O humor eterno de Luis Fernando Verissimo
Luis Fernando Verissimo, aos 88 anos, no dia 30 de agosto, fechou os olhos em direção ao celestial, mas segue encantando corações com seus escritos, suas personagens — como a ‘Velhinha de Taubaté’ — e seus ensinamentos. Ele continua plantando sorrisos por onde passa, com contos, crônicas, romances e quadrinhos carregados de humor, sátira política e ironia.
Certa vez, o genial escritor disse: “Vou morrer sem realizar o meu grande sonho: não morrer nunca.”
Tomo a liberdade de dizer: penso que cometeu um grande equívoco. Verissimo permanece gigante entre nós. O seu sonho não morreu; virou a mais bela sinfonia de palavras e humanidade.
A música do seu sax e os tons das tintas de sua pena são vinhedos incessantes que saciam nossa sede por justiça social e enchem o dia a dia de graça.
O notável escritor gaúcho publicou mais de 70 livros, com 5,6 milhões de cópias vendidas, e se tornou um dos cronistas mais lidos do país, com colunas em jornais como O Estado de S.Paulo, O Globo e Zero Hora.
O vinho literário de Verissimo está por toda parte e não se esgota. Cada vez mais pessoas são atraídas pelo seu sabor intenso, ao mesmo tempo ácido e aveludado, cheio de camadas e aromas, um misto de notas complexas e descomplicadas que narram o viver em suas múltiplas nuances e fases.
Sua vida e obra são um blend fascinante do cotidiano, misturando sentimentos secos e adocicados, sempre com muita sensibilidade e imaginação.
Como não se encantar, por exemplo, com a crônica Metamorfose? Verissimo dialoga diretamente com a obra homônima de Franz Kafka — o escritor tcheco que criou a clássica história de um homem que acorda transformado em barata, metáfora sobre alienação, desumanização e a fragilidade da condição humana numa sociedade que só valoriza quem é produtivo e segue as normas convencionais.
Só que Verissimo segue pelo caminho inverso: em sua versão bem-humorada, ele brinca com a ideia de que é a barata quem desperta como ser humano — e logo se atrapalha com regras, dinheiro, convenções sociais e padrões estéticos. Com ironia e leveza, expõe o absurdo de muitos de nossos costumes: a rotina mecânica e repetitiva, a busca incessante por status e aparência.
No fim, rimos com a barata “humanizada”, mas também reconhecemos o quanto nossa própria vida pode ser mais absurda e sufocante do que a de um simples inseto.
Veja estes trechos impactantes da crônica:
“Uma barata acordou um dia e viu que tinha se transformado num ser humano… Pensar, para a ex-barata, era uma novidade. Antigamente ela seguia seu instinto. Agora precisava raciocinar…”
“Difícil era ser gente… Precisava comprar comida e o dinheiro não chegava. As baratas se acasalam num roçar de antenas, mas os seres humanos não. Conhecem-se, namoram, brigam, fazem as pazes, resolvem se casar, hesitam.”
“Vandirene acordou um dia e viu que tinha se transformado em barata. Seu último pensamento humano foi para seu dinheiro rendendo na financeira… Depois desceu pelo pé da cama e correu para trás de um móvel. Não pensava mais em nada. Morreu cinco minutos depois, mas foram os cinco minutos mais felizes de sua vida.”
Além de escrever muito, seus pensamentos de sabedoria correm caudalosos, afirmando que tudo se renova o tempo todo:
“Quando a gente acha que tem todas as respostas, vem a vida e muda todas as perguntas.”
O jornal Saudade Brasileira acabou de anunciar uma boa notícia:
A vinícola Literatura do Riso, do Rio Grande do Sul, acaba de liberar uma nova safra do VINHO VERISSIMO para as capitais do Brasil e do mundo — e enviou uma edição especial para o céu.
Hoje tem FESTA POÉTICA VERISSIMA por lá. Os membros da ABL que já habitam a ilha do infinito estão organizando uma recepção memorável para o grande encontro do consagrado romancista Érico Verissimo com seu amado filho Luis Fernando Verissimo. A balada literária promete ser emocionante.
Luis Fernando Verissimo, você está imortalizado na história. Como mesmo disse:
“A vida é a melhor coisa que eu conheço para passar o tempo.”
E continuará sendo.
Aqui na Terra seguimos brindando com seu vinho literário, decantando e degustando cada invenção de sua mente brilhante.
Leitores da Contee, aproveitem o fim de semana para se embriagar de Verissimo! Cinco obras imperdíveis para se deliciar e dar boas gargalhadas:
- Diálogos Impossíveis (2012) – A coletânea de crônicas foi o último livro publicado por Verissimo, reunindo textos que refletem sua sagacidade e humor refinado.
- O Melhor das Comédias da Vida Privada (2004) – Uma seleção das célebres crônicas sobre o cotidiano, repletas de ironia e observações divertidas sobre a vida em sociedade.
- Todas as Histórias do Analista de Bagé (2002) – Aventuras do gaúcho freudiano que aplica sua terapia de forma nada convencional, entre joelhaços e reflexões bem-humoradas.
- Comédias para se Ler na Escola (2000) – Um dos maiores sucessos do autor, com mais de 1,2 milhão de exemplares vendidos, trazendo histórias engraçadas e inteligentes sobre o mundo escolar.
- As Cobras (1975) – Um clássico que mistura humor, crítica social e política, abordando religião, futebol e a vida brasileira, em pleno regime ditatorial.
Por Romênia Mariani



