Parecer do procurador Aras é escárnio dos direitos trabalhistas

Por José Geraldo de Santana Oliveira*

O substantivo palração, há muito em desuso, tal como a sinceridade de muitas autoridades administrativas, políticas e judiciárias, consiste na utilização de abundância de palavras para transmitir poucas ideias.

Com essa finalidade, o procurador-geral da República, Augusto Aras, em parecer, com 21 páginas, emitido na ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 6814, ajuizada pelo PDT contra a exclusão dos sindicatos de negociações de acordos de redução de jornada e salários e de suspensão temporária de contrato, para quem recebe até três salários mensais e para acordos de redução que não supere 25% da remuneração, estabelecida pela medida provisória (MP) 1045, utilizou-se de nada menos do que 12,5 páginas daquele total, para tentar sustentar que isso não afronta a Constituição Federal (CF) que, no inciso VI, do Art. 7º, somente admite redução salarial por meio de convenção ou acordo coletivo.

Não obstante essa tese do palrador Augusto Aras tenha encontrado eco em sete ministros do STF, no julgamento de medida liminar pleiteada na ADI 6363, que questiona igual dispositivo contido na MP 936, convertida na Lei N. 140020/2020; sua palração, assim como a posição dos citados ministros do STF, para além de atingir letalmente o destacado comando constitucional, constitui-se em verdadeiro escárnio dos trabalhadores e de seus direitos fundamentais; como pode ser constatado pelo singelo correr dos olhos nos excertos do referido Parecer, abaixo transcritos.

Ei-los:

“As condições de pactuação, no caso da modalidade bilateral, não são, por certo, livres à plena negociação, mas são inteiramente vinculadas às prescrições detalhadamente indicadas no texto.

“Conforme dispõe o art. 12 do diploma, a adesão ao sistema por acordo individual que ultrapasse o limite de 25% de redução de jornada de trabalho e de remuneração somente é permitida para empregados com ganhos salariais até três salários-mínimos, para empregados no art. 444, parágrafo único, da CLT, bem como quando do acordo não resultar diminuição do valor total recebido mensalmente pelo empregado, incluídos neste valor o Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, a ajuda compensatória mensal e, em caso de redução da jornada, o salário pago pelo empregador em razão das horas trabalhadas pelo empregado.

“A negociação coletiva, segundo as condições estabelecidas na norma, permanece sendo necessária para os demais casos.

“No mesmo sentido, prevê o diploma que os acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária do contrato de trabalho deverão ser comunicados pelos empregadores ao sindicato da categoria profissional no prazo de dez dias corridos, contado da data de sua celebração e que, se, após a pactuação de acordo individual houver a celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho com cláusulas conflitantes com as do acordo individual, estas prevalecerão, a menos que as condições do acordo individual sejam mais favoráveis ao trabalhador (art. 12, §§ 4º a 6º).

[…[

“Assim, é certo que boa parte da função protetiva exercida pela atuação das entidades sindicais na negociação de redução salarial foi suprida, em caráter emergencial e temporário, pela proteção estatal conferida pela norma ao direito ao trabalho, tudo a revelar a razoabilidade da medida

“Quanto ao ponto, é preciso reconhecer que a necessidade de chancela mediante acordo ou convenção coletiva pode limitar o acesso ao Programa em relação a classes de trabalhadores não sindicalizadas e, considerando que negociações coletivas tendem a ser mais demoradas do que individuais, também pode retardar as tratativas que exigem urgência (a norma atacada estabelece prazo de vigência do Programa) e fazer com que empregadores prefiram, ou mesmo sejam obrigados pelas circunstâncias financeiras e econômicas, a simplesmente demitir os trabalhadores antes de terem acesso às soluções de manutenção de emprego e renda oferecidas pela Medida Provisória. Nesses casos, condicionar a participação no Programa à existência de a negociação coletiva significaria sacrificar por inteiro o direito ao trabalho.

[..]

“Percebe-se, no mesmo sentido, que a norma em comento não colocou as negociações coletivas em segundo plano, mas sim atribuiu-lhes preponderância, permitindo que negociações individuais relativas à redução salarial somente prevaleçam no que forem mais vantajosas ao trabalhador.

“De outra parte, não se vislumbra ofensa ao princípio do não retrocesso social, considerando que o diploma ora impugnado não promove a revogação de nenhum direito social fundamental, mas apenas restringe um aspecto instrumental da proteção do direito ao trabalho, a exigência de representação sindical na negociação de redução salarial, de forma provisória”.

Justificar o injustificável

Esses excertos, para quem não tem como único objetivo de justificar o que é injustificável, só podem ser tomados como disparatados e com a marca da desfaçatez.

Ora, como acreditar que a exigência de negociação coletiva, com a finalidade de se implantar o programa de benefício emergencial, para quem recebe até três salários mínimos, inviabiliza sua implantação, pondo em risco o próprio direito do trabalho; mas, para quem recebe mais de três salários mínimos, exigida pela MP, não?

Desde quando a simples ciência aos sindicatos de que se consumou “acordo individual” representa proteção aos trabalhadores e observância das constitucionais funções sindicais?

Como falar em suprimento de “boa parte da função protetiva exercida pelas entidades sindicais na negociação de redução salarial”, pelo mesmo ente estatal que, expressa e solenemente, afasta dessa proteção quem recebe até três salários mínimos? E como acreditar na assertiva de que a negociação coletiva não foi relegada a segundo plano, se e quando ela acontecer, pela garantia de que se for mais vantajosa prevalecerá sobre “acordo individual”, se ela não é exigida para quem recebe até três salários mínimos, que representa o maior número e o seguimento mais desprotegido?

Ao fim e ao cabo, o que o procurador-geral da República, efetivamente, pugna é pela desproteção dos trabalhadores e pela defenestração dos sindicatos.

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee

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