Participação do STF em pacto de Bolsonaro gera preocupação de ‘ativismo judiciário’

O envolvimento do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, na elaboração de um pacto com o Executivo e o Legislativo pela governabilidade do presidente Jair Bolsonaro gerou desconfiança entre juízes e especialistas. A preocupação é que a assinatura do ministro coloque em xeque a independência da Corte, que deveria ser “apolítica e técnica”.

O texto que terá a firma do chefe do Executivo, dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, do Senado, Davi Alcolumbre, e de Toffoli ainda está em fase de elaboração. No entanto, o documento já fala em “colaboração efetiva entre os três poderes” pela “realização de macrorreformas estruturais”. O rascunho foi redigido e sugerido aos demais poderes pelo próprio presidente do STF há cerca de dois meses.

A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) criticou na quarta-feira (29) a decisão de Toffoli de incluir o STF no pacto. Para os juízes, o comprometimento do ministro, especialmente em relação à reforma da Previdência, pode ser configurado como interferência entre os poderes.

Em nota, a associação ressalta que é possível que temas da reforma tenham sua constitucionalidade questionada perante a Corte.

“Isso revela que não se deve assumir publicamente compromissos com uma reforma de tal porte, em respeito à independência e resguardando a imparcialidade do Poder Judiciário, cabendo a realização de tais pactos, dentro de um estado democrático, apenas aos atores políticos dos Poderes Executivo e Legislativo.”

Para a advogada constitucionalista Vera Chemim, fica uma dúvida sobre como o Supremo pode “colaborar efetivamente” em fazer avançar, por exemplo, a reforma da Previdência.

“Fora a questão da legalidade e da constitucionalidade, não vejo como o Judiciário possa contribuir para promover o crescimento econômico. Não é papel da Corte. O STF não pode ficar acima da lei, da Constituição, para definir que algo seja importante para os demais poderes.”

Ela pontua ainda que há limitações à “cooperação” entre os poderes. De forma independente, eles servem como um sistema de pesos e contrapesos, que assegura o funcionamento da democracia, evitando que o outro poder extrapole suas funções.

“Pode haver cooperação entre os poderes públicos, eles são independentes e harmônicos. O que não pode é uma interferência do Judiciário que extrapole a Legislação”, diz.

“O poder Judiciário é apolítico, técnico, não representa a vontade da maioria, tem função de ser o guardião da Constituição. Não pode se tornar um poder político no sentido de resolver uma demanda de acordo com a conveniência do poder Executivo para que tenha crescimento econômico. Isso é papel do Legislativo.”

O poder Judiciário é apolítico, técnico, não representa a vontade da maioria, tem função de ser o guardião da ConstituiçãoVera Chemim, advogada constitucionalista
Chemim afirma que, a partir do momento que o presidente do STF extrapola o âmbito da Constituição, ele parte para o ativismo. “Se partir para o ativismo judiciário, o presidente estará se contradizendo. Ele coloca nas palestras que os juízes têm que atender a lei, que não têm que ser heróis.”

O ex-ministro do STF Carlos Velloso, no entanto, minimiza o impacto da adesão de Toffoli ao acordo. No seu entendimento, cabe ao cargo de presidente do Supremo este tipo de função, tendo em vista a harmonia entre os poderes.

“Acho que essa declaração é no sentido de que o Brasil precisa de uma reforma da Previdência e os poderes reconhecem isso. Não quer dizer que ele estaria empenhando o Judiciário a decidir de uma forma ou de outra em termos jurisdicionais”, disse Velloso ao HuffPost.

Após se reunir com representantes dos demais poderes na terça-feira (28), Toffoli afirmou que o pacto marcará um novo tempo no relacionamento entre os poderes.

“A assinatura desse compromisso mostra que os três Poderes estão imbuídos da necessidade de destravar o Brasil para retomar o crescimento e a geração de empregos. (…) É muito importante o consenso entre os Poderes para dar uma resposta a pontos prioritários, como as reformas da Previdência e tributária, a repactuação fiscal e federativa e o combate à criminalidade e corrupção”, disse o ministro.

Os ministros do STF, assim como Rodrigo Maia, foram alvo dos manifestantes pró-Bolsonaro nas manifestações do último domingo (26). Declarações e ações ambíguas de Bolsonaro nos últimos dias sugeriram que ele não estaria conseguindo governar por interferência dos demais poderes – o que foi um combustível para a revolta dos manifestantes.

‘Pacto pelo Brasil’

A expectativa é que o texto final seja assinado só na semana do dia 10 de junho. De acordo com apuração da Reuters, no entanto, a minuta do pacto redigida pela Casa Civil se sustenta em 5 pilares: reformas da Previdência e tributária, combate ao crime, desburocratização e repactuação federativa.

O rascunho traz um resumo genérico sobre cada tópico, que poderá ser melhor desenvolvido com auxílio dos presidentes dos três poderes. A Reuters informa ainda que o plano de governo de Bolsonaro está contido nos tópicos.

A intenção também é “dar mais autonomia a Estados e municípios para tomarem decisões sobre políticas públicas e investimentos sem necessidade de interferência do governo federal”, segundo a agência de notícias. O passo flerta com o slogan de campanha do presidente “Mais Brasil, menos Brasília”.

Há também a promessa de que o documento não será muito detalhado para não constranger o Legislativo e o Judiciário a não poderem criticar as propostas. A ponderação foi uma das condicionantes levantadas por Rodrigo Maia. Ele concordou em assinar o documento, desde que não seja tão específico.

Na terça, ele afirmou que só dará aval ao pacto após ouvir os líderes da Casa. Nesta quarta (29), ele demonstrou mais uma vez cautela em relação ao acordo. “Vamos ver o que posso assinar. Tenho que representar a maioria da Casa”, disse.

Também na quarta, sete partidos de oposição – PT, PSOL, PSB, PDT, PC do B, Rede e PCB – questionaram a participação de Toffoli e Maia no pacto.

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