STF reage a Bolsonaro e apoiadores e diz que usará “todos os remédios” para defender Corte e democracia

Toffoli lamenta ameaças “estimuladas por integrantes do Estado” após ato contra tribunal com fogos. PGR pede investigação sobre invasões de hospitais incentivadas pelo presidente

A semana em Brasília se inicia da mesma forma como todas têm começado ―e terminado― desde o início da pandemia de coronavírus: com alta tensão entre os Poderes da República. Após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux deferir liminar para esclarecer o escopo de atuação das Forças Armadas ―respondendo a ação do PDT―, e o presidente Jair Bolsonaro assinar nota junto com o ministro da Defesa para reafirmar a possibilidade de interferência dos militares, manifestações do procurador-geral da República e do presidente do STF mostram que a crise política está longe de esfriar. Neste domingo, Augusto Aras anunciou que vai solicitar a procuradores-gerais dos Ministérios Públicos estaduais que apurem invasões de hospitais em São Paulo e Distrito Federal. Invasões essas incentivadas pelo presidente da República durante sua live semanal de Facebook, na quinta-feira passada. Já Antonio Dias Toffoli lamentou ameaças ao Supremo “estimuladas por integrantes do próprio Estado” após cerca de 30 manifestantes dispararem fogos de artifício na direção do tribunal na noite de sábado.

“Infelizmente, na noite de sábado, o Brasil vivenciou mais um ataque ao Supremo Tribunal Federal, que também simboliza um ataque a todas as instituições democraticamente constituídas”, lamentou Toffoli em nota. O presidente do STF fez questão de destacar que atitudes como o protesto com fogos “têm sido reiteradas e estimuladas por uma minoria da população e por integrantes do próprio Estado”, sem mencionar nomes. O presidente da Corte Suprema diz ainda que o tribunal “jamais se sujeitará, como não se sujeitou em toda a sua história, a nenhum tipo de ameaça, seja velada, indireta ou direta e continuará cumprindo a sua missão”. E finaliza: “Guardião da Constituição, o Supremo Tribunal Federal repudia tais condutas e se socorrerá de todos os remédios, constitucional e legalmente postos, para sua defesa, de seus Ministros e da democracia brasileira.”

O ministro Alexandre de Moraes, que tem protagonizado decisões que contrariam o Palácio do Planalto, como o bloqueio da nomeação de Alexandre Ramagem para comandar a Política Federal e a ordem para que o Ministério da Saúde voltasse a publicar todas as informações sobre a pandemia de coronavírus, se uniu ao colega de STF por meio de seu perfil no Twitter: “O STF jamais se curvará ante agressões covardes de verdadeiras organizações criminosas financiadas por grupos antidemocraticos que desrespeitam a Constituição Federal, a Democracia e o Estado de Direito. A lei será rigorosamente aplicada e a Justiça prevalecerá”.

Outro ministro da Corte Suprema, Luis Roberto Barroso, engrossou o coro. “Há no Brasil, hoje, alguns guetos pré-iluministas. Irrelevantes na quantidade de integrantes e na qualidade das manifestações. Mas isso não torna menos grave a sua atuação. Instituições e pessoas de bem devem dar limites a esses grupos. Há diferença entre militância e bandidagem”, tuitou. Barroso disse recentemente em entrevista a meios estrangeiros, incluindo o EL PAÍS, que “não há risco de voltarmos a ser uma república de bananas”. “Nós amadurecemos. Muito menos os militares querem isso”, comentou.

O Ministério Público Federal determinou neste domingo abertura de investigação sobre o protesto em que foram disparados fogos contra o prédio do STF. Além disso, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, exonerou o subcomandante-geral da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), coronel Sérgio Luiz Ferreira de Souza, que era o responsável pelo patrulhamento na capital federal enquanto o comandante Julian Rocha Pontes se recupera da infecção por coronavírus. Ibaneis também decretou o fechamento da Esplanada dos Ministérios neste domingo, citando “ameaças declaradas por alguns dos manifestantes” e destacando a necessidade de “contenção de riscos, danos e agravos à saúde pública”.

Na sexta-feira, ao responder a liminar de Fux, a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) divulgou nota assinada pelo presidente, pelo vice, Hamilton Mourão, e pelo ministro da Defesa, Fernando Azevedo, para dizer que as Forças Armadas “não aceitam tentativas de tomada de Poder por outro Poder da República, ao arrepio das Leis, ou por conta de julgamentos políticos”. Não ficou claro se falavam dos riscos aos mandatos do presidente e de seu vice por conta de um julgamento no Tribunal Superior Eleitoral ou das decisões do STF que limitam os movimentos de Bolsonaro ―e a mensagem parece ter sido feita sob medida para deixar essa dúvida no ar. O ministros do STF não responderam à nota diretamente, mas parecem ter aproveitado o protesto da noite de sábado para fazê-lo de forma indireta.

Hospitais

Um quarto ministro do STF se manifestou publicamente neste domingo, mas para criticar a invasão de hospitais durante a pandemia. “Invadir hospitais é crime ―estimular também. O Ministério Público (a PGR e os MPs Estaduais) devem atuar imediatamente. É vergonhoso ―para não dizer ridículo― que agentes públicos se prestem a alimentar teorias da conspiração, colocando em risco a saúde pública”, disse Gilmar Mendes, também por meio de seu perfil no Twitter.

Mendes tomou o cuidado de não citar o nome de Bolsonaro, e nem precisava. Na quinta-feira, ao falar por meio de seu Facebook, o presidente foi bem claro: “Tem um hospital de campanha perto de você, tem um hospital público? Arranja uma maneira de entrar e filmar. Muita gente tá fazendo isso, mas mais gente tem que fazer, para mostrar se os leitos estão ocupados ou não, se os gastos são compatíveis ou não. Isso nos ajuda”.

Investigação e desfalque na equipe econômica

Após circularem notícias sobre invasões ou tentativas de entrar em hospitais, o procurador-geral da República anunciou neste domingo que pedirá aos procuradores-gerais de São Paulo e Brasília apuração sobre a invasão do hospital de campanha do Anhembi por parlamentares estaduais e a agressão de um profissional de saúde em frente ao Hospital Regional da Ceilândia, no Distrito Federal. “Condutas dessa natureza colocam em risco a integridade física dos valorosos profissionais que se dedicam, de forma obstinada, a reverter uma crise sanitária sem precedentes na história do país”, escreveu Aras. Na última sexta-feira, também foram registradas ações de parlamentares regionais em hospitais do Espírito Santo e do Ceará.

A resposta do Governo federal a tudo isso coube ao ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça. Em nota vaga publicada no início da noite, ele parece defender os manifestantes que protestaram contra o STF, mas pede autocrítica a todos. “A democracia pressupõe, acima de tudo, que todo poder emana do povo. Por isso, todas as instituições devem respeitá-lo. Devemos respeitar a vontade das urnas e o voto popular. Devemos agir por este povo, compreendê-lo e ver sua crítica e manifestação com humildade. Na democracia, a voz popular é soberana”, escreveu o ministro. “Todos devemos fazer uma autocrítica. Não há espaço para vaidades. O momento é de união. O Brasil e seu povo devem estar em 1º lugar”.

Como se já não bastasse a crise política, a semana começa ainda com incerteza no front econômico. Vários veículos deram como certa a saída, em breve, do secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida. Respeitado no mercado e tido como pilar da diretriz da equipe econômica pelo estrito equilíbrio fiscal, a troca acontece no momento em que se aprofunda a crise econômica detonada pela pandemia do novo coronavírus e quando o Governo debate a prorrogação do auxílio financeiro destinado aos mais pobres e informais durante a emergência sanitária.

El País

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