Senado reforça investida de Bolsonaro contra trabalhadores

No dia em que o Brasil somou 923.189 infectados por coronavírus e 45.000 devido à pandemia, o Senado autorizou o governo a prorrogar a suspensão de contratos de trabalho e a redução de jornadas e salários até o fim do ano. Foram 75 votos favoráveis e nenhum contrário. O senador Paulo Rocha (PT-PA) pediu a retirada de artigos que prejudicam os trabalhadores, como a mudança definitiva da jornada de trabalho de diversas categorias, a exemplo dos bancários.

A MP 936/2020 foi assinada por Bolsonaro em abril e atende aos interesses patronais a pretexto de fazer frente à crise econômica agravada com a pandemia da COVID-19. Mais 1,2 milhão de pessoas perderam emprego no Brasil nos últimos três meses. Metade das pessoas que trabalham com carteira assinada sofreram redução de salário, o que concretamente significa aumentar o endividamento das famílias brasileiras, que já estava, em 2019, no patamar de 66%. Até esta terça-feira, 16, de acordo com o Ministério da Economia, pelo menos 10,693 milhões de acordos entre funcionários e empregadores foram assinados nos moldes da MP.

O texto original da MP autorizava a suspensão de contratos por até 60 dias e a redução de jornada, por até 90 dias. Com as mudanças no Senado, as empresas poderão estender o período de suspensão ou redução. As empresas querem a prorrogação para continuar com os contratos suspensos por mais um período a partir de julho.

A medida permite redução de jornada em 25%, 50% ou 70%, com um corte proporcional no salário, por até três meses. Também é possível suspender o contrato por até dois meses. O governo estabeleceu uma compensação depositando valores diretamente na conta dos trabalhadores que podem chegar a 100% do seguro-desemprego, dependendo do nível salarial.

Se o empregado tiver três meses de salário reduzido, a empresa terá de pagar multas maiores em caso de demissão sem justa causa durante um período de seis meses – o dobro do tempo de duração da redução na jornada. O acordo pode ser fechado individualmente com cada funcionário.

O Senado retirou alguns trechos incluídos pela Câmara na medida provisória, entre eles aqueles que traziam alterações permanentes na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Entre os pontos impugnados estão alterações na jornada de trabalho dos bancários e no cálculo de variação das dívidas trabalhistas na Justiça.

MP 927 continua em pauta

Na Câmara, foi adia para esta quarta-feira, 17, a análise da Medida Provisória 927/20, que altera regras trabalhistas durante a pandemia de Covid-19, também a pretexto de evitar demissões. A medida reduz salários, favorece o teletrabalho, antecipa férias e feriados, concede férias coletivas, entre outras ações. Durante a discussão desta terça-feira, a oposição resolveu obstruir a matéria, forçando o adiamento para a manhã seguinte.

O principal item criticado por parlamentares comprometidos com os interesses dos trabalhadores foi a negociação direta entre patrão e empregado. O líder do PSB, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), não concorda com essa mudança. “Divergimos totalmente desse ponto que nos é muito caro”, disse.

Para a líder do PSOL, Fernanda Melchionna (RS), a medida “convalida atos, desde fevereiro, feitos pelos patrões. É um cheque em branco do capital sobre o trabalho. O que nós estamos vendo aqui é a flexibilização”, criticou. Glauber Braga (PSOL-RJ) disse que a negociação individual é uma imposição, já que trabalhador e empregador não estão em pé de igualdade na discussão.

Arlindo Chinaglia (PT-SP), destacou a inconstitucionalidade de dois pontos da MP 927: sobre a contaminação do empregado por coronavírus e a limitação ao trabalho de auditores fiscais do trabalho. “Essa MP vai colocar nas costas dos trabalhadores os custos da pandemia”, denunciou.

O relator da MP, deputado Celso Maldaner (MDB-SC), defende o texto argumentando com o posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF), contrário aos interesses trabalhistas: “O pleno do STF, por maioria, considerou constitucional a parte que autoriza a suspensão do contrato de trabalho ou a redução da jornada de trabalho e, consequentemente, do salário por meio de acordo individual, independentemente de concordância sindical, durante o período da pandemia do coronavírus”, afirmou.

As regras valem para empregados contratados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), contratos temporários urbanos e contratos do meio rural. Também valem para os empregados domésticos em relação a bancos de horas, férias e jornada.

O texto do relator inclui algumas emendas apresentadas pelos parlamentares, como a permissão do desconto de férias antecipadas e usufruídas das verbas rescisórias no caso de pedido de demissão se o período de aquisição não tenha sido cumprido pelo trabalhador. Retira a necessidade de concordância por escrito do empregado na antecipação dos feriados religiosos. Permite a compensação de horas acumuladas em banco de horas também nos fins de semana, seguindo-se as regras da CLT, que condiciona isso à autorização da autoridade trabalhista.

Um mal em si

Segundo Valdete Souto Severo, juíza do Trabalho e presidenta da Associação Juízes para a Democracia (AJD), “nenhuma dessas MPs prevê proteção maior a quem atua na área da saúde, proíbe despedidas ou faz transferência de renda digna para quem vive do trabalho e para quem emprega. Portanto, as MPs 927 e 936, com suas redações originais, não enfrentam a crise sanitária. São um mal em si. Retratam uma lógica de exploração da força de trabalho, em parâmetros desconectados daqueles fixados na ordem constitucional de 1988. Ainda assim, são prioridades em nosso parlamento”.

Ela denuncia: “Tanto no texto da MP 927, quanto naquele da MP 936, foram enxertados novos dispositivos. Essas inserções atendem claramente interesses de um setor específico da economia: o dos donos de instituições financeiras, cujos critérios de correção e juros são bem diversos daqueles pretendidos para a Justiça do Trabalho. Instituições que, enquanto pequenos empreendedores quebravam e as famílias brasileiras perdiam capacidade de consumo, lucraram 18% a mais em 2019 (em relação ao ano anterior), somando R$ 81,5 bilhões e que se ressentem de uma perda, em 2020, de 28% nesses lucros, pois nos primeiros meses deste ano, enquanto trabalhadoras e trabalhadores estavam sem renda alguma ou com seus salários reduzidos, lucraram ‘apenas’ R$ 16,8 bilhões”.

Carlos Pompe

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