Com Milei eleito, Acordo Mercosul-UE entra em xeque
Lula trabalhava para que o acordo com fosse assinado em 7 de dezembro, na Cúpula do Mercosul
por André Cintra
Longe de ser uma unanimidade, o pacto comercial entre Mercosul e União Europeia pode não sair do papel tão cedo quanto desejava o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A eleição no domingo (19) do ultradireitista Javier Milei à presidência da Argentina é o novo entrave à concretização da parceria, chamada informalmente de Acordo Mercosul-UE.
Embora Lula procure se empenhar pessoalmente para viabilizar o acordo, a possível saída da Argentina do Mercosul – uma das promessas de campanha de Milei – tem potencial para esfriar as negociações. Não se sabe se o futuro chefe de Estado argentino levará a ameaça a sério, mas o tema foi reiterado por ele no primeiro pronunciamento após a vitória eleitoral. Sua posse na Casa Rosada está marcada para 10 de dezembro.
Antes, nos dias 6 e 7, representantes dos países que integram o Mercosul se reúnem no Rio de Janeiro. Durante a Cúpula, o Brasil deixará a presidência rotativa do bloco. Por isso, Lula trabalhava para que o acordo com a UE fosse assinado em 7 de dezembro. Com a mudança de poder no segundo membro mais importante do Mercosul, o Itamaraty já não consegue sequer confirmar a presença na cúpula de Alberto Fernández, o presidente argentino em fim de mandato.
Na visão de Lula, o fato de o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, estar à frente do Conselho da União Europeia até 31 de dezembro era um trunfo nas negociações. O PT mantém boas relações com o Partido Socialista Operário Espanhol, a legenda de Sánchez. Em 3 de novembro, quando os dois líderes conversaram por telefone, Lula chegou a dizer que a presidência comum de Brasil e Espanha nos blocos era a última chance para o acordo.
Negociadores do Mercosul e da UE voltaram a se reunir na semana seguinte. Já nesta segunda-feira (20), Lula fez uma reunião por videoconferência com a presidenta da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. De acordo com a assessoria do Planalto, “os dois concordaram em acompanhar de perto o trabalho dos negociadores nos próximos dias e deverão voltar a se encontrar na próxima semana, durante a COP28, em Dubai, nos Emirados Árabes”.
No entanto, o clima de desconfiança piora nos dois blocos, que somam 31 países e formariam o maior acordo comercial do mundo – o equivalente, conforme a Deutsche Welle, “a 25% da economia global e 780 milhões de pessoas, quase 10% da população mundial”. O dia seguinte à eleição de Milei foi marcado por informações desencontradas, confirmando apenas que, sim, o pacto entre UE e Mercosul pode estar em xeque.
Na Alemanha, o ministro da Agricultura, Cem Özdemir, disse que o acordo é prejudicado com o “crescimento do populismo” na América do Sul e na Europa. “Temos que nos apressar, pois o ambiente será mais difícil”, declarou Özdemir. “Nem todo mundo entendeu ainda que não estamos sozinhos no mundo, que há muitas potências que têm uma agenda diferente, que querem que os autoritários prevaleçam.”
Em contrapartida, Olof Gill, porta-voz da Comissão Europeia, reafirmou a meta de concluir o Acordo Mercosul-UE ainda em 2023. Segundo ele, “as negociações estão em curso e estão sendo extremamente construtivas e concentradas, tendo sido realizadas três reuniões entre os principais negociadores em outubro e na semana passada”.
Entidades empresariais brasileiras manifestaram apoio ao acordo comercial, mas especialistas apontam para o risco de um “pacto neocolonial”. Nas palavras do economista André Roncaglia, “o acordo entre UE e Mercosul tem o gosto de vinho velho em garrafa velha”: o Mercosul tende a incrementar a exportação de commodities, especialmente produtos agrícolas. Já a UE despejaria na América do Sul mais e mais bens industrializados, com alto valor agregado.