Polícia Federal quer saber origem dos R$ 9,3 milhões da ex-mulher de Jair Bolsonaro

Com salário de R$ 8.100, Ana Cristina Valle, mãe de Jair Renan, o “zero quatro”, movimentou uma fortuna e comprou uma mansão de R$ 3,1 milhões em área nobre de Brasília

A Polícia Federal estava investigando Jair Renan, filho mais novo de Jair Bolsonaro, quando se deparou com um relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) dando conta de que a ex-mulher do presidente, Ana Cristina Valle, que cuida de Jair Renan, havia feito movimentações milionárias que chegaram à casa dos R$ 9,3 milhões. A informação foi publicada inicialmente pelo jornal “O Globo”.

Jair Renan, conhecido como “Zero Quatro”, levou empresários para participar de reuniões no governo federal. A defesa de Jair Renan sempre negou as acusações e alegava que não houve atuação indevida. Em seu relatório final, a PF descartou a ocorrência de irregularidades, mas decidiu pedir à Justiça a abertura de uma nova frente de apuração sobre a compra de uma mansão em Brasília por Ana Cristina, sua mãe.

LARANJA NA COMPRA DA MANSÃO

Ao solicitar a instauração do inquérito, a Polícia Federal apontou a suspeita de que Ana Cristina usou um laranja para contratar um financiamento bancário para adquirir uma mansão. “Há indícios de utilização de terceira pessoa interposta para obtenção de financiamento imobiliário. Tal conduta possui alcance típico de delito contra o sistema financeiro”, afirmaram os investigadores.

O contrato de financiamento da mansão, assinado por um corretor de imóveis, estabeleceu parcelas que variam entre R$ 14 mil e R$ 16 mil, a depender da taxa de juros aplicada. Uma das linhas de investigação que a PF quer aprofundar é quem está pagando esse empréstimo no valor total de R$ 2,3 milhões. O custo da dívida, segundo os investigadores, é “aparentemente incompatível com o exercício da função pública de assessora parlamentar”.

Movimentação incompatível com salário (reprodução)

Com um detalhe, o maior salário já recebido por Ana Cristina Valle em todo o período foi de R$ 8 mil, como secretária parlamentar. O Coaf classificou as movimentações, que chegaram neste valor no período que vai de 2019, quando Bolsonaro assumiu o governo, até 2022, de ‘atípicas’. O ano de 2022 foi o ano em que Ana Cristina, ao se candidatar a deputada distrital no DF, informou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que era dona de uma mansão avaliada em R$ 3,1 milhões numa área nobre de Brasília.

O documento do Coaf foi utilizado pela Polícia Federal para fundamentar um pedido à Justiça Federal para investigar uma transferência bancária realizada por Ana Cristina na compra da mansão de Brasília. Na avaliação da PF, a movimentação financeira da ex-mulher do presidente não é compatível com a sua fonte de renda na época. A 10ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal pediu uma manifestação do Ministério Público Federal sobre o caso.

SALÁRIO INCOMPATÍVEL

No período em que Ana Cristina movimentou os R$ 9,3 milhões, ela atuou como assessora do vereador Renan Marassi (PL), na Câmara Municipal de Resende, no Rio de Janeiro, com um salário de R$ 6.200, depois trabalhou como auxiliar parlamentar da deputada federal Celina Leão (PP-DF), desta vez em Brasília, e com salário líquido de R$ 8.100. Atualmente ela está licenciada do cargo para disputar a eleição.

Desses recursos movimentados pela ex-mulher de Bolsonaro, segundo análise da PF, a maior parte ocorreu entre junho de 2019 e junho de 2021, sendo registradas transações em sua conta bancária que somaram R$ 4,2 milhões em crédito (entrada) e R$ 4,3 milhões em débitos (saída).

De acordo com o relatório, as movimentações foram:

R$ 2,1 milhões de entrada e 2 milhões de saída no Banco do Brasil: junho de 2019 a junho de 2020

R$ 2,1 milhões de entrada e R$ 2,3 milhões de saída: junho de 2020 a junho de 2021

Crédito de R$ 602 mil

R$ 28 mil de entrada e R$ 32 mil de saída: janeiro de 2022

O relatório financeiro do Coaf também considerou atípico um cheque no valor de R$ 978 mil depositado na conta de Ana Cristina. O órgão citou ainda uma operação de crédito referente a um investimento de R$ 600 mil realizado pela advogada na bolsa de valores em outubro de 2020 e o resgate de R$ 300 mil de um plano de previdência. O documento, porém, não expõe detalhes das operações, pois não se trata de uma quebra de sigilo bancário, conforme entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

MUDANÇA DA VERSÃO

Diante desta nova descoberta, a Polícia Federal resolveu desmembrar as investigações com a abertura deste um novo inquérito para investigar as movimentações suspeitas. Ana Cristina e Jair Renan moram na mansão, em uma área nobre de Brasília, desde junho do ano passado. Inicialmente ela tinha informado que a mansão era alugada. Quando inscreveu sua candidatura este ano, Ana Cristina mudou a versão e declarou que era dona da mansão.

Ana Cristina Valle (reprodução)

Flagrada, a ex-mulher de Bolsonaro usou a mesma tática usada por Flávio Bolsonaro, outro filho de Jari Bolsonaro, acusado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro de ter desviado R$ 6 milhões da Assembleia Legislativa do estado. Os dois atacaram o Coaf. “O Coaf mentiu e praticou fraude”, disse ela, acrescentando que pedirá a abertura de investigação contra o órgão. “Não existe nada do que alegaram”, repetiu.

Ligado ao Banco Central, o Coaf recebe informações do mercado sobre transações financeiras consideradas atípicas como saque em espécie e movimentações superiores à renda declarada. Após processar esses dados, o órgão produz um relatório sem detalhar as operações. O documento pode ser compartilhado com autoridades como o Ministério Público e a Polícia Federal, responsáveis por investigar eventuais crimes e por pedir autorização à Justiça para obter a quebra de sigilo bancário.

Ana Cristina Valle está envolvida também no escândalo da compra de 107 imóveis por familiares de Bolsonaro desde que ele entrou para a política, sendo que deste total, 51 imóveis foram total ou parcialmente pagos em dinheiro vivo. O detalhamento das aquisições foi feito pelos repórteres Juliana Dal Piva e Thiago Herdy, do site UOL.

51 IMÓVEIS COM DINHEIRO VIVO

Ao se analisar cada um dos 51 imóveis comprados pelos bolsonaros nos últimos 30 anos os repórteres mostraram que foram usadas diversas formas de pagamento. Nas escrituras dos 51 imóveis onde houve pagamento em dinheiro vivo, há o registro de pagamento em moeda corrente “contada e achada certa.” Esta reportagem desmentiu a afirmação de Bolsonaro de que o termo “moeda corrente” não significavam dinheiro vivo.

Nas escrituras dos 51 imóveis, dos quais 17 foram investigadas pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, no escândalo das rachadinhas, há também registros de pagamentos em cheque ou transferência bancária. Inclusive quando estava moeda corrente era seguido de “devidamente contada e conferida”. Ou seja, as formas de pagamento eram especificadas, como exigem as normas imobiliárias.

Em entrevista no início de setembro, um ex-funcionário de Ana Cristina Valle afirmou que a advogada confidenciou a ele [Marcelo] que a primeira mansão onde o casal viveu, na Barra da Tijuca (RJ), entre 2002 e 2007, foi paga com “dinheiro por fora”.

“SEMPRE TEM DINHEIRO POR FORA, NÉ?”

Marcelo relatou que começou a trabalhar para Cristina e Bolsonaro na campanha de Flávio Bolsonaro para deputado estadual, em 2002, e depois foi convidado a permanecer trabalhando na nova mansão que o casal havia comprado. O imóvel que fica na rua Maurice Assuf, na zona oeste do Rio, foi comprado em 22 de novembro de 2002.

Ele contou que, ao limpar o escritório e organizar alguns papéis, viu a escritura da casa, por ocasião da mudança, e comentou com Cristina que se surpreendeu com o valor, dadas as características do imóvel. Marcelo afirma que então Cristina disse a ele: “É que sempre tem um por fora, né?”. “Quando ela comprou aquela casa da Barra, na época, por R$ 500 mil, na documentação. Só que foi mais. Que foi dado em dinheiro vivo, por trás”, contou o ex-funcionário.

Marcelo Nogueira fazia parte do núcleo de assessores de gabinete de Flávio Bolsonaro quando ele era deputado estadual, atuando como assessor entre 2003 e 2007. Era neste gabinete que funcionava o esquema de rachadinha, com funcionários fantasmas que devolviam parte do salário por fora para om deputado. Apesar de estar lotado no gabinete, o trabalho de Marcelo sempre foi gerenciar a mansão onde Ana Cristina vivia e cuidar do filho dela com Jair Bolsonaro, Jair Renan Bolsonaro.

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