Isolamento do governo leva ministro da Defesa afirmar que o país respeita a democracia

Num tom diferente do adotado até agora, o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, afirmou, durante a 15° Conferência de Ministros de Defesa das Américas, que o Brasil respeita o pacto de países americanos pela democracia

O ministro da Defesa do governo Bolsonaro, Paulo Sérgio Nogueira, mudou o discurso durante a 15° Conferência de Ministros de Defesa das Américas, iniciada nesta terça-feira (26) em Brasília, e afirmou que respeita o pacto de países americanos pela democracia. No discurso, nenhuma palavra foi dita pelo ministro sobre a suposta insegurança das urnas eletrônicas, tese sem prova levantada insistentemente pelo chefe do Executivo.

Criada em 1995, a conferência é apontada como o principal fórum entre países das Américas no setor de Defesa e Segurança. O principal objetivo das reuniões periódicas é promover o intercâmbio e a cooperação entre os países da região. Após presidir o fórum americano durante o biênio 2021/2022, o Brasil será substituído pela Argentina, que se encarregará de organizar o próximo encontro.

O ministro da Defesa, que hoje se comprometeu a respeitar a Carta Democrática Interamericana e seus princípios, tem repetido o discurso de Bolsonaro ao tentar envolver as Forças Armadas em suas aventuras antidemocráticas. Em ofício recente, os militares, por orientação do Planalto, solicitaram ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) todos os arquivos das eleições de 2014 e 2018, justamente os anos que fazem parte da retórica de fraude apregoada pelo presidente.

“Da parte do Brasil, manifesto respeito à carta da Organização dos Estados Americanos, OEA, e à Carta Democrática Americana e seus valores, princípios e mecanismos. As normativas da conferência promovem o conhecimento recíproco e fomentam a cooperação e a integração entre os estados-membros”, afirmou o ministro. Ao fim do encontro, os ministros de Defesa dos 34 países que participam do evento vão assinar a Declaração de Brasília, uma espécie de manifesto para reforçar o compromisso de cada país com a defesa da democracia e da paz.

O documento que Paulo Sérgio citou como sendo respeitado pelo governo brasileiro considera que “os povos da América têm direito à democracia e seus governos têm a obrigação de promovê-la e defendê-la”. Há algumas semanas, Jair Bolsonaro confrontou esse espírito e reuniu embaixadores de países estrangeiros no Palácio da Alvorada para atacar o sistema eleitoral brasileiro e ameaçar com um golpe de Estado.

O mandatário, na ocasião, insinuou, sem apresentar nenhuma prova ou fato concreto, que houve fraude nas eleições de 2014 e 2018, esta última que o elegeu, e que não confia no resultado das próximas eleições. Sinalizou com o não reconhecimento do resultado das urnas de outubro e disse estar falando em nome das Forças Armadas.

A manifestação do ministro da Defesa em favor da democracia acontece logo após a forte reação da sociedade brasileira em repúdio às ameaças feitas por Bolsonaro na reunião com os embaixadores. Diversas instituições, como o Supremo Tribunal Federal (STF), o Senado, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Tribunal de Contas da União (TCU), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Associação dos Juízes Federais (Ajufe), Centrais Sindicais, Federação das Indústrias de São Paulo e, até a Embaixada americana e o Departamento de Estado dos EUA condenaram os planos de ruptura constitucional de Bolsonaro.

Um manifesto cobrando respeito à democracia será lido no dia 11 de agosto. Endossam o manifesto empresários, artistas, juristas e personalidades como Roberto Setubal, Pedro Moreira Salles, Chico Buarque de Hollanda, o cantor Arnaldo Antunes, o padre Júlio Lancelotti, o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga, os economistas José Roberto Mendonça de Barros e Luiz Gonzaga Belluzzo, o ex-presidente do banco Credit Suisse no Brasil José Olympio Pereira e outros.

O manifesto em defesa da democracia está sendo organizado pela Faculdade de Direito da USP e por entidades e representantes da sociedade civil e já tem mais de 3 mil assinaturas. A carta será lida no Largo de São Francisco, sede da faculdade de Direito, num ato que reunirá amplos setores da sociedade brasileira.

O secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, que participa do encontro em Brasília, reafirmou a posição já manifestada pela embaixada dos EUA no Brasil e pelo Departamento de Estado, além do governo inglês, que condenaram o discurso golpista de Bolsonaro aos embaixadores. Em seu pronunciamento, Austin defendeu que as Forças Armadas dos países da América devem estar sob “firme controle civil”.

“Uma dissuasão confiável exige forças militares e de segurança que estejam prontas, capazes e sob firme controle civil. E exige que os Ministérios de Defesa atendam seus cidadãos de forma transparente e sem corrupção”, afirmou.

Num claro recado de que o governo americano não pretende embarcar – pelo menos desta vez – numa ruptura constitucional no Brasil, como pretende Bolsonaro, o Secretário de Defesa destacou: “Nossos países não estão apenas unidos pela geografia. Também nos aproximamos por nossos interesses e valores comuns – o profundo respeito pelos direitos humanos, o compromisso com o Estado de Direito e a devoção à democracia.” Paulo Sérgio, depois de ter feito o discurso de abertura do evento como anfitrião, ouviu com atenção o discurso de seu colega, Lloyd Austin.

O manifesto que será lançado no ato do dia 11 de agosto, data comemorativa da Justiça brasileira, ao se referir às eleições presidenciais de outubro, diz que, em vez “de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições”.

“Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o Estado democrático de Direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais Poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional.” O documento diz que “ditadura e tortura pertencem ao passado” e leva ainda a assinatura de diversos ex-ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), como Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Ayres Britto e Sydney Sanches.

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