Destaques sobre a Lei 14.020, originada da MP 936

Por José Geraldo de Santana Oliveira*

A Medida Provisória (MP) 936 foi convertida na Lei N. 14.020, publicada no Diário Oficial da União (DOU) ao dia 7 de julho corrente.

Apesar de o tinhoso vetar a maioria dos importantes avanços aprovados pela Câmara Federal e o Senado em relação ao texto original, a Lei contém algumas garantias que merecem destaque e atenção das entidades sindicais.

Ei-los:

I Possibilidade de prorrogação de acordos “individuais” e coletivos para a redução de jornada e salário e suspensão temporária de contrato até o fim do estado de calamidade pública (31.12.2020), por meio de decreto presidencial.

Essa possibilidade acha-se expressamente autorizada, respectivamente, pelos Arts. 7º e 8º da Lei N. 14.020.

“Art. 7º

(…)

§ 3º Respeitado o limite temporal do estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º desta Lei, o Poder Executivo poderá prorrogar o prazo máximo de redução proporcional de jornada de trabalho e de salário previsto no caput deste artigo, na forma do regulamento.

“Art. 8º

(…)

§ 6º Respeitado o limite temporal do estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º desta Lei, o Poder Executivo poderá prorrogar o prazo máximo de suspensão temporária do contrato de trabalho previsto no caput deste artigo, na forma do regulamento”.

Frise-se que a prorrogação sob discussão não pode ser feita por ato unilateral do empregador; sua concretização depende da expressa anuência do empregado, nos casos em que o “acordo individual” é autorizado (a seguir descritos), e/ou do sindicato, havendo exigência de negociação coletiva (a seguir, explicitado).

II Limitação de “acordos individuais” para redução de jornada e salário e suspensão temporária de contrato.

1. Ficam autorizados “acordos individuais” para redução de jornada e salário e suspensão temporária de contrato, nas seguintes hipóteses:

a) se o faturamento bruto da empresa, no ano de 2019, foi de até R$ 4,8 milhões e o empregado receber remuneração mensal de até R$ 3.135,00;

b) se o faturamento da empresa foi superior a R$ 4,8 milhões, em 2019, e o empregado receber remuneração mensal superior a R$ 2.090,00;

c) se o empregado possuir diploma de curso superior e auferir remuneração mensal superior a R$ 12.202,12, que corresponde a duas vezes o teto do regime geral de previdência social, que é de R$ 6.101,12;

d) se a redução for de até 25% da jornada e da remuneração; e

e) se a soma do benefício emergencial e a parte paga pela empresa não resultar valor inferior ao da remuneração mensal devida.

2. Nos demais casos, a negociação coletiva é condição sem a qual não são possíveis a redução de jornada e de salários e a suspensão temporária de contrato.

III Possibilidade de redução de jornada e de salário e de suspensão temporária de contrato de trabalhadores aposentados.

A versão original da MP 936 excluía os aposentados do direito ao benefício emergencial, devido em razão de redução de jornada e salário e/ou de suspensão temporária de contrato.

Com isso, muitas empresas, em âmbito nacional, suspenderam contratos de trabalho desses trabalhadores, deixando-os limitados à aposentadoria que recebem.

O Congresso Nacional, apesar de manter a referida exclusão, criou alternativa paliativa, que não deixa à mercê de sua própria sorte; alternativa que não foi vetada pelo tinhoso.

O Art. 12, § 2º, da Lei N. 14.020 trata a matéria do seguinte modo:

“§ 2º Para os empregados que se encontrem em gozo do benefício de aposentadoria, a implementação das medidas de redução proporcional de jornada de trabalho e de salário ou suspensão temporária do contrato de trabalho por acordo individual escrito somente será admitida quando, além do enquadramento em alguma das hipóteses de autorização do acordo individual de trabalho previstas no caput ou no § 1º deste artigo, houver o pagamento, pelo empregador, de ajuda compensatória mensal, observado o disposto no art. 9º desta Lei e as seguintes condições:

I – o valor da ajuda compensatória mensal a que se refere este parágrafo deverá ser, no mínimo, equivalente ao do benefício que o empregado receberia se não houvesse a vedação prevista na alínea “a” do inciso II do § 2º do art. 6º desta Lei;

II – na hipótese de empresa que se enquadre no § 5º do art. 8º desta Lei, o total pago a título de ajuda compensatória mensal deverá ser, no mínimo, igual à soma do valor previsto naquele dispositivo com o valor mínimo previsto no inciso I deste parágrafo”.

Desse modo, se o empregado aposentado que se enquadrar numa das hipóteses que autorizam “acordo individual” tiver a jornada de trabalho e o salário reduzido, tem direito a receber, da empresa, além da parcela que não sofreu redução, valor equivalente ao que receberia a título de benefício emergencial, que varia de R$ 261,25 (25%, do salário mínimo) a R$ 1.813,03, que é o teto do seguro-desemprego.

Em caso de suspensão temporária do contrato em empresa que faturou em 2019 valor igual ou inferior a R$ 4,8 milhões, tem direito a receber, dela, ajuda compensatória equivalente ao que receberia como benefício emergencial, que não pode ser inferior a R$ 1.045,00 nem superior a R$ 1.813,03.

Se se tratar de empresa que faturou em 2019 valor superior a R$ 4,8 milhões, o empregado aposentado com contrato suspenso receberá, da empresa, além de 30% do total de sua remuneração, valor equivalente a 70% do que receberia a título de seguro-desemprego, não podendo ser inferior a R$ 731,50 (70% de R$ 1.045,00), ou superior a R$ 1.269,12 (70% de R$ 1.813,03, teto do seguro-desemprego.

Em qualquer das hipóteses de suspensão, ficam assegurados todos os benefícios garantidos pela empresa.

IV Prevalência de acordo coletivo ou convenção coletiva, a partir de sua assinatura, sobre “acordos individuais”, quando as suas condições forem mais vantajosas do que as estabelecidas nestes.

O Art. 12, §§ 5º e 6º, da Lei N. 14.020 estabelece:

“§ 5º Se, após a pactuação de acordo individual na forma deste artigo, houver a celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho com cláusulas conflitantes com as do acordo individual, deverão ser observadas as seguintes regras:

I – a aplicação das condições estabelecidas no acordo individual em relação ao período anterior ao da negociação coletiva;

II – a partir da entrada em vigor da convenção coletiva ou do acordo coletivo de trabalho, a prevalência das condições estipuladas na negociação coletiva, naquilo em que conflitarem com as condições estipuladas no acordo individual.

§ 6º Quando as condições do acordo individual forem mais favoráveis ao trabalhador, prevalecerão sobre a negociação coletiva”.

V Proteção à empregada gestante que for submetida à “acordo” para redução de jornada e salário e/ou suspensão temporária de contrato.

A Lei N. 14020, em seus Arts. 10, III e 22, cuida de proteger a empregada gestante que sofrer redução de jornada e de salário ou tiver o seu contrato de trabalho temporariamente suspenso.

A primeira proteção, assegurada pela Lei, é a de que garantia provisória de emprego, decorrente da redução de jornada e de salário e de suspensão temporária de contrato, somente será contada após o fim da estabilidade provisória constitucional (Art. 10, II, ‘b’, dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias- ADCT), que vai da confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

“Art. 10

(…)

III – no caso da empregada gestante, por período equivalente ao acordado para a redução da jornada de trabalho e do salário ou para a suspensão temporária do contrato de trabalho, contado a partir do término do período da garantia estabelecida na alínea “b” do inciso II do caput do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”.

A título de ilustração, toma-se o seguinte caso hipotético: empregada gestante, no primeiro mês de gravidez, já confirmada, firma “acordo individual” para reduzir a jornada e os salários, com duração de 90 dias.

Nesse caso, ela gozará de estabilidade até cinco meses após o parto e, a partir do dia imediatamente posterior ao fim da daquela, gozará de garantia provisória de emprego por mais 180 dias, que resultam da soma de 90, período de vigência do “acordo”, e mais 90 posteriores.

Esclareça-se, desde logo, que estabilidade e garantia de emprego não se confundem, tendo consequência jurídica absolutamente distinta.

No período de estabilidade, a demissão somente pode ocorrer por justa causa, sendo vedada em qualquer outra modalidade, mesmo com indenização do período.

Já no período de garantia provisória, a demissão sem justa causa é possível, mediante indenização estabelecida pela Lei N. 14.020, do seguinte modo:

“Art. 10

(…)

§1º A dispensa sem justa causa que ocorrer durante o período de garantia provisória no emprego previsto no caput deste artigo sujeitará o empregador ao pagamento, além das parcelas rescisórias previstas na legislação em vigor, de indenização no valor de:

I – 50% (cinquenta por cento) do salário a que o empregado teria direito no período de garantia provisória no emprego, na hipótese de redução de jornada de trabalho e de salário igual ou superior a 25% (vinte e cinco por cento) e inferior a 50% (cinquenta por cento);

II – 75% (setenta e cinco por cento) do salário a que o empregado teria direito no período de garantia provisória no emprego, na hipótese de redução de jornada de trabalho e de salário igual ou superior a 50% (cinquenta por cento) e inferior a 70% (setenta por cento); ou

III – 100% (cem por cento) do salário a que o empregado teria direito no período de garantia provisória no emprego, nas hipóteses de redução de jornada de trabalho e de salário em percentual igual ou superior a 70% (setenta por cento) ou de suspensão temporária do contrato de trabalho”.

A segunda proteção à gestante diz respeito à interrupção do “acordo” de redução de jornada e/ou de suspensão temporária de contrato caso ela entre em gozo de licença-maternidade.

A terceira proteção à gestante se relaciona ao salário-maternidade, que não sofrerá nenhuma redução em decorrência de “acordo” de redução de jornada e salário e/ou de suspensão temporária de contrato.

“Art. 22. A empregada gestante, inclusive a doméstica, poderá participar do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, observadas as condições estabelecidas nesta Lei.

§ 1º Ocorrido o evento caracterizador do início do benefício de salário-maternidade, nos termos do art. 71 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991:

I – o empregador deverá efetuar a imediata comunicação ao Ministério da Economia, nos termos estabelecidos no ato de que trata o § 4º do art. 5º desta Lei;

II – a aplicação das medidas de que trata o art. 3º desta Lei será interrompida; e

III – o salário-maternidade será pago à empregada nos termos do art. 72 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, e à empregada doméstica nos termos do inciso I do caput do art. 73 da referida Lei, considerando-se como remuneração integral ou último salário de contribuição os valores a que teriam direito sem a aplicação das medidas previstas nos incisos II e III do caput do art. 3º desta Lei”.

A garantia relativa ao salário-maternidade, sem qualquer redução, estende-se ao segurado ou segurada da previdência social, que se submeter a “acordo” de redução de jornada e salário e/ou suspensão temporária de contrato, conforme o § 2º, do Art. 22, da Lei N. 14.020.

“Art. 22

(…)

§ 2º Aplica-se o disposto neste artigo ao segurado ou segurada da Previdência Social que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção, observado o art. 71-A da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, devendo o salário-maternidade ser pago diretamente pela Previdência Social”.

VI Garantia de alíquota reduzida para o trabalhador que for submetido a “acordo” para redução de jornada e salário e/ou suspensão temporária de contrato.

Como é sabido, dentre os prejuízos que os “acordos” de redução de jornada e de salário e de suspensão temporária de contrato trazem aos trabalhadores a eles submetidos, destaca-se o que afeta os seus direitos previdenciários.

A Emenda Constitucional (EC) 103/2019 somente reconhece, para qualquer fim previdenciário, a contribuição que tiver como base mínima o salário mínimo.

Assim, quem se submeter a “acordo” de redução de jornada e salário corre o risco de ficar sem o direito de computar o tempo de duração desse como de contribuição, na hipótese de a sua contribuição ficar abaixo do mínimo exigido pela EC 103 e ele não fizer a complementação, o que acontece em milhares de casos.

Quem tiver o contrato suspenso terá de fazer a sua contribuição se quiser computar esse tempo para efeito previdenciário.

Assim o é, nos dois casos, porque sobre o benefício emergencial e sobre a ajuda compensatória não há incidência de contribuição previdenciário.

Esse gravíssimo prejuízo foi minorado pela Lei N. 14.020, como se colhe do seu Art. 20:

“Art. 20. Ressalvado o disposto na alínea “b” do inciso II do § 2º do art. 21 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, as alíquotas das contribuições facultativas de que tratam o § 2º do art. 7º, o inciso II do § 2º do art. 8º e o § 6º do art. 18 desta Lei, serão de:

I – 7,5% (sete inteiros e cinco décimos por cento), para valores de até 1 (um) salário-mínimo;

II – 9% (nove por cento), para valores acima de 1 (um) salário-mínimo até R$ 2.089,60 (dois mil e oitenta e nove reais e sessenta centavos);

III – 12% (doze por cento), para valores de R$ 2.089,61 (dois mil e oitenta e nove reais e sessenta e um centavos) até R$ 3.134,40 (três mil, cento e trinta e quatro reais e quarenta centavos); e

IV – 14% (quatorze por cento), para valores de R$ 3.134,41 (três mil, cento e trinta e quatro reais e quarenta e um centavos) até o limite de R$ 6.101,06 (seis mil, cento e um reais e seis centavos).

§ 1º As contribuições de que trata o caput deste artigo devem ser recolhidas por iniciativa própria do segurado até o dia 15 do mês seguinte ao da competência.

§ 2º Na hipótese de suspensão temporária do contrato de trabalho, as alíquotas previstas nos incisos I, II, III e IV do caput deste artigo serão aplicadas de forma progressiva sobre o valor declarado pelo segurado, observados os limites mínimo e máximo a que se referem os §§ 3º e 5º do art. 28 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, incidindo cada alíquota sobre a faixa de valores compreendida nos respectivos limites”.

Os 11 vetos opostos pelo tinhoso, todos de grande relevância social, constituem-se em mais um prova inconteste do quão ele despreza os trabalhadores e os seus direitos fundamentais, não medindo esforços para os exterminar.

Para ele, como era para Washington Luiz, último presidente da República Velha, questão social é caso de polícia.

Além do indisfarçado realçado desprezo, o tinhoso deles debocha, de forma acintosa, como atesta a razão do veto ao inciso IV do Art. 17 do Autógrafo de Lei, que assegurava a prorrogação das cláusulas sociais, de convenções e acordos coletivos até 31 de dezembro de 2020, data prevista para o fim do estado de calamidade pública.

Eis o que consta da Mensagem 377, enviada ao presidente do Senado, para “explicar” os comentados vetos quanto ao quesito sob destaque:

“Inciso IV do art. 17

‘IV – as cláusulas das convenções coletivas ou dos acordos coletivos de trabalho vencidos ou vincendos, salvo as que dispuserem sobre reajuste salarial e sua repercussão nas demais cláusulas de natureza econômica, permanecerão integrando os contratos individuais de trabalho, no limite temporal do estado de calamidade pública, e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva.’

Razões do veto

‘A propositura legislativa contraria o interesse público, tendo em vista que a vedação atualmente em vigor à ultratividade das normas coletivas, por força da reforma trabalhista (Lei nº 13.467, de 2017), visa incentivar a negociação, a valorização da autonomia das partes e a promoção do desenvolvimento das relações de trabalho!’”.

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee

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Um Comentário

  1. Boa tarde . Discordo plenamente desta análise , pois, no momento em que ocorreu o Veto da ultratividade ,única conquista da classe trabalhadora neste golpe e circo do governo federal e patronato , nenhuma entidade sindica conseguirá celebrar Acordo Coletivo ou Convenção Coletiva. No nosso caso , com uma convenção com direitos há mais de 20 anos, e o patronato não negociou alegando a pandemia ,perdemos a data-base; entendo que devemos tentar derrubar o Veto e não aceitar passivamente e com um discurso conformista.

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