Debate de regra eleitoral preocupa defensores de reforma política ampla
Brasília – A necessidade de enfatizar nas mobilizações populares pela reforma política que o que se quer é um novo modelo da estrutura política do país, algo mais complexo do que simples alterações nas regras eleitorais, foi consenso no seminário realizado ontem (4) pela CUT no Senado. Além de representantes de sindicatos de todo o país, participaram especialistas, movimentos sociais e entidades diversas da sociedade civil.
Se a mudança não passar por itens que transformem radicalmente a estrutura em vigor no país, várias normas do atual modelo serão mantidas, assim como as desigualdades. Segundo enfatizaram os oradores, é importante mudar a forma de financiamento de campanhas eleitorais pelas empresas privadas.
O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães destacou a importância da pressão popular. Para ele, o país está diante de uma séria investida conservadora para aprovar o financiamento privado de campanhas com a retomada da tramitação de projetos antigos, pela Câmara dos Deputados. Os projetos são considerados um retrocesso pelo teor que apresentam, sem contemplar os principais anseios da população.
Ele defende que a mobilização social para conter a investida conservadora no Congresso parta de entidades como a CUT, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e as demais centrais sindicais, o que já vem ocorrendo.
Guimarães disse que o tempo preocupa. Considerou louváveis o apelo por uma constituinte exclusiva pela reforma política, ressalvando que o processo, talvez, demore muito a ser aprovado, motivo pelo qual acredita que o momento é de urgência. “Temos de ficar alerta quanto a isso”, frisou.
O embaixador sugeriu que, em paralelo às mobilizações pela reforma, seja intensificada a pressão junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que o ministro Gilmar Mendes devolva o seu voto-vista referente à ação da OAB que pede avaliação da constitucionalidade do financiamento privado de campanhas, o que levará à continuidade da votação no plenário do tribunal. E, também, que se discuta uma forma de financiamento privado individual, para que a proposta das entidades não fique apenas no campo do financiamento público.
“O importante é mudarmos a lógica atual. Por conta desses financiamentos de empresas aos políticos, a maioria absoluta do país é representada hoje por uma enorme minoria no Congresso Nacional”, disse.
Desigualdade
O professor José Antonio Moroni, representante do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e integrante da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma Política, abordou o tema na mesma linha. “Precisamos entender do que estamos falando quando pedimos pela reforma política. Não é apenas o processo eleitoral, é muito mais amplo o debate sobre o sistema político brasileiro. Queremos discutir, na verdade, a questão do poder numa sociedade estruturada na desigualdade.”
Moroni explicou que o poder no sistema político reflete essa desigualdade: somente 10% de representantes das mulheres estão no Congresso, apenas 15% de negros e negras, e entre os índios não há um único representante na atual legislatura. “Quando vamos para os jovens, a situação é pior ainda, se levarmos em conta o fato de que eles correspondem a 6% da representação total do Congresso, e mesmo assim, os que estão lá são, em sua maioria, parlamentares conservadores que herdaram politicamente a influência e eleitorado de pais e avós políticos.”
“É por isso que o poder precisa ser colocado no centro desse debate. Passa pelo financiamento privado de campanhas, pelo poder econômico e até pela maior influência da população no processo decisório dentro do Congresso”, acrescentou.
O deputado Nilmário Miranda (PT-MG) afirmou que é preciso defender a democracia e a legalidade, e que a reforma política é uma causa essencial nesse sentido. “Estamos vivendo um cerco absoluto no aparelho ideológico do Estado. A burguesia não quer entender que ganhamos a eleição, fala em várias formas de retirada do poder constituído”, disse.
“Precisamos ter esse compromisso de lutar pela legalidade e pela democracia no Brasil. Muita coisa parece acontecer da forma como era observado na década de 60. A Petrobras estava no centro da disputa, as pessoas queriam aproveitar a política de corrupção nas empresas para desconstruir o governo”, observou. “O momento de buscar a reforma é agora, quando 70% da população do país demonstra insatisfação com o atual sistema político brasileiro”, emendou.
Plebiscito
Paola Estrada, representante da Secretaria Operativa Nacional do Plebiscito, ressaltou ser impossível não observar que, em toda a América Latina, vive-se o que chamou de “contraofensiva do imperialismo associado à direita conservadora contra os governos progressistas”.
“É uma contraofensiva orquestrada. Esse é o grande fato ao qual podemos atentar para falar no projeto de reforma política. No Brasil, não é à toa que o presidente da Câmara dos Deputados (Eduardo Cunha, PMDB-RJ), logo após ter sido eleito, disse que a prioridade da sua gestão seria votar uma reforma política. A pauta faz parte do lobby do empresariado que quer manter os parlamentares atrelados a ele. Isso é muito simbólico dessa ofensiva da direita no nosso país”, afirmou.
Paola defende a luta pelo plebiscito por uma constituinte exclusiva para a reforma política. Para ela, o inimigo, que são os setores conservadores, “é fraco quanto ao plebiscito porque não conta com o apoio da população”.