O terceirizado é sujeito de direito tanto quanto o empregado direto

Por José Geraldo de Santana Oliveira*

Na mitologia grega, Sísifo, filho de Éolo, deus dos ventos, após enganar a morte por duas vezes, recebeu castigo eterno de Zeus, que consistia na tarefa ininterrupta de rolar gigantesca pedra de mármore, com as mãos, até o cume de uma montanha, sendo que esta, antes de alcançar o ponto de chegada, rolava montanha abaixo, atraída por força irresistível (gravidade), obrigando-o a recomeçar a sua árdua tarefa eterna.

Os trabalhadores brasileiros, apesar de nunca enganarem a morte ou seu mensageiro, são alvos de castigos eternos, que são cotidianos e se multiplicam com frequência, infligidos pelos representantes maiores do capital, que se travestem de deuses absolutos: a Presidência da República, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF).

Escancarada a terceirização para todas as atividades econômicas, meio e fim, por decisão do STF, no julgamento do recurso extraordinário (RE) 958252 e da arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 324, concluído ao dia 30 de agosto, dela advirá mais um colossal desafio ao movimento sindical, já esgotado pelos sucessivos golpes, que é o do enquadramento sindical dos trabalhadores terceirizados.

Dispõe o Art. 8º, inciso II, da CF, que a organização sindical, em qualquer grau, dá-se por categoria profissional ou econômica. A atual regulamentação de categoria profissional, dada pelos Arts. 511 e 570, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), remonta-se a 1º de maio de 1943, data em que entrou em vigor, por força do Decreto-Lei nº 5452.

“Art. 511. É lícita a associação para fins de estudo, defesa e coordenação dos seus interesses econômicos ou profissionais de todos os que, como empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos ou profissionais liberais exerçam, respectivamente, a mesma atividade ou profissão ou atividades ou profissões similares ou conexas.

  • 1º A solidariedade de interesses econômicos dos que empreendem atividades idênticas, similares ou conexas, constitui o vínculo social básico que se denomina categoria econômica.
  • 2º A similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas, compõe a expressão social elementar compreendida como categoria profissional.
  • 3º Categoria profissional diferenciada é a que se forma dos empregados que exerçam profissões ou funções diferenciadas por força de estatuto profissional especial ou em consequência de condições de vida singulares.
  • 4º Os limites de identidade, similaridade ou conexidade fixam as dimensões dentro das quais a categoria econômica ou profissional é homogênea e a associação é natural.

Art. 570. Os sindicatos constituir-se-ão, normalmente, por categorias econômicas ou profissionais, específicas, na conformidade da discriminação do quadro das atividades e profissões a que se refere o art. 577 ou segundo ae subdivisões que, sob proposta da Comissão do Enquadramento Sindical, de que trata o art. 576, forem criadas pelo ministro do Trabalho, Indústria e Comércio.

Parágrafo único – Quando os exercentes de quaisquer atividades ou profissões se constituírem, seja pelo número reduzido, seja pela natureza mesma dessas atividades ou profissões, seja pelas afinidades existentes entre elas, em condições tais que não se possam sindicalizar eficientemente pelo critério de especificidade de categoria, é-lhes permitido sindicalizar-se pelo critério de categorias similares ou conexas, entendendo-se como tais as que se acham compreendidas nos limites de cada grupo constante do Quadro de Atividades e Profissões”.

O STF, no julgamento do  Processo de recurso em mandado de segurança (RMS) nº 21305, aos 17 de outubro de 1991, impetrado pelo Sindicato Nacional dos Aeronautas, decidiu que esses dois Arts., da CLT, foram recepcionados pela CF, isto é, continuam em plena vigência, como se constata pela simples leitura de sua Ementa, assim exarada:

“- CRIAÇÃO POR DESMEMBRAMENTO – CATEGORIA DIFERENCIADA. A organização sindical pressupõe a representação de categoria econômica ou profissional. Tratando-se de categoria diferenciada, definida a luz do disposto no par-3. do artigo 511 da Consolidação das Leis do Trabalho, descabe cogitar de desdobramento, por iniciativa dos interessados, consideradas as funções exercidas pelos sindicalizados. O disposto no parágrafo único do artigo 570 do referido Diploma aplica-se as hipóteses de existência de categoria similares ou conexas e não de categoria diferenciada, muito embora congregando trabalhadores que possuem funções diversas. A definição atribuída aos trabalhadores e empregadores diz respeito a base territorial do sindicato – artigo 8., inciso II, da Constituição Federal, e não à categoria em si, que resulta das peculiaridades da profissão ou da atividade econômica, na maioria das vezes regida por lei especial, como ocorre em relação aos aeronautas. Mostra-se contrária ao princípio da unicidade sindical a criação de ente que implique desdobramento de categoria disciplinada em lei como única. Em vista da existência do Sindicato Nacional dos Aeronautas, a criação do Sindicato Nacional dos Pilotos da Aviação Civil não subsiste, em face da ilicitude do objeto. Segurança concedida para cassar-se o ato do registro no Ministério do Trabalho.

Causa estranheza, para dizer o mínimo, a constatação de que vários ministros do STF considerem a CLT, no tocante aos direitos por ela assegurados, como caduca e incompatível com o contexto socioeconômico atual; entendimento que não se sustenta quanto  ao enquadramento sindical, ditado pelos Arts. sob destaque, que são, por eles, considerados como vigentes e em pleno vigor, não obstante  a sua  redação ser a mesma de 1943, contando, portanto, com mais de 75 anos. Por que será? O histórico recente dos julgamentos do STF dispensa essa indagação, que faria sentido em outros tempos, não nos de agora.

A primeira questão complexa que se apresenta no estudo deste tema é a da conceituação de categoria profissional, a partir do que preceitua o § 2º do Art. 511 da CLT.

Para Otávio Magano, autor  que continua citado, mesmo decorridos anos de sua morte, pela doutrina e jurisprudência mais conservadoras, categoria “é o conjunto de pessoas que, ligadas pela solidariedade resultante da identidade de condições de vida, perseguem interesses profissionais comuns” (Manual de Direito do Trabalho. Direito coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 1986, vol. III, p. 86).

Para Maurício Godinho Delgado, ministro do TST- prócere do garantismo social nesse Tribunal (Curso de Direito do Trabalho, LTR, 11ª edição, 2012, p.1348 1349), “A CLT (art.511, §2º) concebe categoria profissional como uma ‘expressão social elementar’. E estabelece que ela é composta pela ‘similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas (art. 511, § 2º, da CLT). […] É óbvio que, do ponto de vista jurídico, pode-se interpretar a noção de categoria profissional não só de modo restritivo (como tendente, hoje, no Brasil); é possível também realizar interpretação ampliativa da mesma noção, de modo a reforçar a atuação dos sindicatos. Essa interpretação ampliativa, a propósito, seria mais consentânea com o próprio Direito Coletivo do Trabalho, uma vez que a história e conceito de associações sindicais remetem-se ao apelo da união, da unidade, da agregação – e não no seu inverso”.

O também ministro do TST, Augusto César Leite de Carvalho, outro prócere do garantismo social nesse Tribunal, ao tratar do tema “Direito coletivo e institutos afetos – sindicato, greve e convenção coletiva” (Direito do Trabalho Curso e Discurso, LTR80, 2016, p.33), vai além do conceito de categoria, afirmando: “Não há como dissociar o sindicato, o direito de greve e a convenção coletiva do trabalho, institutos que são a melhor expressão do fenômeno social mais expressivo dos dois últimos séculos, o sindicalismo”.

É com esse alcance social, que se ampara no Art. 8º, caput e incisos III (ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas) e VI (é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho), que se deva abordar do tema proposto para debate: enquadramento sindical dos terceirizados.

Em primeiro lugar, faz-se necessário registrar que, com o surgimento e a proliferação da terceirização,  que, até 30 de agosto se restringia às atividades meio, sem se alterar o elemento definidor do contrato de trabalho, que se caracteriza pela subordinação jurídica total ao capital, indo para muito além do  cumprimento de ordem, surge a figura do terceiro, que é o prestador de serviços, a quem os trabalhadores se submetem, de forma direta, extrapolando, pois, a relação bilateral direta, ditada pelo Art. 2ª, caput e § 1º, da CLT, com redação de 1943.

Com a interposição do terceiro sujeito, o prestador de serviços,  a relação de trabalho – aqui usada em sentido estrito, ou seja, com vínculo empregatício – deixa de ser bilateral e passa a ser trilateral, de maneira imprópria. Importa dizer: de um lado, o capital, representado pelo tomador e o prestador de serviço, que dirigem a relação, sendo o primeiro, de forma indireta, e, o segundo, direta; e, de outro, o trabalhador terceirizado, que, ao fim e ao cabo, submete-se juridicamente aos dois.

Ao longo do período em que a terceirização era limitada à atividade meio, havia a pulverização dos trabalhadores terceirizados, em diversas tomadoras, não obstante o vínculo direto deles ser com uma prestadora de serviços, o que gerava confusão – não raras vezes, propositada – quanto ao seu enquadramento sindical.

Agora, com a indesejável extensão da terceirização para a atividade principal das empresas tomadoras, essa pulverização, ao menos quanto a esta atividade, desaparece, passando o empregado direto e o terceirizado a trabalharem lado a lado, no mesmo local e para a mesma empresa: a tomadora. E mais: as empresas de prestação de serviços, na atividade principal (fim), obrigatoriamente terão de contratar trabalhadores especializados, devidamente qualificados para o exercício daquela; o que não se exige na atividade meio.

A título de ilustração, toma-se o caso de um hospital, que terceiriza as atividades  desenvolvidas no seu centro cirúrgico – o que, para o STF, é lícito –, necessariamente todos os profissionais contratados pela empresa prestadora de serviços terão de ser médicos clínicos, cirurgiões especialistas, anestesistas e enfermeiros especialistas, que trabalharão lado a lado com os profissionais contratados diretamente pela tomadora, com a mesma qualificação e a mesma finalidade: a saúde.

Assim, qualquer que seja a atividade principal terceirizada, ainda que se aplique ao enquadramento sindical dos trabalhadores terceirizados, a vetusta disposição do Art. 511, § 2º, da CLT, “A similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas, compõe a expressão social elementar compreendida como categoria profissional”; os empregados diretos e os terceirizados, indiscutivelmente, integram a mesma categoria, pois tanto a empresa tomadora como a prestadora de serviços têm a mesma atividade econômica preponderante, que é pedra de toque para Justiça do Trabalho ao apreciar processos que versem sobre enquadramento sindical.

É bem de ver-se que o vocábulo terceirizado – que é, ao mesmo tempo, verbo, particípio passado de terceirizar, adjetivo e substantivo – não representa profissão nem implica similitude de condições de vida; é, isto sim, e tão somente isto, modalidade de contrato de trabalho. À luz da CLT, mesmo após as  sucessivas mutilações que sofrera, contrato de trabalho (vínculo empregatício)  não define enquadramento sindical; como já dito, a profissão e/ou as similitudes de condições são os elementos que o definem.

O TST, no âmbito da Seção de Dissídios Coletivos (SDC) e da Seção de Dissídios Individuais (SDI), já enfrentou esse debate, decidindo que trabalhadores temporários, em um caso, e os terceirizados por prazo indeterminado se enquadram na categoria dos trabalhadores diretos da tomadora.

A SDC, no julgamento do Processo RO 18-89.2015.5.21.0000, tendo como relator o já citado ministro Maurício Godinho Delgado, decidiu:

“PROCESSO Nº TST-RO-18-89.2015.5.21.0000. ACÓRDÃO (SDC). DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA ECONÔMICA. 1. RECURSO ORDINÁRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. 2. RECURSO ORDINÁRIO DO SINDICATO DOS EMPREGADOS NO COMÉRCIO HOTELEIRO E SIMILARES DE MOSSORÓ. ANÁLISE CONJUNTA. LEGITIMIDADE ATIVA. Cinge-se a presente controvérsia em definir se o Sindicato Suscitante – Sindicato dos Empregados no Comércio Hoteleiro e Similares de Mossoró – é parte legítima para representar os interesses dos empregados das empresas de terceirização de mão de obra, vinculadas ao Sindicato Patronal das Empresas Prestadoras de Serviço, que atuam como terceirizados nas funções de despenseiro, auxiliar de nutrição, merendeiro, camareiro, costureira, passador, garçom, cumim, copeiro, cozinheiro, auxiliar de cozinha, carregador e trabalhador em lavanderia. A Constituição da República fixa a categoria profissional como elemento referencial para a representação dos sindicatos obreiros (art. 8º, II, da CF/88). Entretanto, não concretiza, explicitamente, o conceito jurídico de categoria. No Direito brasileiro, esse conceito é dado pela CLT, em seu art. 511, § 2º (conceito de categoria profissional) e § 3º (conceito de categoria profissional diferenciada). O fenômeno da terceirização, entre as inúmeras dificuldades que traz à sua regulação civilizatória pelo Direito do Trabalho, apresenta ainda manifesto desajuste à estrutura do sistema sindical do País, fundado na ideia matriz da categoria. É que os trabalhadores terceirizados não constituem, do ponto de vista real e sob a ótica jurídica, uma categoria profissional efetiva, uma vez que não apresentam, regra geral, similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas, compondo a expressão social elementar compreendida como categoria profissional (art. 511, § 2º, CLT). Ora, os trabalhadores terceirizados são ofertados a distintos tomadores de serviços, muitas vezes laborando em períodos diversos e sequenciais, para empresas sumamente diferentes, às vezes integrantes de categorias econômicas sem qualquer similitude entre si. São trabalhadores dispersados pela fórmula de contratação trabalhista a que se submetem. Revela-se, aí, um dos motivos pelos quais a terceirização é fenômeno tão prejudicial ao trabalhador. No caso, verifica-se que havia um Sindicato específico para representar os empregados de empresas de terceirização no Estado do Rio Grande do Norte, qual seja o SINDCOM/RN – Sindicato dos Empregados em Condomínios e em Empresas Prestadores de Serviço de Locação de Mão-de-Obra no Estado do Rio Grande do Norte. Todavia, na Ação Civil Pública nº 160400-45.2009.5.21.0007, determinou-se a dissolução do referido Sindicato, pois se verificou que sua criação se deu por grupo familiar e empresarial articulado, com grave fraude a direitos trabalhistas. Constatou-se que tal Sindicato era utilizado para sonegar e suprimir direitos básicos e indisponíveis dos empregados, contratuais e rescisórios. Em decorrência da dissolução do SINDCOM/RN, os trabalhadores prestadores de serviços terceirizados no Rio Grande do Norte ficaram sem representatividade sindical. Para suprir essa lacuna, o Sindicato Patronal das Empresas Prestadoras de Serviços de Mão-de-Obra do Rio Grande do Norte – SINDPREST – firmou um TAC perante o MPT, em que se definiu que “o SINDPREST firmará acordos e convenções coletivas de trabalho com o Sindicato dos Trabalhadores em Hotéis e Restaurantes do Rio Grande do Norte quanto às atividades terceirizadas de passador, garçom, copeira, cozinheiro, auxiliar de cozinha e carregador” (Cláusula 10). Ora, tendo em conta o contexto de dissolução de um sindicato fraudulento e de celebração de um TAC perante o MPT, para suprir a lacuna remanescente de representatividade sindical, e considerando que a categoria profissional é formada por trabalhadores terceirizados, não há como se chancelar o rigor formal do entendimento do TRT, o qual, em face da inexistência de correspondência entre os ramos empresariais em que atuam os Sindicatos Suscitante e Suscitado, entendeu pela ilegitimidade do primeiro para ajuizar o presente dissídio em face do segundo, recusando a homologar o acordo firmado em juízo pelas partes. Assim, impõe-se o devido respeito ao TAC firmado perante o MPT e, por conseguinte, o reconhecimento da legitimidade do Sindicato Suscitante – Sindicato dos Empregados no Comércio Hoteleiro e Similares de Mossoró, devendo os autos retornarem ao TRT de origem, para que prossiga no julgamento do feito, como entender de direito. Por oportuno, registre-se que esta SDC, em recente julgado, apreciou controvérsia idêntica, envolvendo o mesmo TAC, o mesmo sindicato da categoria econômica e a mesma categoria profissional, com diferença apenas quanto à abrangência territorial do sindicato obreiro, com decisão no sentido de afastar a ilegitimidade ativa do Sindicato obreiro para instaurar o dissídio coletivo, na forma reconhecida pelo Tribunal Regional. Recursos ordinários conhecidos e providos.”

A SDI, ao julgar o Processo TST-E-ED-RR-54900-80.2004.5.04.0122, sendo relatora a ministra Delaíde Miranda Arantes – que dispensa comentários, quanto ao seu compromisso com o Estado de Bem Estar-Social –, decidiu:

A C Ó R D Ã O

RECURSO DE EMBARGOS REGIDO PELA LEI 11.496/2007

1 – JULGAMENTO “EXTRA PETITA”. ENQUADRAMENTO SINDICAL. A questão relativa à ocorrência de julgamento extra petita não foi examinada pela Turma, que nem sequer foi instada a se manifestar expressamente mediante embargos de declaração. Portanto, o recurso não pode ser processado, nesse aspecto, por falta de prequestionamento, nos termos da Súmula 297 do TST. Recurso de embargos não conhecido.

2 – ENQUADRAMENTO SINDICAL. TERCEIRIZAÇÃO. 2.1 – Imprópria revela-se a indicação de afronta a dispositivos legais como fundamento do recurso de embargos após a edição da Lei 11.496/2007. 2.2 – Não se divisa contrariedade à Súmula 374 do TST, pois a Turma não apreciou o tema sob a premissa de ter sido a empresa representada por órgão de classe de sua categoria em relação a empregado integrante de categoria profissional diferenciada. 2.3 – Os arestos trazidos a confronto, nas razões de recurso de embargos, são inespecíficos, na forma da Súmula 296, I, do TST, por não tratarem do enquadramento sindical quando há terceirização dos serviços. Recurso de embargos não conhecido.”

Em seu judicioso e alvissareiro voto, acolhido pela SDI por unanimidade, a ministra Delaíde, para não conhecer do recurso de embargos, adotou os fundamentos da Decisão da 6ª Turma, assim assentados:

“[..]

1.2 – ENQUADRAMENTO SINDICAL

No tópico, a Turma registrou:

“Restou consignado no v. acórdão regional:

‘A julgadora de origem reconhece serem aplicáveis ao autor os instrumentos normativos juntados aos autos com a defesa.

Insurge-se o reclamante, aduzindo não estar vinculado ao Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada do RS, mas ao Sindicato dos Empregados e Trabalhadores das Indústrias de Fertilizantes e Adubos etc. Alega ter prestado suas atividades na fábrica de adubo da empresa Bunge Fertilizantes (tomadora de serviços da reclamada).

Razão não lhe assiste.

O enquadramento sindical do trabalhador se dá conforme a atividade preponderante do empregador (art. 581, § 2º, da CLT), salvo na hipótese de se tratar de categoria diferenciada, como referido pela sentença de origem à fl. 187.

Na hipótese dos autos, a empregadora do reclamante (Construtora Mineira de Obras Ltda.) tem como objeto social ‘a prestação de todo e qualquer serviço de engenharia civil, terraplanagem, pavimentação e prestação de serviços de carga, transporte e descarga em áreas industriais e de mineração’ (fl. 18). Nesse contexto, entende-se aplicáveis ao autor as normas coletivas juntadas aos autos com a defesa, uma vez que a função por ele exercida (Operador de Pá Carregadeira, fl. 3) não corresponde a categoria profissional diferenciada, ainda que executada no interior de uma fábrica de fertilizantes, conforme mencionado na manifestação das fls. 135/144.

Nega-se provimento ao apelo no tópico’ (fls. 263/264).

O reclamante interpôs recurso de revista às fls. 276/281. Sustenta que não devem ser aplicadas as convenções coletivas firmadas com o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada no Estado do Rio Grande do Sul e sim do Sindicato dos Empregados e Trabalhadores das Indústrias de Fertilizantes e Adubos etc, tendo em vista que o autor trabalhava em fábrica de adubo no Estado do Rio Grande do Sul. Colaciona arestos para confronto jurisprudencial.

O primeiro aresto de fl. 279, ao defender tese de que ‘na terceirização, o enquadramento do empregado, recrutado para a execução de serviços ligados à atividade daquela que se beneficia da mão-de-obra, é definido pela inserção no meio do tomador de serviços’ contrapõe-se ao posicionamento do acórdão regional, demonstrando, assim, divergência jurisprudencial apta a promover a admissibilidade do recurso.

Conheço, por divergência jurisprudencial.

Mérito

A controvérsia cinge-se à possibilidade de enquadramento do empregado de empresa prestadora de serviços na categoria a que estão vinculados os trabalhadores da empresa contratante.

Ante o fato objetivo e aparentemente inexorável da terceirização, da colocação do trabalhador de empresa prestadora de serviços laborando lado a lado com empregado da tomadora dos serviços, em funções ligadas à atividade-fim desta, possível é o enquadramento sindical daquele obreiro prestador de serviços na mesma categoria profissional deste, haja vista as peculiaridades do trabalho que desenvolvem, as necessidades que possuem, as reivindicações que lhes são comuns.

A questão poderia tornar-se vexatória na hipótese de a empregadora reclamar seu enquadramento em categoria econômica composta por empresas prestadoras de serviços interpostos, dados a atuação plural ou multifária dessas empresas. Há sindicatos patronais que congregam empresas que prestam serviço de apoio e limpeza, por exemplo. Mas se a empregadora optar por filiar-se a sindicato que desenvolve atividade econômica específica, como é o da construção pesada, o fato de ela desenvolver outra atividade impede que possa impor aos respectivos empregados o enquadramento na categoria, para eles estranha, dos trabalhadores da construção pesada.

Conforme consignado no acórdão regional, o reclamante prestava serviço terceirizado em fábrica de adubo, na função de operador de pá carregadeira, não atuando, pois, em obra de construção pesada.

Se em outras circunstâncias seria a construção pesada a atividade preponderante da reclamada, o seu ingresso em atividade econômica diversa não poderá engessar o enquadramento sindical dos empregados que envolver nessa nova empreitada, cabendo-lhe adaptar contrato social (se for o caso) e filiação sindical à sua nova atividade. Entre os males da unicidade sindical não  se inclui este, o de impedir que o empregador adapte sua nova atividade preponderante no âmbito de certa unidade produtiva) à categoria econômica pertinente, sempre que tal se fizer necessário.

Assim, o reclamante deve ser representado pelo Sindicato dos Empregados e Trabalhadores das Indústrias de Fertilizantes e Adubos etc, ainda que seja empregado de empresa terceirizada, dada a correção do enquadramento sindical que está a postular.

Portanto, dou provimento ao recurso de revista para, reconhecendo que o reclamante está vinculado ao Sindicato dos Empregados e Trabalhadores das Indústrias de Fertilizantes e Adubos etc., determinar que lhe sejam aplicados os instrumentos coletivos firmados pelo referido sindicato.” (fls. 339/340)

[..]

“Por meio do acórdão de fls. 338/342-v, foi dado provimento ao recurso de revista do reclamante para, reconhecendo que o autor está vinculado ao Sindicato dos Empregados e Trabalhadores das Indústrias de Fertilizantes e Adubos etc., determinar que lhe sejam aplicados os instrumentos coletivos firmados pelo referido sindicato.

A reclamada opõe embargos declaratórios às fls. 344/348, para que esta Turma se manifeste sobre os seguintes pontos: a) a terceirização era lícita, pois a empresa prestadora de serviços desempenhava apenas a atividade-meio na empresa tomadora de serviços, consoante se observa pela análise do objeto social de cada empresa; b) a empresa prestadora de serviços possui como objeto social a prestação de serviços de carga, transporte e descarga em áreas de indústrias e mineração e locação de máquina, confirmando que a atividade desempenhada pelo reclamante na empresa tomadora de serviços está enquadrada no citado objeto social; c) o artigo 511, § 2º, da CLT estabelece que o enquadramento sindical será feito de acordo com a atividade desenvolvida pelo empregador, com exceção dos profissionais pertencentes à categoria profissional diferenciada, o que não é o caso do autor.

Sem razão.

Inicialmente, frise-se que é irrelevante o fato de a terceirização ser lícita, pois o fundamento para o deferimento do pedido de enquadramento sindical não é a licitude ou ilicitude da terceirização e sim a impossibilidade de enquadramento sindical do empregado no caso em que o empregador, atuando (sob a mesma razão social) em setores econômicos absolutamente distintos, opta por filiar-se a sindicato ligado a atividade econômica específica, como é o da construção pesada, e o empregado desenvolve serviço vinculado a outra atividade na empresa tomadora de serviços.

Não há duvida de que a atividade preponderante define o enquadramento sindical, mas também é certo que esse modelo de representação não autoriza a atuação desarticulada da sociedade empresária em áreas absolutamente díspares da economia sem que dela se exija, a um só tempo, quer a constituição de nova razão social visando ao desenvolvimento da nova e distinta atividade, quer a adaptação da regra geral de representação sindical a essa realidade que sobreveio à construção dos antigos modelos jurídicos e a eles, definitivamente, não se amolda. Decerto que a Justiça do Trabalho não deve impor ao agente econômico que constitua outra empresa para a atividade nova e distinta que ele pretende desenvolver, mas essa liberdade de empreendimento não deve concorrer para a precarização da representação sindical obreira, a pretexto de que se devem ancilosar os paradigmas inspirados no modelo corporativista a que estamos habituados.

O que se consignou, com clareza, no acórdão embargado é que a sociedade empresária dedicada à construção pesada não pode inserir-se em ramo inteiramente distinto da economia (a terceirização de serviços em fábrica de adubos) sem adequar a realidade dos trabalhadores utilizados nessa nova atividade ao enquadramento sindical que os faça propriamente representados. A lógica deve conformar-se à experiência, não o inverso.

Acresça-se que esta Turma se atentou para o fato de que o objeto social da empregadora abrange a atividade desenvolvida pelo reclamante na empresa tomadora de serviços (prestação de serviços de carga). Todavia, considerou que se essa atividade, contida no objeto social, não se ajusta à representação do sindicato a que se filiou a empregadora, em razão de esse sindicato estar ligado a atividade econômica específica (construção pesada), o enquadramento sindical do empregado deve observar a atividade preponderante da empresa tomadora de serviços.

Também não há omissão em relação à aplicação do art. 511, § 2º, da CLT, pois consta do acórdão embargado que se a atividade preponderante da empregadora é a construção pesada, o seu ingresso em atividade econômica diversa (prestação de serviços de carga) não pode engessar o enquadramento sindical dos empregados que desempenham essa última atividade, cabendo-lhe adaptar a filiação sindical a essa nova atividade.

As hipóteses de cabimento dos embargos declaratórios estão restritas àquelas previstas nos artigos 535 do CPC e 897-A da CLT, isto é, quando há omissão, contradição ou obscuridade no julgado. Todavia, não houve demonstração de nenhum dos vícios elencados nos aludidos dispositivos.

In casu, ainda que a embargante não se conforme com a decisão, a hipótese não seria de omissão, mas de mera decisão contrária aos seus interesses.

Portanto, nego provimento aos embargos de declaração.” (fls. 353/354v.)

Ainda no TST, a 7ª Turma, no julgamento do Processo TST-RR-119-43.2012.5.09.0008º, tendo  como relator o ministro Vieira de Melo Filho – igualmente, prócere do garantismo social, no TST –, decidiu:

“RECURSO DE REVISTA – ENQUADRAMENTO SINDICAL – TRABALHADOR TEMPORÁRIO. O conceito de categoria profissional, consoante o art. 511, § 2º, da CLT, é definido pela ‘similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas’. É no cerne da empresa tomadora de serviços, em que os trabalhadores temporários executam seus afazeres e se sujeitam às mesmas condições de trabalho, que se encontram presentes os requisitos de ‘similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas’. Além disso, o art. 12, ‘a’, da Lei nº 6.019/1974 dispõe que é assegurado ao trabalhador temporário ‘remuneração equivalente à percebida pelos empregados de mesma categoria da empresa tomadora’ inclusive benefícios previstos em normas coletivas. Nessa senda, os trabalhadores temporários deverão ter o mesmo o enquadramento sindical dos empregados do tomador de serviços, tendo em vista a identidade do trabalho que desenvolvem, as necessidades que possuem e as exigências que lhes são comuns, porquanto laboram lado a lado com os empregados da tomadora, inclusive em funções ligadas à sua atividade fim, além de legalmente lhes ser assegurado remuneração equivalente à percebida pelos empregados da mesma categoria da empresa tomadora. Recurso de Revista conhecido e provido”.

Em seu voto, o ministro relator destacou:

“[..]

A multiplicidade de tomadores de serviço, que compõe diversas categorias econômicas, e a temporariedade dos contratos de trabalhos firmados por concernentes trabalhadores, acaba por lhes inviabilizar a associação, diante da ausência de clareza da categoria econômica que os congregam e da identidade das condições de trabalho. Destaque-se que a finalidade social da Lei nº 6.019/1974 é viabilizar a inserção de trabalhadores no mercado de trabalho. Outrossim, o conceito de categoria profissional, consoante o art. 511, § 2º, da CLT, assim é definido: A similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas, compõe a expressão social elementar compreendida como categoria profissional. Com efeito, é no cerne da empresa tomadora de serviços, em que os trabalhadores temporários exercem seus afazeres e se sujeitam às mesmas condições de trabalho, que se verifica a presença de solidariedade de interesses e a execução de atividades idênticas, similares ou conexas com os próprios empregados da tomadora. Logo, de acordo com o disposto no art. 511, § 2º, da CLT, trabalhador temporário não constitui categoria profissional. Além disso, o art. 12, “a”, da Lei nº 6.019/1974 ao garantir aos trabalhadores temporários “remuneração equivalente à percebida pelos empregados de mesma categoria da empresa tomadora”, consequentemente lhes assegura também as vantagens previstas em normas coletivas. Nessa senda, os trabalhadores temporários deverão ter o mesmo enquadramento sindical dos empregados do tomador de serviços, tendo em vista a identidade do trabalho que desenvolvem, as necessidades. que possuem e as exigências que lhes são comuns, porquanto laboram lado a lado com os empregados da tomadora, inclusive em funções ligadas à sua atividade fim, além de lhes ser assegurado remuneração equivalente à percebida pelos empregados de mesma categoria da empresa tomadora. Desvinculados se encontram esses trabalhadores da categoria conferida à atividade preponderante da empresa de locação de mão de obra, mera administradora dos contratos. Saliente-se que dificuldades logísticas concernentes ao recolhimento da contribuição sindical não podem figurar como óbices ao correto enquadramento sindical, considerando que a finalidade principal das entidades sindicais reside na defesa dos interesses econômicos, profissionais, sociais e políticos da categoria que representam. Não bastasse isso, o autor (Sindicato dos Empregados em Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros, Colocação e Administração de Mão de Obra, Trabalho Temporário, Leitura de Medidores e de Entrega de Avisos no Estado do Paraná – SINEEPRE), representa uma gama de trabalhadores que não ostentam entre si similitude das atividades desenvolvidas, uma vez que representa desde leituristas de medidores a trabalhadores temporários, os quais podem exercer qualquer ramo da atividade econômica, inclusive a atividade fim do tomador de serviços. Portanto, a Corte regional ao reconhecer que o Sindicato-autor tem legitimidade para representar os empregados da reclamada violou o art. 515, § 2º, da CLT.  Ante o exposto, dou provimento ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista”.

Frise-se que essa decisão foi ratificada pela SDI1.

Destarte, parece que já se vislumbra a existência de algumas vigas mestras, capazes de pavimentar esse tortuoso caminho no tocante ao enquadramento dos terceirizados na mesma categoria profissional dos empregados diretos das empresas tomadoras.

Afinal, o terceirizado é sujeito de direito tanto quanto o empregado direto, revelando-se absolutamente inconstitucional e atentatória à dignidade da pessoa humana e aos valores sociais do trabalho qualquer iniciativa de transformá-lo em pária, excluído dos direitos insertos em instrumentos normativos de trabalho aplicáveis a quem exerce a sua profissão na mesma  empresa tomadora, tendo como única diferença a modalidade de contratação.

A dificuldade que, se for mantida a Súmula 374 do TST com o conteúdo atual, os sindicatos terão de enfrentar será a  de ver-se compelidos a negociar a extensão  do instrumento normativo com o representante das empresas prestadoras de serviço, caso elas não optem por se enquadrar no sindicado das respectivas empresas tomadoras.

Ao debate e à ação, antes que seja tarde.

O enquadramento sindical de terceirizados que integram categorias diferenciadas, como é o caso dos profissionais da educação escolar, será objeto de debate em outro texto.

*Por José Geraldo de Santana Oliveira consultor jurídico da Contee

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