Sem controle da pandemia, escolas devem permanecer fechadas e preparar volta segura, dizem especialistas de saúde e educação

Escolas devem colaborar com a assistência social em esforço intersetorial coordenado

Em cenário de descontrole da pandemia de COVID-19, ainda sem redução sustentada do número de casos e óbitos na maioria dos estados brasileiros, especialistas da saúde e da educação afirmam que, neste momento, não é possível um retorno seguro às aulas.

“Há uma demanda crescente por políticas de proteção social de nossas crianças e adolescentes, já que muitas estão em situação de vulnerabilidade e expostas a violências de diversas naturezas, que se agravaram nestes 200 dias depois do decreto de pandemia. Assim, a pressão pela reabertura das escolas acontece também por preocupações com a falta de atendimento assistencial a essa população. Não podemos, no entanto, com o intuito de solucionar estes problemas, voltar às atividades presenciais, porque estaremos criando outro problema, de novas ondas de contaminações e mortes”, analisa Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que trouxe a questão em live da Campanha nesta segunda-feira (21).

“Em termos concretos, primeiro precisamos controlar a pandemia e, segundo, ter políticas de assistência social. A educação pode colaborar com a assistência social sem o retorno seguro às aulas. Colaborar articulando soluções com profissionais e fazendo mapeamento de estudantes, porque os professores sabem quem são seus estudantes. E isso pode ser feito sem a reabertura das escolas”, afirmou Daniel Cara, professor da FE/USP e dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que participou do debate.

“Todos nós estamos preocupados com o serviço prestado da educação. A educação não pode se eximir do seu serviço de proteção social, e isso é parte do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Porém, isso precisa ser articulado com a assistência social, e não é política educacional essencialmente, não é do processo de ensino-aprendizado.”

Além de Daniel e Andressa, participaram da live Ananias Oliveira, analista de dados; Mariana Varella, jornalista de saúde, e Sara Santana, professora e presidenta do CME (Conselho Municipal de Educação) de Guarulhos.

Mariana Varella, editora-chefe do Portal Drauzio Varella, reforça o fato de que é preciso rastreamento de contatos de infectados antes de qualquer retorno às aulas. Ela se baseia em documentos de controle de pandemia como o da CDC (órgão equivalente à Anvisa dos Estados Unidos). Não há uma taxa significativa de testes feitos no Brasil e o rastreamento de contatos não existe de forma coordenada.

“Os números de casos novos dizem muito pouco pra gente. Podem ser de um mês atrás, a gente não sabe”, diz ela.

“As crianças que estão mais vulneráveis agora por conta do fechamento das escolas, também vão ficar mais vulneráveis com uma reabertura mal feita. São elas que vão ficar mais doentes, são elas que vão levar o vírus pra casa, são elas que têm uma situação mais precária do que as crianças de escola particular”, alerta.

“Não podemos deixar de falar do risco que é uma abertura mal feita, de a gente retroceder na pandemia e, em alguns dias, ter que fechar tudo de novo com muito mais gente doente em hospitais.”

Esforço intersetorial

A diretora do Sindicato de Servidores Municipais de Guarulhos, Sara Santana, falando do ponto de vista de professoras e professores, conta que no contexto da cidade paulista há um grupo de trabalho – composto pela rede municipal de educação, Conselho Tutelar, órgãos de assistência social e a Secretaria Municipal de Saúde – que articula medidas junto a comitês de cada comunidade escolar.

A articulação do grupo com os comitês são para o “planejamento do possível retorno, para quando a escola puder ser aberta”, afirma Sara Santana.

“O grupo de trabalho deve pensar o que é o retorno seguro, quais são os protocolos e medidas que a gente precisa organizar para que todas as escolas – tanto públicas quanto privadas – possam receber as crianças. A gente tem que pensar na ação pedagógica, no acolhimento e garantir uma formação continuada para que o professor seja acolhido e possa acolher. Sempre com garantia sanitária para todos.”

A interlocução coordenada entre o grupo de trabalho maior e os comitês locais são essenciais para construir protocolos com o mínimo para a preparação da volta às aulas.

O esforço intersetorial é uma recomendações feitas pelo Guia COVID-19 – Reabertura das Escolas, produzido em junho pela Campanha.

Sara Santana ressalta que o financiamento do governo federal é fundamental para essa articulação ocorrer.

Rastreamento

Ananias Oliveira, também pesquisador do projeto Rede Análise COVID-19, salienta que, sem rastreamento de contatos dos infectados – como está sendo feito em todos os países que reabriram as escolas – não é possível voltar às aulas.

“Não há como pensar a escola fora da pandemia. Sem o controle da pandemia não há segurança, mesmo se as escolas tenham super protocolos. Não existe protocolo único em uma pandemia descontrolada”, afirma Oliveira. Ele lembra que se há queda no número de infectados e óbitos em alguns estados, a queda pode ser momentânea, como no caso do Rio de Janeiro em que houve redução e posterior aumento de infectados.

“Já abriu bar? Um erro não elimina o outro. Erros são cumulativos. 16% das escolas no Brasil não tem pia, não tem nada. 50% não tem esgoto. Voltar é açodamento, é perigoso. Precisamos abrir as escolas, mas abrir com segurança”, diz.

Ele diz que protocolos que apenas pedem às escolas que informem dados da pessoa infectada – seja aluno ou profissional da educação – e recomendem ficar em casa são ineficientes, pois não se sabe com quem essa pessoa teve contato fora do ambiente escolar. O traslado feito por alunos e professores à escola, e até de familiares que precisam sair para trabalhar de uma cidade a outra, dificultam o controle e demandam rastreamento e monitoramento de contatos.

Documento da FioCruz sobre a volta às aulas detalha, entre outras recomendações, orientações sobre o rastreamento por sintomas “para reduzir os riscos de surtos” nas escolas.

Escola para todos

Mesmo com a maioria dos brasileiros considerando o retorno às aulas presenciais uma medida indesejada no meio da pandemia, há especialistas que consideram a possibilidade de um retorno de uma parte mais vulnerável dos estudantes às aulas presenciais.

Daniel Cara descarta essa hipótese argumentando que, de acordo com gestores do SUS contatados por ele, esse retorno não é possível em termos de saúde pública. “E, em termos educacionais, isso é um absurdo. Não dá para selecionar aluno. Se criar qualquer tipo de critério de seleção, esse critério vai ser enviesado”, ele enfatiza.

“Para compreender o problema da educação, é preciso conhecer concretamente de pedagogia e da realidade das escolas públicas.”

Campanha

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