Projeto de terceirização: dignidade não se terceiriza

Os exemplos recentes demonstram que o Poder Legislativo, com a pressão da “voz rouca das ruas”, tem mais sintonia com os mais legítimos interesses da sociedade brasileira. Utilizemos o nosso direito de cidadão, sob pena de sermos “pegos de surpresa” pelos piratas sociais travestidos de arautos da modernidade. Enfim, tenhamos sempre em mente que dignidade não se terceiriza.

Álvaro Sólon de França*

É incrível como no Brasil as matérias legislativas que tratam diretamente dos interesses da sociedade brasileira tramitam sem a participação, na cena política, do legítimo proprietário do Estado: o povo brasileiro. Por outro lado, “os consultores de plantão” propagam nos grandes veículos de comunicação que a falta de uma legislação que regulamente a terceirização de mão de obra deixa sem proteção doze milhões de trabalhadores, além de encarecer o custo dos produtos e serviços e de tornar as empresas ineficientes e pouco competitivas.

Neste cenário, previamente preparado, foi aprovado na Câmara dos Deputados e encaminhado ao Senado Federal um projeto que permite a terceirização ampla geral e irrestrita em todas as atividades de uma empresa.

Ora, quem, em sã consciência, acredita que a aprovação de uma lei permitindo a terceirização ampla geral e irrestrita, que agride o capítulo da Ordem Social da Constituição Federal, baseado no primado do trabalho e focado no bem-estar e na justiça sociais, irá melhorar a vida do trabalhador brasileiro? Ninguém! Até porque a realidade demonstra a precarização dos direitos dos trabalhadores terceirizados.

Vejam alguns exemplos: O salário dos trabalhadores terceirizados é 24,7% menor do que os dos diretamente contratados pelas tomadoras de mão de obra; no setor bancário, o salário dos terceirizados chega a ser 2/3 menor do que é pago aos contratados, segundo o Sindicato dos Bancários; a taxa de rotatividade dos trabalhadores terceirizados é o dobro daquela dos trabalhadores contratados diretamente pelas empresas.

Conforme dados oficiais do Ministério do Trabalho e Emprego, entre 2010 e 2014, 90% dos casos registrados de redução à condição análoga a de escravidão ocorreram com empresas terceirizadas. Vale ressaltar que as categorias terceirizadas contam com sindicatos menos articulados, que são mais frágeis nas negociações com os patrões. Em tempos de arranjos fiscais, a terceirização fará diminuir a arrecadação de tributos, o que pode comprometer investimentos federais. Ainda, salários mais baixos comprometeriam o mercado interno e impactariam a economia de maneira geral.

Ocorrem mais de 700 mil acidentes, com 2,7 mil mortes por ano no Brasil – os números podem ser comparados a registros de casos de epidemia e até de baixas em uma guerra, mas são parte da dura realidade do mercado de trabalho em todo o Brasil. E a maioria desses acidentes ocorrem em empresas terceirizadas.

Se não bastassem todos esses argumentos para desmistificar os arautos da terceirização e os que alardeiam os custos trabalhistas no Brasil, é salutar registrar que o custo horário da mão de obra na manufatura brasileira em dólar, segundo dados do Bureau of Labor Statistics dos Estados Unidos, representava, em 2012, apenas 24,5% do custo na manufatura alemã, 31,5% da norte-americana, 59,6% da argentina, 57,7% da grega, 54,1% da Coréia e igual à da manufatura eslovaca.

Todos nós nutrimos o desejo sublime de vivermos numa sociedade justa e solidária e que tenha por fundamento primeiro a dignidade da pessoa humana. Sendo assim, se você é trabalhador do campo ou da cidade, servidor público, aposentado, pensionista, acorra ao Parlamento brasileiro e reivindique a rejeição desse projeto de lei, até porque a democracia só é dignificada com a participação de todos.

Os exemplos recentes demonstram que o Poder Legislativo, com a pressão da “voz rouca das ruas”, tem mais sintonia com os mais legítimos interesses da sociedade brasileira. Utilizemos o nosso direito de cidadão, sob pena de sermos “pegos de surpresa” pelos piratas sociais travestidos de arautos da modernidade. Enfim, tenhamos sempre em mente que dignidade não se terceiriza.

(*) Ex-presidente do Conselho Executivo da Anfip (Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil) e do Conselho Curador da Fundação Anfip de Estudos da Seguridade Social, é autor dos livros A Previdência Social é Cidadania e A Previdência Social e a Economia dos Municípios. Email: alvarosolon@uol.com.br

Do Diap

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