STF analisa a constitucionalidade da contribuição assistencial sindical

Por Raimundo Simão de Melo*

Sobre a chamada “contribuição assistencial”, o Supremo Tribunal Federal (STF) fixou, em 2017, a seguinte tese: “É inconstitucional a instituição, por acordo, convenção coletiva ou sentença normativa, de contribuições que se imponham compulsoriamente a empregados da categoria não sindicalizados” (STF, Pleno, RG-ARE 1.018.459/PR, relator: ministro Gilmar Mendes, j. 23.02.2017, DJe 10.03.2017).

Entretanto, seis anos depois, no mesmo processo, apreciando recurso de embargos de declaração, após voto-vista do ministro Roberto Barroso e dos votos de outros ministros, o relator ministro Gilmar Mendes acolheu referido recurso, com efeitos infringentes, para admitir a cobrança da contribuição assistencial, inclusive dos trabalhadores não filiados (leia-se: não associados), assegurando ao trabalhador o direito de oposição, fixando a seguinte tese (Tema 935 da Repercussão Geral): “É constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição” (STF, Pleno, sessão virtual de 14/4/2023 a 24/4/2023). O julgamento não terminou, em razão do pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes.

Em resumo, a fundamentação do ministro Luís Roberto Barroso, para dar efeito modificativo à decisão supra, foi de que as contribuições assistenciais não se confundem com a contribuição sindical (também conhecida como “imposto sindical”), cuja cobrança deixou de ser obrigatória a partir da reforma trabalhista de 2017; que a cobrança das contribuições assistenciais está prevista na CLT desde 1946, ao contrário da contribuição (ou “imposto”) sindical; que a arrecadação das contribuições assistenciais só pode ocorrer para financiar atuações específicas dos sindicatos em negociações coletivas; que, como a jurisprudência do STF, construída ao longo dos últimos anos, passou a conferir maior poder de negociação aos sindicatos, identificou-se uma contradição entre prestigiar a negociação coletiva e, ao mesmo tempo, esvaziar a possibilidade de sua realização, ao impedir que os sindicatos recebam por uma atuação efetiva em favor da categoria profissional; que, por esse motivo, no seu novo voto permite-se a cobrança das contribuições assistenciais previstas em acordo ou convenção coletiva de trabalho, assegurado ao trabalhador o direito de se opor ao desconto, tratando-se de solução intermediária, que prestigia a liberdade sindical e, ao mesmo tempo, garante aos sindicatos alguma forma de financiamento.

No seu voto, o ministro relator Gilmar Mendes fundamentou-se em “significativas alterações das premissas fáticas e jurídicas sobre as quais assentei o voto inicial que proferi nestes embargos de declaração, sobretudo em razão das mudanças promovidas pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) sobre a forma de custeio das atividades sindicais. … Havendo real perigo de enfraquecimento do sistema sindical como um todo, entendo que a mudança de tais premissas e a realidade fática constatada a partir de tais alterações normativas acabam por demonstrar a necessidade de evolução do entendimento anteriormente firmado por esta Corte sobre a matéria, de forma a alinhá-lo com os ditames da Constituição Federal. … garantindo assim o financiamento das atividades sindicais destinadas a todos os trabalhadores envolvidos em negociações dessa natureza. … Além disso, a solução apresentada prestigia a liberdade de associação do empregado — tão cara a esta Corte —, garantindo-lhe o direito de oposição a essa cobrança, como solução alternativa”.

Depois desse novo posicionamento do STF, muitos têm sido os questionamentos e críticas de parte da imprensa e de alguns articulistas, dizendo que essa mudança de entendimento da Corte Suprema resulta em retrocesso, em termos de evolução da proteção da liberdade sindical. Outros dizem que a decisão volta com a contribuição sindical (“Imposto sindical está de volta, agora com outro nome”, “STF pode aprovar novo imposto sindical com outro nome”, “STF sinaliza aval ao novo imposto sindical”).

Com o devido respeito, essas razões são, no mínimo, equivocadas. Parece, pelo seu conteúdo, que se ignora ou se desconhece o conceito e alcance princípio da liberdade sindical, servindo para confundir os empregados, empregadores e a opinião pública.

Em primeiro lugar, nada tem a ver essa contribuição assistencial com a antiga contribuição sindical compulsória. Não é questão de simplesmente mudar de nome. A antiga contribuição sindical era compulsória por lei, devida por todos os trabalhadores e empregadores aos respectivos sindicatos, uma vez por ano. Diferentemente ocorre em relação à contribuição assistencial, que não é compulsória e muito menos imposta por lei, pelo Estado. Ela é proposta, discutida e aprovada nas assembleias dos trabalhadores e empregadores. No caso dos empregados, da mesma forma como acontece com as reivindicações encaminhadas aos patrões, a aprovação dos acordos e convenções coletivas de trabalho, aprovação de greves, instauração de dissídio coletivo de trabalho e outras deliberações que interessem à categoria profissional. E por que é assim? Porque são as assembleias sindicais os órgão soberanos das categorias profissionais e econômicas num Estado Democrático de Direito. Não são os sindicatos que impõem as contribuições e outras decisões, mas, as categorias, nas respectivas assembleias. Numa assembleia sindical pode ser aprovada ou reprovada uma contribuição assistencial proposta pela direção do sindicato e, isso, faz parte do que realmente se chama liberdade sindical, quando exercida realmente nos seus devidos termos.

Ao contrário do que dizem alguns articulistas e parte da imprensa, a instituição de custeio sindical aprovado em assembleias não ofende a liberdade sindical, mas a prestigia.

Como disse o ministro Gilmar Mendes no seu voto, a mudança de entendimento do STF baseou-se em alterações das premissas fáticas e jurídicas sobre o custeio sindical, promovidas pela reforma trabalhista com a Lei 13.467/2017, que extinguiu a contribuição sindical compulsória e alterou de forma radical a forma de custeio das atividades sindicais, trazendo real perigo de enfraquecimento do sistema sindical. Essas mudanças legais e fáticas, como fundamentado no seu voto, demonstraram a necessidade de evolução do entendimento antes firmado pela Corte sobre a matéria, de forma a alinhá-lo com os ditames da Constituição Federal, como solução que prestigia a liberdade de associação dos empregados.

Com todo respeito, não têm cabimento essas insurgências enviesadas contra o custeio das atividades sindicais. Os sindicatos são hoje, no Brasil, pessoas jurídicas de direito privado, sem financiamento público. São associações como outras, apenas se diferenciando pelo aspecto sindical. Como associações, os sindicatos são prestadores de serviços para as respectivas categorias e, para prestar esses serviços, claro que alguém tem que pagar! E esse alguém, no caso das categorias profissionais, somente podem ser os trabalhadores beneficiários dos respectivos serviços, como é por demais lógico, mas alguns não querem ver (não se sabe porque!).

Uma associação sindical, em termos de prestação de serviços, é como uma associação de moradores num loteamento fechado, hoje comum nos grande centros urbanos, a que todos são associados, se beneficiam dos serviços prestados pela respectiva associação e, obrigatoriamente pagam os rateios das despesas de forma igualitária. Se não pagarem não têm serviço de coleta de lixo, limpeza dos lotes, vigilância, limpeza das ruas etc., etc. E não se vê o Estado, seja através do Ministério Público ou de outro órgão, se intrometer contra as taxas cobradas ou sua aprovação em assembleias! Mas quando são os sindicatos, ao contrário, todos, o Estado e qualquer um se sente no direito de opinar, de rejeitar, de criticar, de ser contra o custeio das atividades em prol da categoria, alegando ferimento à liberdade sindical. Isso é no mínimo interessante!

Por que será que essa cultura ainda predomina no Brasil, de perseguição sistemática aos sindicatos, seja pela mídia ou por outros meios, para influenciar a opinião pública sobre um olhar desencantado e desacreditado em relação a essas associações?

Ninguém pergunta quanto um sindicato gasta, por exemplo, numa campanha salarial de data-se, com assessorias econômica, jurídica, de imprensa, divulgação de material, seja escrito ou por mídia, com veículos, combustível, aluguel de imóvel etc., etc., mas, se opor a um desconto salarial dos beneficiários desses serviços, aí é fácil dizer que fere a liberdade sindical.

Contrário a essa “lógica”, o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, disse que a contribuição assistencial deve ajudar os sindicatos, que foram praticamente destruídos nas eras Temer e Bolsonaro, foram perseguidos, numa lógica de perversidade na legislação e que essa nova contribuição ajudará a fortalecer o papel das entidades para uma democracia saudável.

Mas essa “autorização” dada pelo STF para instituição da contribuição assistencial não solucionará o problema do custeio das atividades sindicais, que somente será resolvido mesmo com uma lei específica.

O grande problema dessa decisão é a oposição ao desconto, que é bastante incentivado, mesmo sabendo-se que os muitos benefícios conquistados nos acordos e convenções coletivas de trabalho são aplicados a todos os trabalhadores, associados ou não dos sindicatos. Apoio à oposição ao desconto da contribuição assistencial vem de parte das empresas, que, praticando atos antissindicais, coagem, estimulam, auxiliam e induzem seus empregados a se oporem ao desconto das contribuições devidas a seus sindicatos.

É tão grave e corriqueira essa prática por parte de algumas empresas, que a Conalis do MPT emitiu a Orientação nº 13, para orientar seus membros no combate a esses atos antissindicais, uma vez que o financiamento das atividades sindicais é questão interna das categorias, na qual as empresas e ninguém têm o direito de se intrometer.

Por isso, é necessário mesmo que o Congresso Nacional regule o tema para, de uma vez por todas, dele se afastar a intervenção e interferência externa e do Estado, em respeito à verdadeira liberdade sindical.

*Raimundo Simão de Melo é doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP, professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal-UDF/mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas, membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, consultor jurídico, advogado, procurador regional do Trabalho aposentado e autor de livros jurídicos, entre eles, Direito Ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador.

Do Conjur

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