Entidades da área de educação e de defesa de pessoas com deficiências encerram audiência pública

No último bloco, representantes de pessoas com Síndrome de Down e autismo, cegos, surdos e superdotados apresentaram suas considerações sobre a Política Nacional de Educação Especial

O último bloco de expositores da audiência pública sobre a Política Nacional de Educação Especial, realizada ontem (23) e hoje (24) no Supremo Tribunal Federal, reuniu representantes de entidades e coletivos de defesa de grupos com deficiências e necessidades especiais diversas, como pessoas com transtornos do espectro autista, Síndrome de Down e deficiências visuais e surdos. Foram ouvidas, também, as manifestações de pessoas ligadas à educação na primeira infância, à bioética e às pessoas negras com deficiência.

Confira, abaixo, um resumo das exposições

A primeira expositora da tarde, Viviani Pereira Amanajás Guimarães, do Movimento Orgulho Autista Brasil (Moab), defendeu tanto a presença da escola regular inclusiva como da escola especializada no sistema de ensino. Ela explicou que a falta de estímulo correto e precoce dos autistas no ensino regular pode causar déficits irreversíveis. Na sua avaliação, se a aprendizagem sistemática não ocorrer o quanto antes, há grande possibilidade de o autista entender que habilidades importantes não são necessárias.

Pela Associação Paulista de Autismo (AUTSP), Adriana Godoy afirmou que o Estado não pode, em hipótese alguma, corroborar a exclusão, a despeito dos ajustes necessários que o sistema educacional deve prover, especialmente com investimento em recursos humanos e tecnológicos. “Ninguém se prepara para aquele que não está presente. Fazemos a inclusão incluindo, não há outro meio”, concluiu.

Deficiências visuais

Para César Achkar Magalhães, representante da Associação de Amigos dos Deficientes Visuais (AADV), os centros de ensino especializados garantem às crianças cegas a necessária estimulação precoce, que lhes assegura o direito à educação no mesmo nível das outras crianças. A luta por inclusão, na sua avaliação, não se resume ao direito de ser aceito na escola das outras crianças sem deficiência. “O direito das pessoas com deficiência de conviver entre si não caracteriza segregação”, disse.

No mesmo sentido, o representante da Organização Nacional de Cegos do Brasil (ONCB), Clovis Alberto Pereira, sustentou que não se deve criminalizar o direito da família de optar pela escola especializada. Porém, isso não deve servir para que o Estado negue o direito de matrícula em escolas regulares a crianças com deficiência. A educação especial, disse ele, deve estar dentro do sistema de ensino regular e atravessar todos os níveis escolares, mas não deve substituir a classe para todos, assim como a possível existência das classes especializadas em casos específicos.

Síndrome de Down

Contra o decreto, Margarida Araújo Seabra de Moura, da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down (FBASD), enfatizou que a educação especial, na perspectiva da inclusão editada pelo MEC em 2008, após a Convenção Internacional das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência ser incorporada à Constituição Federal de 1988, está sendo achincalhada pelo decreto atual. Segundo Margarida, a convenção representou a alforria das pessoas com deficiência. Ela também se posicionou contra o repasse de verba pública às escolas especializadas.

Em nome da Associação Reviver Down, João Vitor Mancini Silvério falou de sua trajetória como aluno de escola regular até a graduação em Educação Física. Segundo ele, o currículo de uma escola especial não permite que a pessoa com deficiência ingresse em uma faculdade. “Não se pode tirar o direito de uma criança conviver, de fato, em um ambiente escolar, um espaço comum a todos. Somos movidos pelo amor, pela dedicação e pela coragem. Não ao retrocesso”, afirmou.

Surdos

Em nome da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis), Flaviane Reis afirmou que a educação inclusiva em vigor atualmente priva o direito linguístico dos surdos. Ela disse que a educação bilíngue de surdos (em português e na Língua Brasileira de Sinais – Libras) é um direito e não representa segregação.

Também pela Feneis, Bruno Meirinho destacou a necessidade de que a eventual declaração de inconstitucionalidade da PNEE 2020 não repercuta genericamente em todo o seu conteúdo, especialmente em relação à educação bilíngue de surdos.

Já para o representante da Associação Nacional dos Surdos Oralizados (Anaso), Arlindo Nobre, o decreto é totalmente omisso em relação aos surdos oralizados, ou seja, aqueles que não se comunicam por meio de Libras. Segundo ele, a norma não contempla a diversidade dos grupos de surdos e prioriza apenas um grupo em detrimento de outro. Ana Claudia Moreira Almeida Verdu observou que os grupos de surdos não são homogêneos e, em relação aos grupos oralizados, há necessidade de adequação da PNEE 2020.

Deficiências múltiplas

Cláudia Sofia Indalécio Pereira, do Grupo Brasil de Apoio ao Surdocego e ao Múltiplo Deficiente Sensorial, destacou a necessidade do apoio multidisciplinar para que esse segmento, especialmente as pessoas com deficiência congênita, tenha melhor qualidade educacional e de vida. Pelo mesmo grupo, Fernanda Cristina Falkoski considera positivo que o Decreto 10.502/2020 dê à família a possibilidade de, junto com equipes multidisciplinares, escolher a modalidade de ensino. Mas observou que a norma não contempla o ensino domiciliar para alunos com condições de saúde que não conseguem sair de casa nem a indicação de centros de atendimento para pessoas com deficiência múltipla.

Superdotados

Denise Arantes Brero, do Conselho Brasileiro para Superdotação (Conbrasd), defendeu a instituição de políticas públicas que possibilitem identificar e apoiar alunos superdotados, para que tenham atendimento suplementar – que pode ser realizado nas próprias escolas regulares. Segundo ela, a falta desse atendimento cerceia o desenvolvimento dos alunos com superdotação, e a adoção de políticas para esse grupo pode ser benéfica, inclusive, para os outros alunos.

Acesso a direitos fundamentais

Pelo Instituto Alana, Pedro Hartung afirmou que a educação inclusiva é um direito humano fundamental e que a própria Constituição Federal estabelece que o ensino às pessoas com deficiência ocorrerá, preferencialmente, na rede regular de ensino. Ele considera que a educação inclusiva é uma porta para diversos outros direitos fundamentais, como a convivência comunitária, a não discriminação e o direito ao desenvolvimento. A seu ver, a educação inclusiva traz benefícios, também, para os alunos sem deficiência, pois reduz o medo de diferenças humanas e desenvolve princípios éticos e morais, reduzindo preconceitos e aumentando a capacidade de responder às necessidades de terceiros.

Educação

Pela Rede Nacional Primeira Infância (RNPI), Caio Rodrigues defendeu um ambiente escolar com a maior diversidade possível, porque é nele que se constrói o entendimento da vida em sociedade, “com estranhamentos, preconceitos e, também, com afetos e amizades”. Ele observou que, se as crianças da primeira infância de hoje forem educadas para inclusão, todos os cidadãos, na próxima geração, se comunicarão por meio das duas línguas oficiais do Brasil: o português e a Libras.

Para Viviane Limongi, do Instituto Viva Infância, as escolas especiais são instrumentos de segregação e ampliam a vulnerabilidade das pessoas com deficiência. A expositora destacou que o ambiente escolar representa um espaço relevante para a família, pois é o local em que ocorre o processo de socialização e proteção social. Por esse motivo, concluiu que a exclusão da pessoa com deficiência do ensino regular certamente aumentará o distanciamento social e escolar.

Na sequência, ao representar a Anis Instituto de Bioética, Rochelle Carneiro salientou o despreparo da escola regular para acolher e respeitar o tempo das crianças com deficiência. Segundo ela, o que atrapalha o processo de aprendizado de qualquer aluno é a precarização das políticas educacionais. “Somos todos diferentes, independentemente de sermos pessoas com deficiência ou não, e a nossa luta é pela inclusão”, declarou.

Em nome da Avante Educação e Mobilização Social, Andréa Pereira considerou discriminatório o modelo de ensino especial previsto no decreto e disse que as mudanças necessárias devem estar disponíveis através de políticas públicas. Para a expositora, o decreto promove ameaças concretas de retrocesso, e declará-lo inconstitucional é apoiar uma sociedade mais inclusiva e acolhedora para todas as crianças.

Representante da Associação Mais Diferenças, Laís Lopes destacou que o modelo de educação especial devolve à sociedade uma criança com hábitos que geram maior isolamento e segregação. De acordo com Laís, implementar a educação inclusiva é um dever do Estado e um direito da pessoa com deficiência e, para que esse modelo funcione bem, na prática, é preciso prover todos os recursos de acessibilidade, de tecnologia e de acesso a materiais pedagógicos e de apoio necessários.

Por sua vez, Roseni Silva, da Federação Nacional das Associações Pestalozzi (Fenapestalozzi), defendeu o atendimento especializado e afirmou que nem sempre a escola comum poderá satisfazer as necessidades de crianças com deficiência, principalmente as com comprometimentos mais graves. A expositora sustentou que os pais podem e devem escolher a escola que atenda às suas expectativas e às necessidades de seu filho, com ou sem deficiência, assim como escolhem se a escola tem cunho religioso, se é particular ou pública.

Vidas negras

Representando a entidade Vidas Negras com Deficiência Importam (VNDI), a professora Luciana Viegas Caetano, diagnosticada com transtorno do espectro autista, afirmou que “a escola e a rua ensinam a respeitar e a acolher o diverso”. Ela comemorou o que chamou de dia histórico, quando o movimento negro de pessoas com deficiência foi convidado a debater a concepção da educação inclusiva. “Não é construindo ambientes segregados que daremos conta. É preciso derrubar barreiras de impedimento, e isso é um processo educacional, e não médico”, concluiu.

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