Contra à adesão do Estado de São Paulo ao Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares

O Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM), criado pelo Decreto presidencial nº 10.004 de 05/09/2019 e regulamentado pela Portaria n. 2.015 de 20/11/2019, prevê a instalação de modelos e organização escolar denominadas escolas cívico-militares como política do MEC para o alcance de uma autodeclarada “gestão de excelência”. Para tanto, o Programa declara referenciar-se em padrões de ensino e modelos pedagógicos para os ensinos fundamental e médio empregados por Colégios do Exército, das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros. Ainda que, em um primeiro momento governos incautos ou deliberadamente alinhados às orientações autoritárias de educação para as crianças e jovens, tenham aderido ao Programa, passados dois anos de sua implantação estudos evidenciam os limites e a exclusão de professores e estudantes que não se “ajustam” ao modelo.

Este desenho institucional e suas orientações político pedagógicas ferem o caráter universal da escola obrigatória e incidem sobre a laicidade que caracteriza a rede estadual paulista. Confrontam potencialmente o conteúdo material do direito à educação no âmbito da proibição e da censura a debates de gênero e diversidade de orientação sexual nas escolas, aspecto recentemente afirmado e delineado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em mais de uma dezena de ações. As propaladas normas de padronização de conduta, vestuário, acessórios e outros componentes estéticos pessoais, típicas da disciplina militar, se contrapõem às práticas da vida escolar orientadas para o ensino da convivência democrática e tolerante entre diferentes manifestações da individualidade humana, de raça, gênero e orientação sexual, abarcados no propósito republicano do direito à educação. Diretrizes militares na gestão escolar, ao uniformizarem a apresentação e a ação de estudantes, o fazem, preponderantemente, com a exclusão das manifestações característicos de grupos minoritários, sobremaneira os da população negra, LGBTQI+, meninas e mulheres, e se opõem aos princípios constitucionais de promoção da diversidade e liberdade, além de tolher o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas ao também uniformizar as práticas e concepções pedagógicas possíveis de serem implementadas no interior da escola.

Causa, pois, estranheza e enorme preocupação a matéria publicada pelo jornal Folha de S. Paulo (09/1/21) relativa à adesão do governo do estado de São Paulo a este modelo.

A rede estadual de ensino de São Paulo, com suas origens na primeira metade do século XX, apresenta uma estrutura profissionalizada que envolve 5.681 estabelecimentos de ensino, 235.688 profissionais da educação, destes 184.635 docentes, e 3.656.265 estudantes.

Questiona-se quais seriam as reais conveniências e motivações para a adesão a um programa de cunho autoritário, que desloca para o interior da escola pública e de interesse universal, práticas, condutas e profissionais de segmentos da sociedade: as forças armadas.

A política educacional no Estado de São Paulo, a cargo de um mesmo partido desde 1995, ainda que objeto de problematizações e questionamentos por diferentes estudos e pesquisadores, até este momento não se perfilou às orientações autoritárias dessa natureza. Em março de 2019, o atual secretário de educação paulista, Rossieli Soares, rejeitou a proposta do então ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodrigues, de militarizar a Escola Estadual Raul Brasil. Em entrevista afirmava: “a gente precisa discutir mais com o jovem. É saber o que ele (jovem) quer para que a gente possa dar mais orientação e que os estudos sejam dirigidos para os sonhos deles”.

Aproxima-se o período eleitoral e, em uma clara mudança de rumo, o governo do Estado de São Paulo adere ao Programa.

Preocupadas com a defesa de uma escola laica, universal e assentada na gestão democrática do ensino, consoante aos princípios constitucionais, as organizações signatárias desta nota vêm a público alertar para que a educação pública paulista não se transforme em moeda eleitoral. Manifestam-se, ainda, no sentido que a educação escolar se mantenha sob a responsabilidade dos profissionais da educação em diálogo com a sociedade civil. Em tempos nos quais a violência e a força, inclusive as institucionalizadas, têm sido alçadas como mecanismos contra as instituições legitimamente constituídas, a defesa da escola democrática e do exercício da democracia na escola como condição para a cidadania se faz mais que nunca fundamental. Acautelamos, portanto, que o alinhamento aos princípios do PECIM, com vistas a pseudo ganhos políticos em um momento em que a jovem e frágil democracia brasileira é diariamente atacada e ameaçada, é uma assinatura de concordância com orientações que flertam com o que há de mais obscuro, antidemocrático e retrógrado na política nacional.

Assinam

APASE – Sindicato dos Supervisores de ensino do Magistério Oficial do Estado de São Paulo

ANFOPE – Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação

ANPAE/SP – Associação Nacional de Política e Administração da Educação

FINEDUCA – Associação Nacional de Pesquisadores em Financiamento da Educação-

ASSEMEC – Associação dos Especialistas do Quadro do Magistério da Rede Municipal de Campinas

Campanha Nacional pelo Direito à Educação- Comitê SP

CEDES – Centro de Estudos Educação e Sociedade

Departamento de Educação, Informação e Comunicação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, USP, Ribeirão Preto

Departamento de Educação – Instituto Biociências Unesp Rio Claro

Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas – Direção

GREPPE – Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional

GEPUD – Grupo Escola Pública e Democracia

UDEMO – Sindicato de Especialistas de Educação do Magistério Oficial do Estado de São Paulo

APEOESP – Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo

Lage – Laboratório de Gestão Educacional

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1. SANTOS, C et AL. Militarização das escolas públicas no brasil: um debate necessário. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação. v. 35, n. 3 (2019); ALVES, M. F.; FERREIRA, N. S. R. O processo de militarização de uma escola estadual pública em Goiás. Educ. Soc., Campinas, v. 41, 0224778, 2020; XIMENES, S. STUCH, C.G, MOREIRA, M.A.M A militarização das escolas públicas sob os enfoques de três direitos: constitucional, educacional e administrativo. RBPAE – v. 35, n. 3, p. 612 – 632, set./dez. 2019. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/rbpae/article/view/96483/55499
2. Vide julgamentos proferidos nas ADIs 5537/AL, 5580/AL, 6638/AL e nas ADPFs nº 457/GO, 460/PR, 461/PR, 465/TO, 467/MG, 526/PR e 600/PR.
3. Conferir site: https://www.educacao.sp.gov.br/dados-educacionais
4. EXAME. Secretário de Educação de SP descarta militarização de escola em Suzano. Disponível em < https://exame.com/brasil/secretario-de-educacao-de-sp-descarta-militari…; Acesso em: 18. jan. 2021

Faculdade de Educação Unicamp

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