O que podemos aprender com a reabertura das escolas na Europa

“A forma mais segura de abrir as escolas é manter o nível de transmissão na comunidade extremamente baixo”, diz Devi Sridhar, especialista em saúde pública

Em 22 de abril, os países europeus começaram o processo de reabertura das escolas em fases. Embora cada país do continente arrasado pela pandemia de coronavírus tenha adotado medidas de segurança específicas, nenhum tratou esse tema como algo “normal”.

O governo francês, por exemplo, impôs protocolos estritos que exigem que os pais meçam a temperatura das crianças antes de chegar na escola. Além disso, as aulas e o recreio foram escalonados para evitar o contato entre os alunos, o tamanho das turmas foi reduzido e os esportes coletivos foram proibidos. Já na Alemanha, as escolas dividiram os alunos em turmas menores, implementaram sistemas de mão única nos corredores para evitar o contato e estão mantendo as portas e janelas abertas para ajudar na ventilação. Na Dinamarca, algumas aulas são ao ar livre.

Apesar de toda a pressão, as reaberturas não provocaram um aumento significativo da transmissão do coronavírus entre alunos, professores e funcionários. No entanto, a experiência europeia durou pouco. As escolas ficaram abertas por apenas algumas semanas e logo fecharam para as férias de verão.

“Até agora, não recebemos comentários negativos sobre a reabertura das escolas, mas acho que ainda é cedo para chegar a uma conclusão”, disse Blaženka Divjak, ministra da educação da Croácia, em uma entrevista em maio.

Agora, os países estão tentando responder a uma pergunta difícil: será que as escolas poderão abrir com segurança depois das férias? Será um teste muito maior do que a experiência rápida do início do ano. No mundo todo, há debates acalorados entre pais, professores, alunos, administradores e funcionários públicos do setor da educação sobre como voltar às aulas e se mais vidas serão colocadas em risco.

Aqui no Brasil, não há um plano nacional de reabertura das escolas, liderado pelo Ministério da Educação. Cada estado montou seu próprio plano de retomada. O Amazonas foi o primeiro estado a retomar o ensino presencial. Entre as medidas, reduziu a carga horária, estabeleceu um misto com ensino à distância, além de distribuir máscaras para alunos e professores.

Já São Paulo, por exemplo, previu inicialmente a volta às aulas presenciais para setembro e depois adiou para outubro. Mas, como a palavra final pertence aos prefeitos, na capital paulista, por exemplo, a expectativa é só retorne ano que vem.

Em Nova York, o prefeito Bill de Blasio insiste que as escolas sejam abertas no dia programado, 10 de setembro, apesar da resistência dos sindicatos de professores e diretores, que pedem o adiamento.

“Nossas crianças têm esse direito”, afirmou de Blasio na quarta-feira. “Estamos avançando com essa ideia na cabeça, sempre pensando nas crianças”.

No Reino Unido, o primeiro-ministro Boris Johnson também considerou a reabertura das escolas no mês que vem como princípio moral e “prioridade nacional”.

“Agora que temos informações suficientes para reabrir as escolas para todos os alunos com segurança, temos o dever moral de fazer isso”, escreveu Johnson no The Mail domingo passado. “Manter as escolas fechadas por mais tempo do que o necessário é intolerável para a sociedade, insustentável para a economia e não tem defesa moral”.

Segundo os cientistas, a volta dos alunos às salas de aula pode exigir o sacrifício de outros setores para manter o índice de contágio sob controle. Em caso de surtos, o governo do Reino Unido vai considerar fechar bares, restaurantes e lojas para que as escolas possam permanecer abertas, apesar de insistir bastante nas últimas semanas para o relaxamento das restrições do lockdown e a reativação da economia.

Os professores e especialistas também pedem que os sistemas de testes e rastreamento sejam reforçados antes da volta às aulas.

Anne Longfield, comissária infantil da Inglaterra, afirmou nesta semana que seria necessário testar semanalmente os alunos e professores para manter o baixo índice de contágio.

“Os testes precisam ter a frequência necessária para garantir que os contágios sejam identificados o mais rápido possível, e o sistema de rastreamento pode avançar a partir daí”, disse Longfield ao HuffPost U.K.

Um estudo publicado no The Lancet este mês adverte que a reabrir as escolas no Reino Unido sem melhorar os sistemas de testes e rastreamento pode provocar uma segunda onda de contágios de coronavírus no inverno, até duas vezes maior do que a primeira.

Essa também é a preocupação dos especialistas dos Estados Unidos.

“Quando as aulas voltarem nas escolas, faculdades e universidades em setembro, teremos uma explosão de casos muito maior do que a de maio, e o número de contágios vai continuar aumentando cada vez mais”, afirmou Michael Osterholm, diretor do Centro de Pesquisas e Políticas de Doenças Infecciosas da Universidade de Minnesota, em uma entrevista à CNN esta semana.

Com o sucesso na primavera, muitos países europeus começaram a reduzir gradualmente as restrições. Emmanuel Macron, presidente da França, comunicou que ir à escola seria “obrigatório” a partir de 22 de junho, e houve um relaxamento significativo das medidas de segurança nesse setor. As regras de distanciamento social foram abolidas nos jardins de infância, e os alunos de escolas primárias precisam manter 1 metro de distância dos colegas e professores em sala de aula.

De acordo com o Ministério da Educação, em 24 de junho mais de 80% das crianças em idade escolar já tinham voltado às aulas presenciais.

“Nossos diretores são maravilhosos, por isso chegamos à reabertura total das escolas e somos o país da Europa com o maior número de alunos que voltaram às aulas presenciais depois do confinamento”, contou Jean-Michel Blanquer, ministro da Educação da França, ao HuffPost francês.

Quando o próximo ano escolar europeu começar, em setembro, as diretrizes estarão ainda mais brandas. De acordo com as novas exigências de saúde e segurança apresentadas na semana passada, o distanciamento social estrito não será mais exigido, e as restrições da mistura de turmas e grupos de alunos diferentes serão reduzidas. Além disso, os alunos da mesma turma poderão compartilhar brinquedos, livros e outros materiais.

Os alunos com mais de 11 anos de idade deverão usar máscaras em ambientes internos e externos, e também entre uma aula e outra. Os funcionários e professores do ensino fundamental ao médio precisarão usar máscaras em situações em que a distância de pelo menos um metro não possa ser garantida, especialmente em áreas comuns, como a sala dos professores.

A capacidade de alunos e professores de cumprir esses requisitos de saúde e segurança pode ter um papel fundamental para evitar um pico de casos de coronavírus com a volta às aulas. Por exemplo, quando as escolas foram reabertas em Israel em maio, o uso de máscaras era obrigatório para os alunos a partir da quarta série. Além disso, as janelas ficavam abertas para facilitar a ventilação, e os alunos mantinham uma distância de aproximadamente 2 metros um do outro.

No entanto, em muitas escolas, ficou claro que o distanciamento físico era inviável. Além disso, houve uma onda de calor, e manter as janelas abertas também passou a ser praticamente impossível. O governo também aboliu a exigência do uso de máscaras. Em pouco tempo, os casos de coronavírus começaram a aumentar muito. Ao final do ano escolar em junho, 977 alunos e professores estavam com coronavírus, e o Ministério da Educação de Israel precisou fechar 240 escolas e colocar 22.520 alunos e professores em quarentena, de acordo com o The New York Times

Nenhum outro país “deveria seguir o nosso exemplo”, disse Eli Waxman, professor do Weizmann Institute of Science e presidente da equipe de consultoria do Conselho Nacional de Segurança de Israel sobre a pandemia, em uma entrevista ao Times. “Foi um fracasso total”.

Nos Estados Unidos, circularam fotos de alunos conversando nos corredores das escolas sem nenhum distanciamento nem máscaras, sugerindo que alguns distritos escolares não aprenderam nada com a experiência de Israel.

Uma questão importante em relação à abertura das escolas é o nível de suscetibilidade dos jovens ao coronavírus e a probabilidade de contágio dos adultos, incluindo professores, pais e outras pessoas.

Ainda não está claro como o coronavírus afeta as pessoas mais jovens. Alguns estudos sugerem que as crianças têm menos chances de ter sintomas mais graves da doença e talvez tenham menos probabilidade de transmiti-la, mas as evidências não são conclusivas.

Nesta semana, um novo estudo da Organização de Saúde Pública da Inglaterra concluiu que os jovens com menos de 16 anos representavam apenas 1% dos casos de coronavírus no país, sugerindo que “as crianças não são as protagonistas da pandemia”.

Outro estudo, que será apresentado nas próximas semanas, concluiu que os contágios entre os alunos são impulsionados pela alta prevalência do coronavírus na comunidade, não o contrário.

“Até agora, as evidências indicam que as escolas não são um fator importante para o contágio de coronavírus na comunidade”, explicou Viv Bennett, diretora de Enfermagem do Órgão de Saúde Pública da Inglaterra ao The Guardian.

Essa conclusão é a mesma de uma pesquisa publicada no mês passado pela iniciativa DELVE da Royal Society, um grupo de cientistas que compilam dados sobre a pandemia no Reino Unido e outros países, que também concluiu que até agora as escolas tiveram um papel limitado na disseminação do vírus. Essas constatações poderiam sustentar os planos do governo de reabrir as escolas.

Ainda assim, os autores da pesquisa observam que ainda há muitos fatos desconhecidos sobre como o coronavírus afeta as pessoas mais jovens, e é difícil chegar a uma conclusão sobre as medidas de segurança mais eficazes.

“É uma situação nova para as escolas, e é essencial aprender com outros países como fazer uma reabertura segura com todos os alunos”, afirma o relatório. “No entanto, ainda há poucas evidências claras sobre medidas eficazes”.

No fim das contas, de acordo com Devi Sridhar, membro do grupo DELVE, professor e chefe do setor de saúde pública global na Universidade de Edimburgo, a melhor maneira de evitar a disseminação do coronavírus nas escolas é garantir que os níveis de contágio na comunidade sejam baixos.

“A forma mais segura de abrir as escolas é manter o nível de transmissão na comunidade extremamente baixo”, conta Sridhar ao Telegraph.

“As escolas funcionam nas comunidades, por isso, afirmo que a medida mais segura é garantir que o vírus nem sequer chegue às escolas”.

Com reportagens do HuffPost Reino Unido e do HuffPost França.

*Este texto foi originalmente publicado no HuffPost UK e traduzido do inglês.

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