Indígenas propõem Funai dentro de futuro ministério e demarcação imediata de 13 terras
Os indicativos preliminares foram apresentados pelo GT da equipe de transição; relatório final será entregue no dia 11
Que a Fundação Nacional do Índio (Funai) passe a ser vinculada (e, portanto, responder) ao novo Ministério dos Povos Indígenas. Que este, por sua vez, tenha três secretarias: uma que trate da questão ambiental; outra do fomento financeiro às atividades prioritárias da pasta, como demarcação e políticas sociais; e a terceira voltada à articulação do fortalecimento da defesa dos territórios indígenas.
Essas são algumas das propostas de um relatório – ainda preliminar – apresentado na quarta-feira (30) pelo Grupo Técnico (GT) Povos Indígenas do gabinete de transição do governo Lula (PT). Lideranças da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) explicam que a versão final, que será desenhada a partir de mais escutas, será apresentada em 11 de dezembro.
Tendo a demarcação de terras indígenas como ponto central, Joênia Wapichana (Rede), deputada federal por Roraima e primeira mulher indígena a ocupar o cargo no Brasil, salienta que é preciso que as demandas do movimento sejam incorporadas ao orçamento emergencial previsto pelo novo governo.
“Demarcação já” no Norte, Sul, Nordeste e Centro-oeste
“Elencamos a demarcação e a desintrusão de terras indígenas (TI). Precisamos incorporar isso no orçamento para que o Estado cumpra com seu dever constitucional”, ressalta Joênia.
O GT fez um levantamento e chegou à conclusão de que ao menos 63% dos procedimentos demarcatórios estão totalmente paralisados e sem nenhum tipo de providência. No relatório preliminar, são elencadas 13 TIs prontas para serem homologadas, sem qualquer empecilho administrativo ou judicial.
Os territórios cuja demarcação o GT reivindica que sejam imediatamente homologados são dos povos Pataxó, Kariri-Xokó, Potiguara, Xukuru-Kariri, Tremembé, Guarani, Kaingang, Karajá, Arara, Katukina Pano, Yawanawá, Tukano e Kokama.
O futuro ministério
Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib e um dos integrantes do GT, aponta que há um consenso sobre a necessidade da criação do Ministério dos Povos Indígenas, afirmando ainda que preferem esse nome em vez de Ministério dos Povos Originários.
O indicativo inicial é que a Funai, órgão indigenista atualmente vinculado ao Ministério da Justiça esteja, pela primeira vez, submetido a uma pasta comandada por uma ou um indígena.
Citando os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips em junho deste ano no Vale do Javari, Joênia destaca que é preciso que o órgão passe por intensas transformações. “A Funai tem se permanecido inerte e tem poucos recursos para cumprir o dever de proteger não só os povos indígenas como seus próprios servidores”, diz.
Os integrantes do GT defendem também que o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) seja reativado como um órgão colegiado dentro do Ministério, um espaço que garanta a participação de representantes das comunidades e da sociedade civil.
Financiamento e desmilitarização da saúde
Comentando a dificuldade de trabalhar com a ausência de dados, inclusive demográficos, Sônia Guajajara (PSOL), eleita deputada federal por São Paulo, defendeu que a saúde indígena seja uma das prioridades a serem incorporadas pelo próximo governo. Se não for, alertou, “é possível que ela entre em colapso nos primeiros três meses”.
“Houve um corte de 60% do orçamento público destinado à saúde indígena e isso pode trazer a descontinuidade de serviços básicos fundamentais”, externou Sônia.
“Outra coisa urgente é a desmilitarização dos DSEIs [Distritos Sanitários Especiais Indígenas]”, elencou a parlamentar, apontando que atualmente muitos estão sob o comando de generais.
Decretos revogados e PLs barrados
“Também fizemos um levantamento de atos administrativos do Poder Executivo que devem ser revogados imediatamente, porque no nosso entender violam diretamente os direitos dos povos indígenas”, expôs Eloy Terena, coordenador jurídico da Apib.
Entre eles, está um parecer normativo da Advocacia Geral da União (001/2017) que, na prática, restringe o direito à demarcação de terras por adotar a perspectiva do marco temporal, tese segundo a qual só teriam direito ao território os indígenas que o tivessem ocupado antes de 1988.
Além disso, o movimento indígena demanda que o novo governo atue para barrar uma série de projetos de lei (PLs) tramitando no Congresso Nacional e apelidados por seus críticos de “pacote da destruição”. Em tempos de atenção voltada para a Copa do Mundo e para a PEC da transição, alguns desses projetos avançam a toque de caixa.
“Como o PL do Veneno e o PL que fala da questão da regularização fundiária, que a gente vê que favorece a grilagem de terras públicas” alerta Joênia Wapichana, defendendo que sejam barrados “porque, uma vez aprovados, podem trazer prejuízos irreparáveis aos povos indígenas”.