O oportunismo do capital privado no ensino

Por José de Ribamar Virgolino Barroso*

Tem sido bastante anunciado, noticiado e analisado nas últimas semanas o quanto o ultraliberalismo de Paulo Guedes à frente do Ministério da Economia se tornou uma faca de dois gumes para o governo de Jair Bolsonaro. De um lado, é a política econômica ortodoxa que segue a sustentar parte do apoio que o Planalto ainda tem. Não por acaso, a imprensa hegemônica que agora bate forte na péssima condução do país em meio à pandemia do coronavírus e dá bastante espaço ao envolvimento da família do esquema da rachadinha, fingindo nunca ter ajudado a eleger Bolsonaro algum, é a mesma que ignora — ou, pior, endossa — os ataques aos direitos trabalhistas e sociais. Em outras palavras, talvez a persona do presidente não interesse mais, mas o projeto, sim.

De outro lado, porém, o auxílio emergencial — que o bolsonarismo conseguiu capitalizar para si, mesmo sendo uma conquista da oposição — deu-lhe um sabor que ainda não havia provado: a quase doçura de, pela primeira vez desde o início do mandato, sentir o amargor da rejeição diminuir. E, para provar desse prato, já é mais que sabido que uma ala do governo está ansiosa para fritar Guedes e o teto de gastos na mesma frigideira.

A dicotomia pura e simples entre ortodoxia ultraliberal e proveito eleitoreiro, porém, não dá conta de abarcar interesses difusos que oscilam entre os dois polos. E os do setor privado de ensino estão entre eles. Não é de hoje que temos denunciado a irresponsabilidade da pressão econômica pela retomada das aulas presenciais nas escolas de educação básica. Há pouco mais de um mês, ganhou repercussão na mídia o vídeo do setor patronal das escolas do Rio de Janeiro tratando a gravidade da pandemia da Covid-19 com descaso negacionista. Na mesma época, em São Paulo, um grupo de gestores de instituições de ensino divulgou um termo de compromisso a ser assinado pelos pais, isentando as escolas de quaisquer responsabilidades por contaminações pelo coronavírus num eventual retorno às aulas.

Se a saúde passa bem longe das preocupações, a educação tampouco é o ponto central. Não é a inquietação com uma eventual perda do ano letivo ou uma agonia diante do sofrimento de estudantes, professores e técnicos administrativos submetidos à exaustão das aulas remotas. A questão das escolas com fins lucrativos é financeira: mensalidades estão deixando de ser pagas e pouco importa se a responsabilidade por isso é da política econômica perversa que corta salários, suspende contratos e joga trabalhadores nas ruas. Para os empresários da educação básica, as aulas presenciais precisam voltar para que as escolas voltem a receber.

Note-se, entretanto, o recorte: essa é a realidade do ensino básico. Na educação superior, ao contrário, não tem havido pressão pela volta às aulas, porque a pandemia veio atender a um outro desejo antigo: a ampliação desregulada da modalidade a distância. Na última semana, uma das principais pautas do noticiário econômico foi o anúncio da reestruturação da Cogna Educação S.A. — holding à qual deu lugar Kroton Educacional —, ou, nas palavras deles, “a maior e mais impactante mudança no segmento de ensino superior já conduzida pela empresa”. Dentro dessas aspas inclui-se que os cursos presenciais vão passar por uma reestruturação para versões EaD, a fim de reduzir os custos da companhia.

O oportunismo e a falta de regulamentação da educação privada permitem excrescências dessa espécie, que visam rebaixar tudo — desde salários de professores até a formação dos estudantes —, à exceção dos lucros das empresas. Acontece que, num momento de crise como o atual, a lógica da máxima lucratividade enfrenta outros obstáculos o modelo ultraliberal não consegue resolver. Nem uma semana depois do anúncio de toda a “impactante mudança”, o mesmo noticiário econômico informou, no último dia 31 de agosto, que ações da Cogna caíram 31%, a maior baixa na Ibovespa durante o mês de agosto.

É aí que as grandes empresas de ensino espicham seus olhos para o lado da balança que não é o de Paulo Guedes, reivindicando, a contragosto do ministro da Economia, socorro financeiro. Querem a expansão desregulada da EaD, mas também querem expansão do Programa Universidade para Todos (ProUni), do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e até aceitam o aumento do limite de gastos com educação, desde que não seja para a educação pública, mas para seus próprios bolsos.

O que os donos do capital parecem não querer entender é que a inadimplência e a evasão não são frutos da pandemia, mas do arrocho salarial e do desemprego. E não é simplesmente reduzindo seu custo operacional e rebaixando a qualidade da educação que estabelecimentos de ensino superior vão evitar que milhares de jovens abandonem seus cursos. Paradoxalmente, contudo, o que fazem é o contrário: querem que o ensino siga lhes dando lucro, mas fazem isso atacando ainda mais o próprio direito à educação.

*José de Ribamar Virgolino Barroso é diretor do Sindicato dos Professores do Pará (Sinpro/PA) e coordenador da Secretaria de Finanças da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee)

Da Carta Capital

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