Política pública para população de rua é luta do movimento sindical
Reverter grande contingente de pessoas em situação de rua passa por políticas públicas efetivas. Mas, atenção da sociedade é fundamental para eliminar o preconceito e a discriminação, alerta movimento sindical
Nas ruas de todo o país, sob viadutos, nos semáforos e nas calçadas, a realidade cruel das pessoas em situação de rua, muitas das vezes passa despercebida por grande parte da sociedade. Nos últimos 10 anos, o número de pessoas cadastradas como nessa situação, subiu de 21,9 mil para 227 mil – aumento de mais de 10 vezes.
A normalização da miséria, por outro lado, não só chama a atenção como é combatida por aqueles que não se conformam com o sofrimento humano, provocado, via de regra, pela falta de políticas públicas de moradia, empregabilidade, acolhimento e assistência. No entanto, a situação agora deverá ter uma anteção maior do podfer público, com a criação do “Plano Ruas Visíveis, lançado pelo Governo Federal, na segunda-feira (11), (veja mais abaixo).
reivindicação histórica do movimento sindical. Os representantes dos trabalhadores e suas entidades, sempre estiveram atentos e atuantes em relação ao problema, seja em ações de solidariedade ou na cobrança dessas políticas públicas em defesa dessa população.
Para além disso, o princípio fundamental dos sindicatos, de proteger e lutar por direitos dos trabalhadores também é parte desta luta, já que como consequência se combate a desigualdade social.
São trabalhadores
“Muitos desses moradores de rua empurrados para a miséria são pessoas que têm profissão, mas perderam o emprego”, afirmou o presidente nacional da CUT, Sérgio Nobre, quando a Central denunciou o festival Lollapalooza ao Ministério Público do Trabalho (MPT), em 2022. O festival em São Paulo, contratou pessoas em situação de rua em condições degradantes de trabalho, com diárias baixíssimas, sem proteção social, nem qualquer tipo de contrato.
À época, o Padre Júlio Lancelotti, que recebeu o “Prêmio Democracia e Liberdade Sempre 2023”, da CUT Nacional, havia constatado que o festival explorou essa população como mão de obra para o evento. Denúncias em edições anteriores do festival já haviam sido feitas após apuração do jornal Folha de São Paulo, sobre casos dessa natureza.
A diretora executiva da CUT Nacional, Virginia Berriel, que representa a Central no Conselho Nacional de Direitos Humanos, também afirma que a maioria dessas pessoas vem de uma situação de vulnerabilidade causada pela política liberal praticada no país após o golpe de 2016 contra a ex-presidenta Dilma Rousseff.
“Quem está nas ruas hoje são pessoas trabalhadoras, que tinham, trabalho, casa, uma vida e a maioria perdeu em decorrência desse absurdo que aconteceu no país – o esmagamento da classe trabalhadora como um todo”, diz a dirigente.
Virgínia ainda complementa que o golpe abriu as portas para o maior ataque aos direitos da história como terceirização sem limites, a reforma Trabalhista que só precarizou as relações de trabalho, tirou renda e acabou com o poder aquisitivo, além de enfraquecer a representação sindical, aprofundou a miséria. “Por isso há tanta gente nas ruas”, ela diz.
Plano do governo
O Plano Ruas Visíveis prevê investimento inicial de R$ 982 milhões para pôr em prática a Política Nacional para a População de Rua.
Medidas que serão desenvolvidas a partir de sete eixos – Assistência Social e Segurança Alimentar; Saúde; Violência Institucional; Cidadania, Educação e Cultura; Habitação; Trabalho e Renda; e Produção e Gestão de Dados.
A articulação envolve 11 ministérios em parceria com governos estaduais e municipais e em diálogo com os movimentos sociais da população em situação de rua, representantes dos poderes Legislativo e Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública, sociedade civil organizada, setor empresarial, universidades, trabalhadoras e trabalhadores. A construção do Plano envolve o desafio de enfrentar, mais uma vez, a miséria e a fome no Brasil.
Os destaques do plano vão para ações de combate à violência institucional, do Estado, com aprimoramento de tratamento a essas pessoas, ou seja, uma mudança de paradigmas, desconstruindo o preconceito e a discriminação. Também fazem parte ações de educação e cultura, trabalho e renda e habitação. De acordo com o governo, é fundamental que as políticas públicas de habitação reconheçam e atendam às especificidades da população em situação de rua, garantindo o direito à moradia como um direito humano inalienável.
“Quem teve a oportunidade de falar com essas pessoas que estavam nas ruas, seja na “Cracolândia” ou no centro de São Paulo, constatou que muitos eram trabalhadores, tinham escola para os filhos e tudo acabou de repente. Elas não estão lá por querem e, por isso precisamos de política pública equilibrada. O plano de Lula é o que queremos. Nós sempre desejamos esse atendimento com garantia de um mínimo de dignidade para que as pessoas possam ser incluídas e que voltem ao mercado de trabalho”, avalia a dirigente.
Descriminalização
Na igreja do Padre Júlio Lancelotti a ação social não é apenas caridade. É cuidado com o ser humano. A multidão que se aglomera em busca não só de doações, mas de um pouco de afeto e atenção é tratada de maneira especial. Ele se preocupa, por exemplo, com a forma com que a pessoa vai se apresentar na entrevista de emprego indicada pela sua pastoral.
“A gente enquanto sociedade precisa olhar para as pessoas com o olhar de humanidade. E isso é papel do Estado, não só das entidades que lutam em defesa da população de rua”, diz Virginia Berriel.
E ela vai além ao dizer que há uma criminalização dessas pessoas. Em uma visita à cracolândia ela foi hostilizada pela Guarda Civil Municipal (GCM) ao registrar a ação opressora que estava sendo preparada para retirar essas pessoas.
“Com uma arma pesada apontada para mim, o GCM quis tomar meu celular. Disse a ele que era do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, e que tinha todo o direito de registrar já que ele era um agente público”. Virgínia, que também é jornalista, relata que, com a arma apontada à sua cabeça, passou por momentos de muita tensão e medo. “Você vai atirar em uma conselheira nacional dos direitos humanos”, disse ela ao guarda municipal.
“Isso é o que eles fazem com essas pessoas. O programa do governo também prevê uma mudança nesse tipo de tratamento”, afirma.
Atuação sindical em prol da população de rua
Ao longo dos tempos, além de cobrar políticas públicas de municípios, estados e do governo federal, de proteção à população de rua, as entidades sindicais sempre se prestaram ao papel de exercer solidariedade. Alguns exemplos:
Abril de 2020: o Projeto Amor por onde for, mais uma inciativa divulgada pelo Sindicato dos Bancários na campanha “Bancári@ Solidári@”, leva amor e solidariedade por meio de doações de refeições e kits de produtos de higiene para pessoas em situação de rua nos bairros de Vila Formosa e Vila Carrão, na zona leste de São Paulo. A ação tem a participação voluntária da ex-dirigente sindical Crislaine Bertazzi, que ajuda na confecção dos kits e no preparo de lanches para serem distribuídos.
“Atendemos cerca de 46 pessoas em situação de rua, podendo chegar a 50, distribuindo, todas as quintas-feiras, a partir das 20h, marmitas, água e suco. As refeições variam entre baião de dois, macarrão com linguiça e cachorro-quente. Quando recebemos produtos de higiene ou algum alimento, como pães e bolos, também levamos a essas pessoas”, enfatiza Wagner Batizelli, coordenador do projeto.
Outubro de 2021: Em São Bernardo do Campo, cidade da região metropolitana de São Paulo, a CUT se mobilizou contra a desocupação da sede do Projeto Meninos e Meninas de Rua (PMMR), determinada pelo prefeito Orlando Morando (PSDB). O projeto existe há 38 anos e atende em torno de 700 pessoas mensalmente, com oficinas de cultura, esporte e lazer.
Mario de 2022: nas proximidades de um inverno rigoroso, o Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região realizou campanha de arrecadação de agasalhos para doação à população de rua.
Junho de 2022: O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC decidiu abrir a sua sede, em São Bernardo do Campo, para receber a população em situação de rua. Segundo a entidade, a ação solidária foi adotada devido à queda “vertiginosa” da temperatura e à aproximação do inverno.
“Nosso discurso precisa estar em sintonia com a prática, nosso sindicato sempre apoiou e continuará apoiando os mais vulneráveis”, afirmou o vice-presidente da entidade, Carlos Caramelo.
“Cada dia mais nossa sociedade precisa de bons exemplos, de amor e solidariedade, valores dos quais não abrimos mão. Nossa categoria é extremamente solidária e nosso sindicato tem auxiliado muitas entidades e famílias em situação de vulnerabilidade.”
Números da miséria
A população em situação de rua no Brasil cresceu dez vezes em uma década, segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), passando de 21.934 em 2013 para 227.087 em 2023. Os dados são do Cadastro Único (CadÚnico) do governo federal.
As principais causas são: problemas com familiares (47%), desemprego (40,5%), alcoolismo ou drogas (30,4%), e perda de moradia (26,1%).