Farsa e tragédia no crescimento dos ricos

O Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) da Organização das Nações Unidas (ONU) que aponta o Brasil em segundo lugar na concentração de renda não chega a ser surpreendente. É, sim, estarrecedor. Um país em que os 10% mais ricos concentram 41,9% da renda total, uma desigualdade só superada pelo Catar, está numa condição inaceitável.

É evidente que essa situação decorre, na essência, de problemas históricos, a forma como o país foi estruturado e a herança de 388 anos de escravismo. O ideal republicano, que concentra acontecimentos épicos como a Independência e a Abolição, nunca foi uma realidade, um projeto longevo e solidamente instalado.

Os eventos que lhe deram sustentabilidade, como a Revolução de 1930 e as constituições de 1946 e 1988, sofreram reveses de grande monta, como o golpe militar de 1964 e o impeachment golpista de 2016. Em ambos os casos, o país retrocedeu barbaramente. Agora, boa parte desses percentuais pode, sim, ser atribuída ao movimento que rasgou o programa de governo eleito em 2014 e pisoteou a Constituição.

O jornal O Estado de S. Paulo divulgou dados da Global Wealth Report, publicação anual do Credit Suisse Research Institute sobre a riqueza em todo o mundo, mostrando que em 2019 o número de milionários no Brasil chegou a 259 mil, o que representa um aumento de 19,35% em comparação com o ano anterior, quando eram 217 mil. O cálculo considera os valores em dólares – ou seja, quem tem patrimônio acima de US$ 1 milhão.

A alta brasileira de milionários foi a sexta maior do mundo, atrás de Holanda, Alemanha, China, Japão e Estados Unidos. A previsão é de que, até 2024, o crescimento seja de 23%, chegando a 319 mil pessoas. A pesquisa estima que o 1% mais rico da população brasileira detém 49% de toda a riqueza familiar do país, que chega a US$ 3,5 trilhões.

Os números impressionam ainda mais no caso dos chamados ultra-ricos, que têm patrimônio acima de US$ 50 milhões: o Brasil teve a segunda maior alta global, atrás apenas dos Estados Unidos. Enquanto os norte-americanos “ganharam” 4,2 mil ultra-ricos, o Brasil viu o número subir em 860 pessoas entre 2017 e 2018.

Os reflexos dessa tremenda injustiça também são notáveis. Veja-se o caso da violência, claramente um subproduto desse cenário. Há informações, divulgadas pela revista Exame, de que se a desigualdade no Brasil fosse reduzida para o nível de países como o Chile – que passa por um onda de explosões sociais exatamente contra a desigualdade –, o número de homicídios cairia em quase 40%. Se a compração for com a Inglaterra, o índice diminuiria em mais de 55%.

Sintomaticamente, o disparo da violência ocorreu quando houve a ruptura com os projetos de desenvolvimento, em 1964 e 2016. A ditadura militar, além do terrorismo aberto contra o povo, operou mudanças profundas para piorar a distribuição de renda por meio de decretos, leis e atos institucionais.

Era um projeto estratégico do capital. Falando ao jornal O Estado de S. Paulo na ocasião, o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Lincoln Gordon, disse que a “revolução” estava entre os acontecimentos mais importantes para o “ocidente”, ao lado “do Plano Marshall, do bloqueio de Berlim e da derrota dos comunistas na Coréia”.

A história se repete. Desta vez como combinação de farsa e tragédia. A agenda do governo Bolsonaro, como já ficou demonstrado neste primeiro ano de governo, por um lado aumentará ainda mais essa desigualdade. O cerne dessa agenda é reduzir ao máximo o investimento social, liquidar praticamente o que ainda resta de direitos trabalhistas, acabar com a lei de reajuste do salário mínimo.

Por outro lado, é canalizar o orçamento federal para o rentismo e manter a lógica tributária e fiscal a serviço dos super-ricos, o que agravará ainda mais a concentração de renda e a desigualdade social.

Do Portal Vermelho

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