Militares pulam da frigideira golpista e deixam Bolsonaro fritar sozinho
Estratégia é tentar demonstrar que os acusados não tinham poder de decisão nem comando sobre tropas, e que apenas atenderam a convite do ex-presidente para reuniões sobre a tentativa de golpe
À medida que avançam as investigações sobre a suposta tentativa de golpe liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados, militares têm buscado blindar e minimizar a participação de colegas na confecção do roteiro golpista. No entanto, a Polícia Federal rejeita essa visão com base em suas investigações. A operação Tempus Veritatis, conduzida pela Polícia Federal, tem como alvo o ex-presidente e seus aliados, levantando preocupações entre os militares sobre as conclusões a serem apresentadas.
Se havia expectativa de que os militares iam passar pano para Bolsonaro, para dar um jeito de salvá-lo, eles estão fazendo o contrário. De acordo com informações de oficiais ouvidos pelo blog da Andreia Sadi, no G1, há uma preocupação com o que é visto como um “excessivo poder” atribuído a militares de baixa patente e sem contingente para mobilizar.
Os cinco oficiais sob investigação são: o ex-ministro do gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno; o ex-ministro da Casa Civil, general Walter Braga Netto; o ex-ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira; o general Estevam Teophilo; e o ex-comandante da Marinha, almirante Almir Garnier.
Os chefes militares têm defendido que não houve quebra da hierarquia e da disciplina no Exército. Uma evidência disso seria a falta de levantes de militares nos quartéis ou desobediência a decisões tomadas pelos comandos de área.
Por outro lado, a investigação da Polícia Federal comprovou que militares da ativa foram responsáveis pela redação e coleta de assinaturas de uma carta apócrifa, de novembro de 2022, que buscava pressionar o comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, a adotar postura radical favorável aos pedidos por golpe.
Militares são proibidos por lei e regulamentos de se manifestar coletivamente, seja sobre atos de superiores ou em caráter reivindicatório ou político.
Comandantes sem tropa
O general Estevam Theophilo, comandante do Comando de Operações Especiais Terrestres (Coter), é apontado como um dos envolvidos, mas o Exército ressalta que o Coter não possui tropas subordinadas diretamente e não poderia tomar ações sem a anuência do comandante do Exército.
Outra crítica é direcionada aos militares que trocaram mensagens com o ex-ajudante de ordens Mauro Cid, como o coronel Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros e outros, sendo considerados como coadjuvantes no roteiro golpista.
A estratégia dos militares é tratar esses colegas como coadjuvantes do golpe, enfatizando que não possuíam poder de atuação significativo. Repetem que militares que comparecem a encontros com Bolsonaro atenderam a chamados do chefe do Executivo, embora as reuniões fossem para discutir atos ilegais. Além disso, questiona-se o papel atribuído às Forças Especiais, consideradas de “chão de fábrica” e sem grande influência de comando.
Figuras centrais como o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, e o ex-ministro da Defesa, Walter Braga Netto, ambos na reserva, também são mencionados, mas sua capacidade de mobilizar tropas ativas é questionada.
Individualizar condutas
O Alto Comando das Forças Armadas (ministro da Defesa, José Múcio, e comandante Tomás Paiva) destaca a necessidade de avançar nas investigações para individualizar as condutas, buscando evitar que os episódios contaminem as instituições. Na percepção desses militares, os envolvidos no suposto golpe são limitados a poucos indivíduos e não representam o Exército como um todo.
A forma como os fatos são descritos pela PF é vista como discrepante com a realidade, segundo esses oficiais. A PF, no entanto, leva a crer que os militares envolvidos faziam parte de uma elite capaz de subverter o regime democrático.
A Polícia Federal investiga os cinco oficiais generais por suposto envolvimento em um plano para impedir a posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e manter Jair Bolsonaro no poder. Documentos revelados pelo Supremo Tribunal Federal apontam que os militares teriam participado de discussões sobre medidas como a suspensão do resultado das eleições presidenciais de 2022 e até a prisão de ministros do Supremo.
Segundo relatórios da PF, esses oficiais fizeram parte de diferentes núcleos da organização que planejou o golpe de Estado. Augusto Heleno teria integrado o núcleo de inteligência, responsável pela coleta de informações para auxiliar as decisões de Bolsonaro. Braga Netto, Almir Garnier, Estevam Teophilo e Paulo Sérgio Nogueira teriam sido parte do núcleo de “Oficiais de Alta Patente”, responsáveis por influenciar e incitar apoio aos demais núcleos da organização.
A operação da PF já resultou na prisão de três militares e um ex-assessor de Bolsonaro. Os cinco militares são investigados pela PF por crimes como tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado democrático de direito. As penas por esses crimes podem chegar a 12 anos de reclusão.
Embora esses militares queiram parecer meros recrutas de quartel, sem poder de decisão nem tropa, o golpe não implica em colocar militares nas ruas. Em 1964, quando os militares foram para as ruas, o golpe já tinha sido dado e não foi preciso dar nenhum tiro. O ambiente político e militar foi inundado por informações convencendo a todos do golpe. Portanto, esses militares de agora agiram para persuadir seus contatos de que estavam todos os militares aderindo, assim, depois, se necessário, viriam as tropas.
“A troca de mensagens evidencia que militares da ativa e integrantes do governo do então Presidente JAIR BOLSONARO estavam dando suporte material e financeiro para que as manifestações antidemocráticas permanecessem mobilizadas, visando garantir uma falsa sensação de apoio popular à tentativa de Golpe de Estado em andamento”, diz a PF.
Especialistas apontam que a investigação é inédita no país e pode impactar as relações entre militares e o governo. No entanto, a estratégia adotada pelas Forças Armadas e pelo governo Lula parece ser isolar os responsáveis pelo golpe, em vez de responsabilizar a instituição como um todo. Mesmo assim, a mentalidade “intervencionista” entre os militares pode persistir, o que representa um desafio para a democracia brasileira.