Hermeto Pascoal: Vento infinito da música
Chegou a um universo celestial, em 13 de setembro de 2025, um grande inventor albino, deixando o mundo em silêncio e, ao mesmo tempo, grato por sua presença autêntica e plural. Hermeto Pascoal (1936-2025), o bruxo da música popular brasileira, agora soprava seus sons pelo infinito.
Nesse cosmos imaginário, tudo se preparava para ganhar vida musical: pratos, talheres, bacias, cadeiras, chaleiras, mesas — tudo, absolutamente tudo, pulsava com sons que aguardavam apenas o toque de Hermeto. A ordem do universo se agitava em uma efervescência cultural única.
Entusiasmado, Hermeto convocou os elementos do cosmos — estrelas, ventos, objetos e forças invisíveis — para propor a criação da Praça do Som e da Orquestra Sinfônica dos Objetos.
Abriu a conversa dizendo:
— Por 89 anos percorri o Brasil e terras estrangeiras com minhas peripécias musicais, e quero continuar as traquinagens por estas plagas.
O próprio universo parecia responder:
— E como funcionam essas travessuras melódicas?
Hermeto fez uma pausa e filosofou:
— Vejo sonoridade em tudo. O silêncio cantarola. Os seres inanimados, fisgados pela sensibilidade, ganham movimento e formam um conjunto harmônico. Até o que parece estático despertará cedo para os ensaios.
Assim, entre estrelas, ventos e objetos animados pela música, Hermeto iniciou seu projeto infinito e inventivo. Lembrando que a música é linguagem universal, capaz de tocar corações em todos os planetas e continentes.
A ventania sonora que atravessou fronteiras
Hermeto sempre enxergou o mundo como música. Sua frase emblemática ressoa como testamento de sua obra:
“A música é como o vento, ela se espalha pelo mundo inteiro e vai para qualquer lugar.”
Alagoano de Lagoa da Canoa, nascido em 1936, fez da infância entre pássaros e a ventania sertaneja o laboratório de sua sonoridade singular. Com intensa liberdade, combinou jazz, música popular brasileira e ritmos regionais, deixando uma obra que é resistência e irreverência pura.
Hermeto também fez da sua música a sua bandeira de luta e voz contra o autoritarismo. Em uma das entrevistas que concedeu, afirmou com coragem:
“A ditadura não resiste à música. Nada resiste à música. Nada, nada, nada.”
Legado de amor para ouvir no fim de semana
Em 2024, aos 88 anos, lançou seu último álbum: “Pra Você, Ilza”, uma carta de amor dedicada à memória de sua esposa Ilza da Silva. O disco reúne 13 faixas inéditas, escolhidas entre quase 200 partituras compostas entre 1999 e 2000 — prova de que, para Hermeto, a música era também afeto transformado em arte.
Entre seus discos mais marcantes estão:
- A Música Livre de Hermeto Pascoal (1973)
- Slaves Mass (1977)
- Só Não Toca Quem Não Quer (1987)
- Calendário do Som (1999)
- Natureza Universal (2018), vencedor do Grammy de Melhor Disco de Jazz Latino
A música de Hermeto permanece como o vento: livre, imortal, atravessando fronteiras do tempo e do espaço.
Afinal, como ele mesmo sentenciou:
“A música é o ar que a gente respira.”
E podemos dizer mais: a música é o som da vida — Hermeto transformou vida em música e música em eternidade. Seguiremos respirando o vento infinito de sua produção potente, sentindo a beleza de sua música em cada instante, em cada objeto que toca, em cada silêncio que canta.
Hermeto Pascoal continua revolucionando com seu talento e genialidade.
Brindemos o fim de semana com muitos “hermetismos pascoais”. Viva o alquimista dos sons e mestre da invenção. Saravá!
Por Romênia Mariani





