SBPC se manifesta contra Nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental

Em carta aberta divulgada nesta terça-feira, 11 de maio, a entidade e seu Grupo de Trabalho em Meio Ambiente afirmam que o PL 3729/2004, em pauta para votação na Câmara, é “incompatível com a Constituição Federal e com a sustentabilidade ambiental presentes na legislação brasileira sobre licenciamento ambiental”.

Leia a carta na íntegra:

Carta aberta da SBPC e de seu Grupo de Trabalho Meio Ambiente sobre a Nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental (PL 3729/2004)

O licenciamento ambiental constitui uma ferramenta do poder público, fundamental na garantia e manutenção do controle ambiental de atividades potencialmente associadas a degradação ambiental e poluidoras. O art. 225 (§ 1º, inciso IV) da Constituição Federal Brasileira, dispõe que a seguridade a um ambiente ecologicamente equilibrado está associada a incumbência do poder público de exigir estudo prévio de impacto ambiental de qualquer atividade que, potencialmente possa causar degradação ambiental. Neste sentido, a Constituição Federal assegura o direito do cidadão a um ambiente equilibrado, visando qualidade ambiental através do balanço entre uso sustentável dos recursos naturais e proteção dos ecossistemas e biodiversidade.

Em um breve histórico, a Lei 6.938 (31 de agosto de 1981) estabeleceu o licenciamento ambiental como um dos instrumentos reguladores e instaladores de atividades potencialmente poluidoras. Em 1986, o CONAMA estabeleceu, através da Resolução 001, o conceito de impacto ambiental e a dependência de elaboração de um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). Em 1989, alterações na Lei 6.938 foram realizadas, sendo estas principalmente associadas a competência do CONAMA no estabelecimento de normatizações para licenciamento ambiental, concedidos pelos estados e sob a supervisão do IBAMA.

Em 1987 foi publicada a Resolução CONAMA 09, a qual “dispõe sobre a realização de Audiências Públicas no processo de licenciamento ambiental”. Ainda, em 1997 foi publicada a Resolução CONAMA 237, a qual estabelece diretrizes para o licenciamento ambiental no Brasil, instituindo metodologia, prazos, tipologias de empreendimentos sujeitas ao licenciamento ambiental e competências.

Em 1998 foi publicada a Lei Federal 9.605, conhecida como a Lei de Crimes Ambientais, que instituiu como crime ambiental a conduta de “construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes” (art. 60).

Após muitos anos, adveio a Lei Complementar 140/2011, que fixou competências e diretrizes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas. Assim, definiu-se as competências licenciatórias de cada ente federado, bem como as competências fiscalizatórias.

Este breve histórico reflete o avanço da legislação associada ao controle ambiental na análise de empreendimentos efetiva ou potencialmente impactantes, poluidores ou degradadores.

Nesse contexto, o recente substitutivo ao Projeto de Lei n3.729 (2004), em tramitação há 17 anos na Câmara dos Deputados e visa instituir a chamada “Lei Geral do Licenciamento Ambiental”, representa um retrocesso aos avanços e dispositivos legais presentes atualmente no processo de licenciamento, historicamente construídas e debatidas, cujo objetivo é a instalação de medidas prévias de análise de potenciais impactos, bem como adoção de medidas preventivas, mitigadoras ou compensatórias, quando aprovado mediante instalação dos processos estabelecidos em lei. Dentre os pontos de atenção e que são potencialmente negativos à sistemática do licenciamento ambiental nacional, temos:

  • Prazos exíguos para a correta análise, pela autoridade licenciadora, do caso concreto e da documentação apresentada pelo empreendedor, seja por falta de capital humano ou recursos financeiros;
  • Institucionalização de novo modelo de licença (licença por adesão e compromisso – LAC), que fragilizam o sistema de licenciamento ambiental, ao passo que dependem de prévio conhecimento que deverá ser produzido ou, caso já esteja produzido, deverá ser sistematizado e atualizado para ser proveitoso;
  • Fragilização da atuação das entidades/órgãos intervenientes, ao passo que a sua opinião e atuação não é vinculativa, apesar de terem competências e profissionais especializados que são diferentes na sua totalidade às do órgão licenciador (ex: FUNAI, IPHAN, Fundação Palmares, etc);
  • Modificação de prazos de validade de licença, inclusive sem tempo máximo de validade da Licença de Operação (LO), fato esse que dependerá da discricionariedade do órgão licenciador para definir o prazo de validade da LO. Ainda, há a possibilidade de se renovar automaticamente a LO a partir de declaração do empreendedor em formulário disponibilizado na internet que ateste estarem atendidas as medidas que descreve. Contudo, hoje não há no sistema de licenciamento ambiental a renovação automática, o que fragiliza em demasia todo o processo, pois a simples declaração é documento extremamente precário para atestar a regularidade da atividade;
  • Possibilidades diferenciadas de correção de atividades que operam sem licença, inclusive com a extinção da punibilidade do crime previsto no art. 60 da Lei de Crimes Ambientais. Se extinguir a punibilidade do art. 60 da Lei de Crimes Ambientais é uma “anistia” a quem desenvolveu atividade ilegalmente. É um perdão, aval para se fazer o ilícito com vistas de que sobrevenha alguma solução que abone a atividade delitiva;
  • No substitutivo consta como tipologia da atividade ou empreendimento o produto da relação entre natureza do empreendimento ou atividade com o seu porte e potencial poluidor. Contudo, não está claro o que se considera “potencial poluidor”. E o potencial degradador? E os impactos negativos? A Resolução CONAMA 237 traz tipologia, sem ser por porte ou potencial poluidor. Igualmente a LC 140/2011 e o seu regulamento (Decreto 8437) trazem, na sua maioria, tipologias ou possibilidades sem definir o potencial poluidor ou porte. Ainda, importante ressaltar que poluição e degradação são graus diferentes de impacto negativo. Não há, também, prazo para que essas tipologias sejam definidas pelos entes federativos;
  • Há previsão no substitutivo de que, além das figuras de licença constantes no PL, os entes federados possam definir outras licenças, o que pode gerar uma verdadeira “guerra fiscal” e fragilização do licenciamento ambiental, vez que o atrativo econômico pode gerar maior abertura para facilitação de atividades econômicas em estados e municípios;
  • É trazida a possibilidade de se liberar a operação de um empreendimento antes da obtenção da LO, referindo-se ao sistema bifásico de licença, sem, contudo, se explicitar se seria LP/LI ou LI/LO. Consta que esse procedimento pode ser liberado para estruturas tão impactantes e estratégicas como minerodutos, gasodutos, oleodutos e transporte rodoviário;
  • Retirada a possibilidade de suspensão/cancelamento de licença por “Violação ou inadequação de quaisquer condicionantes ou normas legais” (art. 19, I, Res. CONAMA 237/97);
  • Dispensa o licenciamento ambiental da emissão da certidão de uso, parcelamento e ocupação do solo urbano emitida pelos municípios, bem como de autorizações e outorgas de órgãos não integrantes do Sisnama. Contudo, e se houver necessidade de lançamento de efluentes em corpo hídrico? E na necessidade de desenvolvimento da mineração em área ambientalmente sensível? Não seria mais eficiente se solicitar primeiramente a obtenção das autorizações/outorgas antes da análise técnica no licenciamento ambiental? Como se viabiliza empreendimento sem se atestar o uso e ocupação do solo e tampouco adequação à outros requisitos para desenvolvimento da atividade?
  • Está disposta a possibilidade da autoridade licenciadora aceitar um mesmo estudo ambiental para diversos empreendimentos na mesma região. Contudo, o que se entende por “mesma área de estudo”? Seria região? Seria propriedade? Como seria possível, por exemplo, se ter estudo ambiental conjunto para mineração, hidrelétrica e atividade agropecuária numa mesma área de estudo?
  • Quanto à realização de audiências públicas, consta que para a realização de mais de uma audiência pública deverá haver decisão da autoridade licenciadora. No entanto, tal dispositivo contraria a Resolução CONAMA 09/87, que prevê: “Sempre que julgar necessário, ou quando for solicitado por entidade civil, pelo Ministério Público, ou por 50 (cinqüenta) ou mais cidadãos, o Órgão de Meio Ambiente promoverá a realização de audiência pública”;
  • Estabelece que será solicitada a manifestação das entidades intervenientes quando na AID da atividade ou empreendimento existir: a) terras indígenas demarcadas; b) área que tenha sido objeto de portaria de interdição em razão da localização de índios isolados; ou c) áreas tituladas a remanescentes das comunidades dos quilombos. E as Terras Indígenas em processo de demarcação? E as áreas de quilombos que não foram tituladas mas que constituem locais de quilombos tradicionalmente instituídos?
  • Revoga o § 2º do art. 6º da Lei nº 7.661, de 16 de maio de 1988, que dispõe sobre a obrigatoriedade de EIA/RIMA para licenciamentos referentes a parcelamento e remembramento do solo, construção, instalação, funcionamento e ampliação de atividades, com alterações das características naturais da Zona Costeira. Especialmente grave, inclusive pelos recentes movimentos em se diminuir a proteção de restingas e mangues, conforme 135ª Reunião do CONAMA. Fora isso, é sabido que os ecossistemas costeiros são um dos mais atingidos pelas atividades humanas e, inclusive, mudanças climáticas, devendo ser preservados e protegidos.

Acrescente-se aos apontamentos acima a ausência de transparência na condução e discussão do PL n3.729 (2004) bem como a inconstitucionalidade de tais medidas que visam, sobretudo assegurar a manutenção da sustentabilidade e equilíbrio dos ecossistemas brasileiros, como determina a Constituição Federal.

Atualmente, o processo de licenciamento ambiental contempla licença prévia, licença de instalação e de operação, constituindo-se em um processo cujo objetivo é avaliar os potenciais impactos presentes na proposta. Neste sentido, o PL 3729/2004 ao indicar aceleração do processo de emissão não prevê a situação de precariedade dos órgãos em relação a recursos extremamente reduzidos em relação ao orçamento bem como contingente de profissionais reduzido. Ademais, o processo de análise é imprescindível condição para que licenças sejam liberadas a partir de uma seguridade de operação sem danos ambientais.

Ressalta-se que, entre os elementos dispostos no documento, destaca-se a ausência da previsibilidade de dispositivos associados a mitigação as mudanças climáticas, estritamente dependente da manutenção de cobertura florestal nativa, integridade de ecossistemas e biodiversidade. Outro elemento não contemplado e presente na Política Nacional de Meio Ambiente é o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) e de instrumentos que assegurem o desenvolvimento sustentável.

Associa-se a isto, a dispensa de licenciamento para diversas atividades e empreendimentos potencialmente causadores de impactos ambientais, conforme previsto amplamente na legislação. Entre estes, o Art. 9a preconiza que atividades agropecuárias, tais como pecuária intensiva e semi-intensiva bem como cultivo de espécies de interesse agrícola não estão sujeitos a licenciamento ambiental (Art. 9º; Art. 16o). Entre atividades não sujeitas ao licenciamento, estações de tratamento de água e de esgoto sanitário, obras de dragagens de manutenção, usinas de triagem de resíduos sólidos entre outras atividades com alto potencial de impacto e poluição de recursos hídricos, solos e paisagens associadas (Art. 8º). Entre estes salienta-se a gravidade da ausência de outorga de uso de recursos hídricos para o lançamento do efluente tratado, considerada de alto risco devido aos danos ambientais associados a poluição de recursos hídricos e aos riscos de aumento de doenças de veiculação hídrica.

O documento também prevê a extinção da responsabilidade de instituições financeiras por danos ambientais (Art. 54o).

Pelo presente, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, por meio de seu Grupo de Trabalho em Meio Ambiente, manifesta-se contrária a presente redação do Projeto de Lei 3729/2004, por ser incompatível com a Constituição Federal e com a sustentabilidade ambiental presentes na legislação brasileira sobre licenciamento ambiental.

SBPC

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