Em defesa do conhecimento como bem público

A mercantilização da educação e da pesquisa, uma das facetas do neoliberalismo, encontra nestes rankings um dos seus instrumentos mais eficazes

A recente e emblemática decisão da Universidade Sorbonne, uma das instituições de ensino mais prestigiadas do mundo, de se retirar do ranking Times Higher Education (THE) não é um mero ajuste administrativo. É um ato de profunda ressignificação dos valores acadêmicos e uma resistência declarada à lógica de mercantilização que tem pautado a avaliação do saber. Ao juntar-se a um movimento global de insatisfação, que inclui instituições tradicionais, a Sorbonne levanta a bandeira por uma universidade mais autónoma, diversa e comprometida com sua missão social, em contraposição à ditadura dos números e das classificações simplistas.

A crítica central, articulada pela reitora Nathalie Drach-Temam, aponta para a natureza opaca e redutora destes rankings. Ao tratá-los como “caixas-pretas”, a Sorbonne denuncia a falta de transparência metodológica e a impossibilidade de as universidades se apropriarem criticamente dos critérios que as avaliam. Esta submissão a métricas definidas por entidades comerciais externas representa uma perda de autonomia.

A agregação de indicadores quantitativos diversos numa única pontuação é, por natureza, incapaz de capturar a complexidade e a riqueza das contribuições universitárias. Como refletir, numa métrica, o impacto de um projeto de extensão comunitária, a promoção do desenvolvimento sustentável ou a qualidade do diálogo entre ciência e sociedade? A resposta mais elementar é: não reflete.

Este modelo de avaliação, além de cego para dimensões essenciais da universidade, é intrinsicamente enviesado. Ao priorizar periódicos científicos de língua inglesa, os rankings promovem uma hegemonia cultural e linguística que marginaliza áreas cruciais como as Ciências Humanas e Sociais, cujas formas de divulgação são naturalmente mais plurais. O resultado é um empobrecimento do panorama acadêmico global, onde disciplinas e vozes que não se encaixam no molde anglófono são sistematicamente desvalorizadas. A universidade, que deveria ser um farol de diversidade epistemológica, vê-se forçada a correr atrás de um padrão único para sobreviver na corrida rankings.

A decisão da Sorbonne, no entanto, não se limita ao campo da crítica: mostra-se propositiva e aponta para um novo paradigma. Ao abandonar também o uso da base de dados Web of Science, de propriedade da Clarivate, a universidade francesa declara o fim de sua dependência de infraestruturas fechadas.

O plano é migrar para plataformas abertas e participativas, como o OpenAlex, que oferecem acesso gratuito ao conhecimento. Esta transição é profundamente simbólica e prática. Significa “recuperar a propriedade” dos dados produzidos com financiamento público, tornando-os acessíveis à sociedade que os financia. É uma rejeição direta ao modelo de negócio que transforma o produto do trabalho intelectual coletivo em commodity controlada por corporações privadas.

Esta postura coloca a Universidade na vanguarda de um debate ético e político mais amplo. A mercantilização da educação e da pesquisa, uma das facetas do neoliberalismo, encontra nestes rankings um dos seus instrumentos mais eficazes. Eles convertem prestígio acadêmico, construído ao longo de séculos, em capital simbólico transacionável, influenciando desde as escolhas de estudantes até as decisões bilionárias de financiamento.

Ao se retirar deste jogo, a Sorbonne desafia a lógica perversa e nos inspira em reafirmar a universidade como um espaço de produção de conhecimento livre, crítico e orientado para o bem comum, e não para a satisfação de indicadores de mercado.

A saída da Sorbonne do ranking THE é, portanto, muito mais do que um boicote. É um manifesto. É a declaração de que a verdadeira excelência académica não pode ser capturada por uma pontuação, que a diversidade é um valor inegociável e que a universidade deve servir à sociedade, e não a interesses comerciais. Com esse gesto, ressoa um apelo para que a comunidade científica global reassuma as rédeas da sua própria avaliação, construindo sistemas mais justos, transparentes e significativos. A atitude política e acadêmica da Sorbonne pode ser silenciosa, mas seu eco tem a possibilidade de nos ajudar a lutar para redefinir o presente e o futuro da educação superior.

Carlos Bauer é professor do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE), da Universidade Nove de Julho (UNINOVE).

Referência

PORTALA, Juliette. Por que a Sorbonne saiu do ranking universitário. Ciência|Negócios, 9 out. 2025.

Disponível em: https://sciencebusiness.net/news/universities/why-sorbonne-pulled-out-university-ranking?utm_source=ActiveCampaign&utm_medium=email&utm_content=EU+launches+AI+strategies+to+boost+competitiveness+and+science&utm_campaign=Science%7CBusiness+Bulletin+No++1276+%28Copy%29 Acesso em: 12 out. 2025.

Fonte
Diplomatique

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