Vitória: STF defere liminar pedida pela Contee e considera inconstitucional matrícula aos cinco anos

O ministro Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), deferiu ontem (30) liminar favorável à Contee na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), ajuizada pela Confederação no dia 3 de fevereiro deste ano, contra a Lei N. 15433/2019, do Rio Grande do Sul. A lei em questão permite matrículas no primeiro ano da educação básica de crianças com cinco anos, descumprindo o corte etário definido pelo MEC e declarado constitucional pelo STF.

O artigo 2º, incisos II e III, da norma gaúcha estabelece a matrícula para crianças com seis anos completos até 31 de março do respectivo ano, mas prevê condições para o ingresso de crianças mais novas, que só completariam seis anos depois de dessa data-limite. A Contee, contudo, argumentou, que o dispositivo define um corte etário diferente do previsto na legislação federal e que tal regulamentação não é sequer de competência concorrente dos estados, por se tratar de regra geral da educação a ser aplicada em âmbito nacional, sendo competência privativa da União.

Barroso destacou, na decisão que considerou o artigo inconstitucional, que tanto a Procuradoria-Geral da República quanto a Advocacia-Geral da União manifestaram-se pelo deferimento da medida cautelar. “De fato, a questão já foi enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de controle concentrado da constitucionalidade, quando se firmou a seguinte tese: ‘É constitucional a exigência de 6 (seis) anos de idade para o ingresso no ensino fundamental, cabendo ao Ministério da Educação a definição do momento em que o aluno deverá preencher o critério etário’”, argumentou o ministro, na liminar.

“Concluo, portanto, pela verossimilhança do direito alegado. Reconheço, igualmente, a existência de perigo na demora, dado que a aplicação da norma pode ensejar admissões indevidas de alunos no ensino fundamental e comprometer o adequado funcionamento do sistema de educação. Ainda que não se esteja na iminência das matrículas para o próximo período letivo, não é impensável que se isso venha a ocorrer antes do julgamento do mérito da ação. Há, do mesmo modo, situações as mais diversas de transferência de crianças entre escolas e entre Estados que podem ser impactadas negativamente pela divergência entre os ordenamentos federal e estadual.”

Leia a íntegra da decisão:

MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 6.312 RIO GRANDE DO SUL

RELATOR : MIN. ROBERTO BARROSO

REQTE.(S) :A CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES EM ESTABELECIMENTOS DE ENSINO (CONTEE)

ADV.(A/S) :JOSE GERALDO DE SANTANA OLIVEIRA

INTDO.(A/S) :GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROC.(A/S)(ES) :PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

INTDO.(A/S) : ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

ADV.(A/S) :SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA EDITAR NORMAS GERAIS SOBRE EDUCAÇÃO E ENSINO. LEI ESTADUAL CONFLITANTE. DEFERIMENTO DA CAUTELAR.

1. Ação direta de inconstitucionalidade que tem por objeto lei estadual que estabelece idade de corte para ingresso no ensino fundamental em dissonância com a legislação federal. Competência privativa da União para dispor sobre diretrizes e bases da educação (CF, art. 22, XXIV). Precedentes: ADC 17, red. p/ acórdão Min. Luís Roberto Barroso, j. 01.08.2018; ADI 2501, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 04.09.2008, e ADI 2667 MC, rel. Min. Celso de Mello, j. 19.06.2002.

2. Verossimilhança do direito alegado e perigo na demora presentes. Cautelar deferida.

DECISÃO: 1. Trata- se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de liminar, proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimento de Ensino – CONTEE, que tem por objeto o art. 2º, II e III, da Lei nº 15.433/2019, do Estado do Rio Grande do Sul, que regulamenta as condições para ingresso no ensino fundamental. Confira-se o teor do dispositivo impugnado:

Art. 2º O ingresso no primeiro ano do ensino fundamental respeitará a individualidade e a capacidade de cada um e dar-se-á para crianças com: I – idade de 6 (seis) anos completos até o dia 31 de março do ano em que ocorrer a matrícula;

II – idade de 6 (seis) anos completos entre 1º de abril e 31 de maio do ano em que ocorrer a matrícula, egressas da educação infantil, salvo se alternativamente houver:

a) manifestação expressa dos pais ou responsáveis no sentido de que entendem que a criança ainda não tem a maturidade física, psicológica, intelectual e social necessárias ao primeiro ano, devendo permanecer na educação infantil;

b) manifestação justificada de profissional técnico no sentido de que entende que a criança ainda não tem a maturidade física, psicológica, intelectual e social necessárias ao primeiro ano, devendo permanecer na educação infantil;

III – idade de 6 (seis) anos completos entre 1º de junho e 31 de dezembro do ano em que ocorrer a matrícula, egressas da educação infantil, desde que haja cumulativamente:

a) manifestação expressa dos pais ou responsáveis no sentido de que entendem que a criança tem a maturidade física, psicológica, intelectual e social necessárias ao primeiro ano;

b) manifestação justificada por equipe multidisciplinar no sentido de que entende que a criança tem a maturidade física, psicológica, intelectual e social necessárias ao primeiro ano.

2. A requerente argumenta que a norma é formalmente inconstitucional, por desrespeitar a competência da União para estabelecer o “corte etário”, para fins de matrícula no ensino fundamental, nos termos do art. 22, XXIV, da CF. Conflita, ainda, com a legislação federal sobre a matéria, que previu que, para o ingresso no ensino fundamental, a criança deverá ter completado 6 anos até 31 março do ano em que ocorrer a matrícula (art. 3º da Resolução CNE/CBE 6/2010). A requerente observa, por fim, que o Supremo Tribunal Federal já explicitou, em sede de controle concentrado da constitucionalidade, caber ao Ministério da Educação a definição do momento em que o aluno deverá preencher o critério etário de 6 (seis) anos para ingresso no ensino fundamental (ADC 17, rel. Min. Luís Roberto Barroso, j. 01.08.2018).

3. Determinei a oitiva dos órgãos e autoridades dos quais emanou a norma impugnada, bem como do Advogado-Geral da União e do Procurador Geral da República, nos termos do art. 10, caput e §1º, da Lei 9.868/1999.

4. A Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul e o Governador do mesmo Estado manifestaram-se pelo indeferimento da medida cautelar pleiteada, alegando que a norma: (i) decorre do exercício regular de competência legislativa concorrente estadual (art. 24, IX, CF); (ii) concretiza princípio constitucional estabelecido no art. 208, V, CF; e (iii) disciplina exceção ao corte etário que foi expressamente reconhecida no julgamento da ADC 17 por esse Supremo Tribunal Federal.

5. A Procuradoria-Geral da República e a Advocacia-Geral da União manifestaram-se pelo deferimento da medida cautelar, sob o fundamento de que o corte etário é matéria que demanda tratamento uniforme em todo o país e que cabe ao Ministério da Educação a fixação do momento em que o aluno deverá preencher tal critério, conforme a já mencionada decisão proferida pelo STF nos autos da ADC 17 do STF.

6. É o relatório. Decido.

7. De fato, a questão já foi enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de controle concentrado da constitucionalidade, quando se firmou a seguinte tese: “É constitucional a exigência de 6 (seis) anos de idade para o ingresso no ensino fundamental, cabendo ao Ministério da Educação a definição do momento em que o aluno deverá preencher o critério etário” (ADC 17, red. p/ acórdão Min. Luís Roberto Barroso, j. 01.08.2018). Há, ainda, jurisprudência consolidada no Tribunal acerca da inconstitucionalidade de normas estaduais e distritais que disponham de forma conflitante em matéria atinente a “diretrizes e bases” da educação. Nesse sentido: ADI 2501, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 04.09.2008, e ADI 2667 MC, rel. Min. Celso de Mello, j. 19.06.2002.

8. Tampouco me impressiona o argumento de que a norma estadual tem o propósito de disciplinar exceção ao corte etário estabelecida no julgamento da ADC 17. O que se disse, quando da apreciação desta ação, foi apenas que é possível o acesso a níveis mais elevados de ensino, conforme a capacidade do aluno, em casos excepcionais, a critério da equipe pedagógica (art. 208, V, CF). A norma em questão não se harmoniza com tal entendimento, uma vez que estabelece como regra a matrícula dos egressos da educação infantil fora da idade de corte estabelecida pelo Ministério da Educação, observados os seguintes requisitos: (i) 6 anos completos entre 1º de abril e 31 de maio, salvo manifestação dos pais ou de técnico, no sentido da imaturidade da criança; e (ii) 6 anos completos entre 1º de junho e 31 de dezembro do ano, desde que haja cumulativamente manifestação favorável dos pais e de equipe multidisciplinar.

9. Concluo, portanto, pela verossimilhança do direito alegado. Reconheço, igualmente, a existência de perigo na demora, dado que a aplicação da norma pode ensejar admissões indevidas de alunos no ensino fundamental e comprometer o adequado funcionamento do sistema de educação. Ainda que não se esteja na iminência das matrículas para o próximo período letivo, não é impensável que se isso venha a ocorrer antes do julgamento do mérito da ação. Há, do mesmo modo, situações as mais diversas de transferência de crianças entre escolas e entre Estados que podem ser impactadas negativamente pela divergência entre os ordenamentos federal e estadual.

Ante o exposto, defiro a cautelar pleiteada para determinar a suspensão do art. 2º, incs. II e III, da Lei nº 15.433/2019. Inclua-se imediatamente na pauta do plenário virtual, para referendo.

Publique-se. Intimem-se. Brasília, 30 de junho de 2020

MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO — RELATOR

Por Táscia Souza, com informações do STF

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