Sinpro/Caxias: Maesa para quem?

Especialistas denunciam que o atual projeto tem nuances de privatização e defendem a ampliação dos debates sobre o uso do espaço

Nestes primeiros meses de 2023, Caxias do Sul vive um dilema que é, de certa maneira, definidor de seu futuro: Que cidade queremos?

Trata-se da definição sobre o formato de ocupação do Complexo da Maesa.

Sendo um sindicato que se aproxima dos 40 anos de história, sempre mobilizado com as questões que impactam a educação ou que são impactadas por ela, o Sinpro/Caxias decidiu ouvir a opinião de alguns professores que se envolveram mais diretamente com o tema da Maesa, para ajudar a sociedade a refletir sobre o papel desse espaço.

Nuances de privatização

O professor de História da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Ramon Tisott, acompanhou de perto o processo de conquista da Maesa, descrito no final dessa matéria. Já era familiarizado com o tema, pois em seu mestrado e doutorado estudou sobre os operários da fábrica. Hoje, é uma das vozes que se levantam sobre a proposta de ocupação do complexo que a atual gestão municipal vem apresentando nas audiências públicas.

“Este projeto está na contramão do movimento que conquistou a doação porque transforma a Maesa num centro comercial, num shopping, mantendo apenas um pequeno espaço para a cultura, o que é insuficiente para cumprir a lei. Além disto, a própria prefeitura vai ter que pagar aluguel pelo espaço que abrigar as secretarias. A Maesa precisa promover a cidadania e não ter seu uso contemplado para atender os interesses uma classe (mercado) que já tem suas necessidades atendidas”, afirma.

O historiador questiona: “o governo municipal criou a secretaria de Parcerias Estratégicas para buscar alternativas de financiamentos. Que outras parcerias foram buscadas? Além da iniciativa privada, foi consultado o interesse do Sesc, Senai? Foi buscado financiamento no BNDES, em fundos internacionais de incentivo à cultura?” Para Tisott, é necessário mais tempo de debate sobre este projeto para não haver uma espécie de “privatização” da Maesa.

Memória coletiva

O também professor de História da UCS, Anthony Beux Tessari, destaca o valor de Memória Coletiva que a Maesa representa: “muitas famílias tiveram um membro ou mais trabalhando na Eberle” (A Maesa era a fábrica 2 da Metalúrgica Abramo Eberle). Ele concorda que o período de consulta seja o mais democrático possível para que as organizações debatam devidamente o tema, com o envolvimento dos ex-trabalhadores do local.

Segundo ele, o melhor cenário para o local é o uso que atenda às expectativas da comunidade e que privilegie a memória do trabalhador. Tessari aponta “a necessidade da preservação dos prédios com significado histórico, o restauro bem feito, a documentação desse processo e a educação patrimonial para que a população se aproprie e defenda os valores históricos e culturais da Maesa”. Para saber mais, acesse o site Educa Maesa, elaborado por seus alunos de Estágio IV em História.

Projetos elitistas

A arquiteta Ana Elísia da Costa, ex-UCS e atualmente professora da Faculdade de Arquitetura UFRGS e do programa de pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFPel, fez sua dissertação de mestrado sobre a arquitetura industrial de Caxias do Sul, na qual destaca o caráter de excepcionalidade da Maesa.

“É uma das poucas edificações industriais de Caxias que assume uma feição de arquitetura manchesteriana, feita com tijolos à vista. Além disso, suas dimensões físicas e simbólicas são muito importantes. Ela envolve quase uma quadra, o que impacta o tecido urbano; e ela é lugar de memórias, decorrentes das relações e dos vínculos que as pessoas tiveram com aquele lugar como espaço de trabalho e de vida”, destaca.

No seminário sobre a Maesa que participou em 2015, a arquiteta já apontava sobre o perigo de um projeto que viesse de cima para baixo. “É tática do planejamento urbano pelo mundo afora converter os edifícios em centros culturais, parques de lazer, de consumo e de turismo muito dedicados a um público que tem poder aquisitivo e que acaba excluindo o resto da população de vivenciar e usufruir destes espaços. E mais. Revitalizações com este caráter cultural elitista acabam gerando processos de gentrificação, expulsando as populações e comércios do entorno que ficam sujeitas ao jogo do mercado de capitais e da especulação imobiliária”, conclui.

A conquista da Maesa

A MAESA É NOSSA – A doação do Complexo da Maesa para o município de Caxias do Sul foi resultado de uma forte mobilização dos mais diferentes setores da comunidade, que se conformou num amplo movimento que ficou conhecido como “A Maesa é Nossa”.

DOAÇÃO PARA FINALIDADE CULTURAL – Em 8 de dezembro de 2014, o então governador Tarso Genro assinou a doação do imóvel de 53 mil metros quadrados com a ressalva: “destinado a uso público especial com finalidade cultural”. O assunto virou tema uníssono na sociedade, que passou a pensar, discutir e propor soluções.

AMPLA DISCUSSÃO SOBRE O USO DO ESPAÇO – Sob a coordenação da então Secretária de Cultura, Rubia Frizzo, foi formada uma comissão representativa e realizadas várias audiências públicas com participação ampla para angariar novas contribuições. Grupos da terceira idade, grupos culturais, estudantes, professores, empresários, arquitetos, agrônomos, associações de moradores, historiadores, vereadores e poder público, entre outros, colaboraram para ampliar as reflexões sobre o uso daquele espaço privilegiado.

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Reprodução/Sinpro/RS

SEMINÁRIO COM ESPECIALISTAS  – Em 2015, foi realizado o Seminário “Maesa – Conservação, Restauro e Uso”, com a participação do arquiteto paulista Marcelo Ferraz, que trabalhou juntamente com a consagrada Lina Bo Bardi na concepção do restauro do Sesc Pompeia, projeto que se tornou referência mundial. Palestraram também no seminário os arquitetos doutores na área de conservação do patrimônio, Luiz Antônio Custódio e Ana Elísia da Costa.

PROJETO DEMOCRÁTICO – Em novembro do mesmo ano, o projeto base elaborado pela comissão – “Intervenção: Recuperação, Ocupação, Uso e Gestão da Maesa” foi entregue ao governo do Estado e posteriormente apresentado na CIC, CDL e em eventos abertos à comunidade.

TOMBAMENTO – Em 2016 foi finalizado otombamento da área, mas a implementação do projeto acabou ralentando nos governos posteriores.

SAÍDA DA VOGES – Nos anos de 2017-2018-2019 houve a transferência do Divisão deProteção ao Patrimônio Histórico e Culturalpara a sede da Mesa.  É consolidada a saída da Voges dos prédios da Maesa.

PROJETOS – Em 2020, a Prefeitura Municipal elaborou vários projetos para a ocupação da Maesa, envolvendo a transferência de secretarias municipais para o espaço, implementação de Mercado Público, ciclovias, estacionamento de ônibus de turismo, entre outros.

FEIRA MAESA CULTURAL – Em 2022, a União das Associações de Bairro criou a Feira Maesa Cultural, que passa a ocorrer uma vez por mês na rua Plácido de Castro e agora integra o calendário de eventos do município.

MAESA 2023 – O atual governo municipal está apresentando (e defendendo) um projeto de ocupação do Complexo da Maesa por meio de parceria público-privada em audiências públicas. A primeira foi realizada em 29 de março pela Câmara Municipal de Vereadores, a próxima será em 25 de abril, convocadas diretamente pela Prefeitura. Ao mesmo tempo, está aberta até 28 de abril, no site da Prefeitura, consulta pública sobre o assunto. Porém, diversos setores da sociedade envolvidos no processo de “conquista” e debate sobre a ocupação da Maesa nos anos anteriores questionam o projeto e o processo e estão convocando outra audiência, para o dia 18 de abril, na Câmara de Vereadores, às 18h30.

PARA SABER MAIS SOBRE A MAESA

Do Sinpro/Caxias

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