Sinpro-Sorocaba: Negações e banalizações no Dia Mundial do Combate à Injustiça

Hoje, 23 de agosto, é o Dia Mundial do Combate à Injustiça. O termo injustiça é demasiadamente amplo e abarca um universo de práticas, situações e significados. No Brasil, a injustiça é algo embrenhado em todo seu percurso histórico. Trata-se da formação de um país em que a injustiça sempre fora admitida como prática banal e corriqueira. E isso é a expressão maior de uma nação com um nítido passado colonial não superado.

Se formos traçar um panorama histórico da injustiça no Brasil, isso coloca os indígenas e os colonizadores portugueses como os primeiros protagonistas dessa fatídica história. Quando o poeta romântico Gonçalves Dias descreveu a bravura indígena, fê-lo, dentre tantos versos, através daqueles que narrou a história de I-Juca Pirama, cujo nome significa “aquele que merece morrer”. O poema começa com o verso “Meu canto de morte, guerreiros ouvi”. Uma ideia de morte diferente daquela que culturalmente conhecemos. A morte aqui era a justiça dada aos bravos e valentes. Mas aquela que os indígenas, donos das terras tropicais que mais tarde veio a se chamar Brasil, conheceram foi bem diferente. Não estava ligada à confirmação da bravura de um guerreiro, mas a uma injustiça trazida da Europa em que a usurpação de terras e assassinatos passou a ditar o “modus operandi” do novo cotidiano criado pelo invasor europeu.

Uma vez usurpadas as novas terras, colonizá-las passou a ser um projeto mercantilista em que metrópole e colônia estabeleciam relações comerciais. A colônia vendendo açúcar e a metrópole vendendo seres humanos escravizados. Essa, por certo, foi uma das injustiças que mais deixou marcas que avançou pelos séculos. Os mais de trezentos anos de escravidão dos africanos e seus descendentes, no Brasil, foi um dos mais graves atos de injustiça ocorridos e que deixou feridas que parecem insuperáveis no cotidiano do país. Sente-se seu legado até os dias atuais. As diferenças sociais entre brancos e negros dá o tom melancólico de uma história que parece não ter fim.

No entanto, tudo parece fazer parte de uma grande retórica de negação. Nega-se que os indígenas foram expropriados e massacrados e nega-se o racismo corrente no cotidiano brasileiro. Negar a injustiça é uma prática bastante brasileira. Certamente, não foi aqui que se deu a invenção da injustiça, mas a sua negação hipócrita é praticamente um monumento nacional. O historiador britânico Eric Hobsbawn, em sua Era dos Extremos, afirmou que o Brasil é o monumento mundial das desigualdades humanas. Mas parece que é também da negação de que tais desigualdades e injustiças existem. Hoje, governamentalmente, nega-se muito das injustiças brasileiras. Nega-se que existe racismo, nega-se que os indígenas são alvos de grileiros, ruralistas e garimpeiros, nega-se até mesmo que existem pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza e, dessa forma, passam fome. Quanto a essa última negação, chega-se a justificá-la afirmando que há muitos pés de manga espalhados pelo país. Um simples esticar de mãos e a fome não existe. O atual governo decretou o fim do que eles, com certo humor mórbido, chamam de “coitadismo”. Além das negações das injustiças parece que se negam também a inteligência e a boa fé das pessoas.

Além de negar as injustiças, também se banalizam essas. Fazer menção à ideia de banalização do mal de Hannah Arendt é inevitável. A filósofa política alemã chama a atenção para a prática do mal desvinculada de uma atitude de criticidade. O vazio da crítica leva o praticante do mal a um vazio de responsabilidade. Ele não se sente responsável pelo mal e pela injustiça que pratica ou que consente. Abre-se, portanto, o vazio da capacidade de julgamento. Naturaliza-se o mal e a injustiça e conforma-se facilmente com a vazia ideia de que “tudo é assim mesmo”. Então o mal e a injustiça explodem em forma de violência banalizada contra negros, indígenas, pobres, mulheres, homossexuais, desempregados, idosos, crianças, animais e os aparatos racionais de preservação ambiental. Tudo é banalizado e atualmente tal banalização parece que se tornou projeto governamental aplaudido por muitos. Talvez o Brasil esteja se esforçando para também ser o monumento mundial da banalização do mal e da injustiça.

Do Sinpro-Sorocaba

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