainda mais.

Faz-se necessário registrar que as condições dos/as professores/as que dão aulas em escolas particulares são ainda mais desvantajosas, uma vez que, além de não possuírem piso salarial unificado nacionalmente, não usufruem da garantia de destinação de um terço da carga horária semanal para estudo, planejamento e avaliação de que trata a citada Lei N. 11.738/2008, ainda restrita aos das redes públicas.

As crueldades da PEC não se restringem aos/às professores/as que ingressarem na educação básica após a sua promulgação, caso ela seja aprovada. Atingem em cheio também os/as que já se encontram em atividade, com a chamada regra de transição.

Aos da rede pública, exige:

I 51 anos de idade, se mulher, e 56, se homem, na data da promulgação da emenda.

II 25 de contribuição, se mulher, e 30, se homem, na data da promulgação da emenda.

III 52 anos de idade, se mulher, e 57, se homem, a partir de 1º de janeiro de 2022.

IV 81 pontos, se mulher, e 91, se homem, resultante da soma da idade com o tempo de contribuição, na data da promulgação da emenda. (Essa exigência, aliás, contida no §6º, do Art. 3º, da PEC, na prática, anula as possibilidades dos incisos I e II, pois, a rigor, a professora terá de comprovar 56 anos de idade e o professor, 61, e não, respectivamente, 51 e 56, com especificam estes.)

V Acréscimo de 1 ponto, a cada ano, a partir de 1º de janeiro de 2020, até atingir o limite de 95, para a mulher, e 100, para o homem.

VI Remuneração integral para os que ingressaram até 2003; e, para os que ingressaram a partir de 1º de janeiro 2004, inclusive, 60% da média aritmética simples de todas as contribuições efetuadas, mais 2% por ano de contribuição que exceder a 20 anos, até o limite de 100%.

Essa fórmula de cálculo dos proventos de aposentadoria, para os que ingressaram a partir de 1º de janeiro de 2004, implica a subtração de 30% da professora — novamente mais penalizada — e 20% do professor. Isso porque, pela regra atual, com respectivamente 25 e 30 anos de contribuição, eles alcançam 100% da média; já pela PEC, somente alcançarão com 40 anos de contribuição.

Aos da iniciativa privada, regidos pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS), a proposta de reforma da Previdência exige:

I 25 anos de contribuição, se mulher, e 30, se homem.

II 81 pontos, se mulher, e 91, se homem, resultantes da soma da idade mais o tempo de contribuição. (Com base nessa exigência, a professora, para se aposentar com 25 anos de contribuição, terá de comprovar pelo menos 56 de idade e o professor, 61).

III Acréscimo de 1 ponto, por ano, a partir de 1º de janeiro de 2020, até o limite de 95, para a mulher, e 100, para o homem.

Os proventos de aposentadoria dos professores e dos demais segurados do regime geral serão correspondentes a 60% da média aritmética simples de todas as contribuições efetuadas a partir de julho de 1994, com o acréscimo de 2% por ano que a exceder a 20 anos de contribuição, até o limite de 100%.

Essa fórmula de cálculo dos proventos de aposentadoria, para os professores do regime, implica a subtração de 30% da professora e 20% do professor, pois que, pela regra atual, com respectivamente 56 e 61 anos de idade e 25 e 30 anos de contribuição, alcançam 100% do salário de benefício, que corresponde à média aritmética simples de 80% dos salários de contribuição, desde julho de 1994, devidamente atualizados; pela PEC, somente alcançarão isso com 40 anos de contribuição.

Como dito, a PEC é especialmente cruel com as professoras. Explicando por outro ângulo, para as que comprovarem tempo de trabalho exclusivamente na educação infantil e no ensino fundamental e médio, haverá idade mínima de 60 anos para a aposentadoria. Além da idade mínima, a soma de idade e de tempo de contribuição terá que alcançar 91 pontos para o homem e 81 para a mulher. Essa exigência, como citado, cresce a partir de 2020 em um ponto por ano até que complete a soma de 95 para a mulher e 100 para o homem. Notem, porém, que, quando os novos patamares forem alcançados, o aumento das exigências para as professoras (de 81 para 95) é maior do que para os professores (de 91 para 100). Com isso, o tempo mínimo de contribuição será de 40 anos para o homem e de 35 para a mulher. Somente assim, somados a uma idade de 60 anos, o resultado será de 100 e 95, respectivamente. Se esses trabalhadores contarem com menor tempo de contribuição, deverão ter mais de 60 anos.

O tempo diferenciado, que hoje é menor (30 e 25 anos), reduz o valor de benefício para quem acumula menos de 40 anos de contribuição. A reforma amplia as idades mínimas e tempo de contribuição ao exigir que a soma de idade e contribuição atenda a determinados valores. Exige idades de 61 anos para o homem e 51 para a mulher que contar apenas com os tempos de contribuição mínimos exigidos (30 ou 25, respectivamente). Quem, no setor privado de ensino, atinge tantos anos de trabalho exclusivo no setor?

Eis, Senhor/a Deputado/a, o tratamento que a PEC N. 6/2019 dispensa àqueles e, sobretudo, àquelas — professoras, inclusive, dos filhos e netos de Vossas Excelências — que receberam a árdua e essencial atribuição de educar as crianças e os jovens para a vida, a cidadania e o trabalho. Parece ser necessário dizer, sem qualquer exagero, que a PEC em destaque elegeu os/as professores/as como o primeiro e principal alvo a ser abatido.

Ante todas essas razões, esperamos contar com o apoio e o voto de V. Exª para expurgarmos da PEC em questão essas medidas de lesa-sociedade, sem a qual não há progresso e nem esperança.

Atenciosamente,

Gilson Luiz dos Reis
Coordenador-Geral da Contee

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