Traidor da Constituição é traidor da Pátria

Por José Geraldo de Santana Oliveira*

“Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito. Rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério.

Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo”.

Esse vibrante e inesquecível brado é do saudoso e imortal presidente da Assembleia Nacional Constituinte — estadista de grandeza imensurável, Ulisses Guimarães —, pronunciado no ato de proclamação da Constituição Federal (CF) — a Constituição cidadã, nas imorredouras palavras dele —, aos 5 de outubro de 1988, como gesto simbólico de sepultamento definitivo do que ainda remanescia do doloroso período de trevas imposto pelo regime militar, de nenhuma saudosa lembrança; bem assim como alerta ao porvir, que deveria repelir com veemência toda e qualquer nefasta tentativa de ressuscitar seus horrores.

Eis que passados quase 33 anos desse brado e do alerta que o simboliza, que deveria ecoar por tempo ilimitado, essa é a tarefa primeira de todos quantos pugnam pela defesa intransigente da ordem democrática implantada pela CF de 1988, sem a qual não há presente decente, livre e justo e, muito menos, futuro radioso.

Parafraseando versos do também imortal poeta Mário Quintana, em seu poema Aula Inaugural, segundo os quais “fora do ritmo só há danação e fora da poesia não há salvação”, é de se afirmar, de modo a ecoar no presente e no futuro, que fora do Estado Democrático de Direito e da ordem democrática que dele emana não há luz, só trevas; trevas sem fim!

Tomando-se emprestada a certeira e contundente sentença da epígrafe, do senhor estadista Ulisses Guimarães, não há como não qualificar Bolsonaro como traidor da pátria, pois que, desde sua fatídica posse, ao 1º de janeiro de 2019, não se registra um só ato e/ou um só pronunciamento seu que possa ser considerado republicano e em consonância com a CF que ele jurou respeitar, mas que só afronta, desonra e avilta.

Seu linguajar é obsceno e impróprio até mesmo em lupanares, onde se respira mais respeito e honra, sendo cabível e aceito apenas em seu antro, que o ministro do STF Roberto Barroso, apropriadamente, alcunhou de cercadinho. Cercadinho este que tem a altura de seu regente, Jair Bolsonaro, e de seus fanáticos prosélitos, que a ele se equivalem em nanismo moral, ético e em fins desonrosos e antidemocráticos.

Avesso ao diálogo e sem substância política, moral e ética para desenvolvê-lo, faz da pobreza vernacular, do desrespeito ao cargo que ocupa, de reiteradas e cotidianas bravatas, intimidações e ameaças a quem se opõe às suas vis pretensões a marca de seu pífio e catastrófico governo.

Do pântano enganoso de sua boca — parafraseando o poeta Thiago de Mello em sua magnífica ode à liberdade, Os Estatutos do Homem —, só saem impropérios, conspirações, ataques às instituições democráticas e desbragadas pretensões de tiranete.

Incapaz de conviver com a liberdade de expressão, ação e realização, dedica cada minuto de sua agenda a garroteá-la, na integralidade de suas dimensões, fazendo apologia aberta ao retrocesso social e científico, como atestam o negacionismo e a busca insana pela autointitulada escola sem partido, que nada mais é do que o mais indecente cerceamento da liberdade de aprender, ensinar e divulgar a arte e o saber, bem como do pluralismo de ideias e concepções pedagógicos, que se revestem da condição de princípios sobre os quais se assenta o ensino, como determina o Art. 206, II e III, da CF.

Se não trancou as portas do Parlamento não foi por falta de vil intenção de fazê-lo, mas por falta de eco e base objetiva e subjetiva para tanto. Ameaças desse jaez são costumeiras, não obstante o apoio sistemático à sua retrógrada pauta e a tolerância e explícita cumplicidade aos seus desmandos e ataques à CF.

Ante essa inexplicável e insuportável conduta do Parlamento, notadamente de seus dirigentes, as garras de Bolsonaro têm se voltado contra o Supremo Tribunal Federal (STF), como último bastião institucional de resistência. Em sua sanha golpista, não mede torpes assaques à Corte e a alguns de seus integrantes, especialmente ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Roberto Barroso, acreditada, autorizada e ressonante voz em defesa do sistema eleitoral eletrônico, contra quem não paira dúvida alguma sobre sua segurança e lisura; levantam-se contra ele somente as aleivosas e sobejamente desautorizadas imputações de Bolsona et caterva.

Ainda que se procure com candeia acesa ao meio-dia, como fazia o grego Diógenes, em busca de homem honesto, não se encontra uma só voz idônea que faça coro às falsas e desarrazoadas imputações de Bolsonaro ao STF, aos seus ministros e ao sistema eleitoral eletrônico; somente traidores da pátria, como ele, o fazem.

Por tudo isso, é mais do que hora de o Brasil decente cerrar fileira em defesa da CF, de suas instituições democráticas, em especial do STF e do TSE, alvos principais de Bolsonaro e sua horda, e pelo basta a esse tenebroso período de trevas em que se acha mergulhado o Brasil, com o desatino cometido nas eleições de 2018, que o arremessou para além da pré-história; isso, antes que seja tarde demais.

Como muito bem bradou Ulisses Guimarães, no já citado discurso de proclamação da CF: “Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca”. É só isso, e nada mais, que faz Bolsonaro, dia e noite, desde o dia 1º de janeiro de 2019, e pretende fazê-lo, ao menos, até 31 de dezembro de 2026; custe o que custar.

É mais do que hora de o Brasil decente derramar seu ódio e seu nojo à ditadura e aos que a cultuam e intentam impor, como o faz o arrivista Bolsonaro.

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee

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