Relatório do PNE na CCJ do Senado aprofunda alguns retrocessos
O ponto destacado na imprensa sobre o relatório do Plano Nacional de Educação (PNE) lido ontem (18) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado foi a polêmica referente à Meta 4, que recebeu nova proposta de redação, a qual já tinha sido, inclusive, anunciada pelo governo. Com a mudança, foi reincluída a palavra “preferencialmente”, que havia sido retirada do texto da Câmara pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado.
Com isso, a redação da meta passa a ser “universalizar, para a população de 4 a 17 anos, com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica, assegurando-lhes o atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino (…)”. Entre as opções de acompanhamento diferenciado estão as classes especiais (oferecidas pelas próprias escolas, paralelamente às classes regulares), os centros de ensino especial (que se dedicam exclusivamente a esses alunos) e as Apaes.
O texto dessa meta também foi alterado no sentido de que os repasses do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) às instituições que oferecem ensino especial, como é o caso das Apaes, não sejam encerrados em 2016, como aprovado pela CAE. Sobre esse ponto, a Contee mantém firme a posição de que, no Brasil, existem apenas dois segmentos na educação: o público e o privado. Instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas não são instituições públicas e não podem, portanto, ser tratadas como tal. Precisam, antes sim, ser regulamentadas sob exigências idênticas às aplicadas à educação pública, incluindo plano de carreira para os trabalhadores e gestão democrática e transparente.
Essas instituições são privadas sem fins lucrativos e, historicamente, para manter os seus interesses e o repasse de dinheiro público, se contrapõem à inclusão de quaisquer necessidades especiais na escola regular, fortalecendo a atrasada visão segregacionista.
A Contee compreende que devemos lutar para que a escola regular ofereça todas as condições de inclusão, como ocorre nos países desenvolvidos, e somente em casos muito específicos e extremamente excepcionais o atendimento em instituições. Não devemos fortalecer sob qualquer que seja o argumento uma inclusão segregada que, na verdade, nada tem de inclusão. Essas instituições privadas de atendimento lutam contra a inclusão na rede regular porque querem manter o recebimento do dinheiro público.
Embora o foco da imprensa tenha se restringido à polêmica da Meta 4, a Contee analisou o relatório e detectou uma série de outras modificações que necessitam de ressalvas. O substitutivo da CCJ, por exemplo, altera o artigo 5º e a Meta 20, colocando de forma clara como devem ser repartidos os recursos públicos, entre bolsas, ProUni, creches públicas e privadas, Pronatec etc, incluindo ainda o artigo 213 da Constituição Federal, que fala do repasse de verbas públicas para as filantrópicas, comunitárias e confessionais. A Contee reafirma sua defesa, porém, de que os recursos públicos devem ser destinados exclusivamente à educação pública, sem abrir prerrogativas para o repasse de verbas públicas para o setor privatista.
O relator Vital do Rêgo (PMDB-PB), ao relembrar o artigo 213 da Constituição Federal, nos faz crer ilusoriamente que o repasse deveria ser feito apenas a este tipo de instituição – como, aliás, diz a própria Constituição – quando, na verdade, ao caracterizar para quais serviços e atendimentos deveria ir o dinheiro público, inclui itens que, como sabemos, têm servido de instrumento de repasse de verbas públicas principalmente para instituições lucrativas, inclusive de capital aberto.
Nesse sentido, o substitutivo, sob a máscara de garantir o que diz o artigo 213 da CF, na verdade retira verbas públicas e as destina para a rede privada numa clara visão privatista e de enfraquecimento da luta pela consolidação, através do financiamento adequado, de uma rede pública de qualidade no Brasil.
Além disso, sob o pretexto da inconstitucionalidade, há outros retrocessos, como a retirada da incumbência do Fórum Nacional de Educação (FNE) de coordenar as conferências estaduais e municipais de educação e a retirada da obrigatoriedade de estabelecimento de prazos para que os estados e municípios elaborem seus planos estaduais e municipais de educação. E mais: ao colocar o respeito ao pacto federativo, o substitutivo retira o detalhamento de como deve ser a relação entre os entes federados. O texto também não estabelece mais o prazo de dois anos para que os estados e municípios apresentem leis específicas que disciplinem a gestão democrática, acaba com o prazo para que o Executivo ou o Legislativo apresentem uma nova proposta de PNE no nono ano de vigência deste, retira o prazo de dois anos para instituir o Sistema Nacional de Educação (SNE) e elimina todos os artigos e referências aos royalties e recursos do pré-sal para a educação, alegando que isso já fora aprovado em lei.
Outra alteração, dessa vez positiva, diz respeito às estratégias 20.6, 20.7 e 20.8, que tratam do Custo Aluno Qualidade Inicial. O texto restabelece o prazo de dois anos para que o MEC faça os cálculos do CAQi e também a ideia do Custo Aluno Qualidade como indicador prioritário do financiamento.
É preciso estar atento às mudanças e à votação da matéria na CCJ para não permitir que prejuízos e retrocessos sejam aprovados, seja nessa comissão ou nas demais etapas da tramitação do PNE. A Contee, entidade que representa quase 1 milhão de professores e técnicos administrativos que atuam no setor privado, enfatiza sua defesa de um PNE que assegure uma educação pública, gratuita e de qualidade socialmente referenciada, bem como a regulamentação da educação privada com exigências legais idênticas às feitas para a educação púbica.
O mais preocupante, no entanto, é que, com todas essas modificações feitas no Senado, não se respeitou todo o trabalho de acordo construído na Câmara e vai se retardando a aprovação da lei, em claro prejuízo para a educação no país.
Da redação