Fixação nos presidenciáveis ofusca eleição crucial

Disputa presidencial concentra atenções e relega escolha para o Legislativo ao segundo plano. Apesar de ser tratada com menos importância, eleição dos novos deputados e senadores que vão compor o Congresso é decisiva.

Fernando Haddad ou Jair Bolsonaro? Ciro Gomes e Geraldo Alckmin ainda vão conseguir reagir? Ao acessar o noticiário brasileiro, o leitor ou telespectador pode ter a impressão de estar em 1989, quando a eleição foi avulsa, apenas para presidente. Com a disputa para o Planalto monopolizando o noticiário, outra eleição vem recebendo menos importância do que merece: a escolha dos 513 deputados da Câmara e de dois terços do Senado.

Em 2014, não foi diferente. Com um pleito presidencial marcado por mais uma disputa entre PSDB e PT e a morte de um candidato, o processo de escolha dos membros do Congresso também foi relegado ao fundo do noticiário.

A partir de 2015, no entanto, os deputados e senadores eleitos no ano anterior fizeram sentir sua importância. Em meio ao enfraquecimento do Executivo, os membros do Congresso afastaram uma presidente, arrancaram amplas concessões de outro em troca de proteção legal e aprovaram uma extensa reforma sobre as relações trabalhistas e criaram um novo fundo público de campanhas – duas iniciativas rejeitadas pela maioria da população –, entre outras pautas controversas.

“Embora no Brasil o presidente da República seja mais forte do que é nos Estados Unidos, nosso Congresso também tem muitos poderes”, explica o sociólogo Sérgio Abranches, que cunhou o termo “presidencialismo de coalizão” para definir o complexo sistema brasileiro, em que os presidentes muitas vezes acabam se tornando reféns dos humores do Legislativo. Em 2015, em meio a um conflito com Dilma Rousseff sobre a renegociação de dívidas dos Estados, o então presidente do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), resumiu a importância do Parlamento: “A palavra final será do Congresso Nacional”.

Mas mesmo com tanto poder, o Congresso raramente recebe da população o mesmo acompanhamento que a Presidência. Em janeiro, uma sondagem da empresa de pesquisas Ideia Big Data, apontou que 79% dos eleitores não se lembram dos candidatos nos quais votaram para o Congresso em 2014.

Naquela eleição, dos 513 deputados eleitos, 299 registravam pelo menos uma ocorrência judicial. Eles também estavam longe de representar a composição da população: 80% eram homens brancos. Apenas 10% eram mulheres. Foi esse Congresso que tentou aprovar projetos de anistia de caixa 2 e criou novos mecanismos eleitorais que já estão reforçando a influência de caciques partidários nas eleições e dificultando a possibilidade de renovação.

“Se o Brasil – eu, você, imprensa, partidos, sociedade civil organizada – transferisse 20% da atenção que dá aos candidatos presidenciais para a eleição no Congresso Nacional, eu acredito que teríamos uma democracia mais forte, instituições mais sólidas e um país melhor”, afirmou o analista político Lucas de Aragão, da consultoria Arko Advice.

Milhares de candidatos

Em 2018, 8.953 candidatos se apresentam para as 567 vagas abertas no Congresso. Um eleitor paulista, por exemplo, tem 1.686 opções para deputado federal. Nenhuma pesquisa nacional contemplou como os eleitores vêm se posicionado em relação à eleição da Câmara, mas algumas sondagens estaduais mostram que uma boa parte tem demonstrado pouco interesse na disputa, em contraste com a disputa presidencial. No Espírito Santo, uma sondagem no final de setembro apontou que 61% dos eleitores ainda não haviam definido em quem votar para deputado federal. Em Goiás, eram 73% dos eleitores.

Neste cenário, são os atuais membros do Congresso que largam com vantagem. Analistas apontam que a taxa de renovação do Congresso deve ser baixa, mesmo que pesquisas indiquem que a maioria da população aponte não se sentir representada pela classe política.

Neste pleito, 79% dos deputados e 32 senadores concorrem à reeleição. Se considerados os deputados que se lançaram ao Senado e os senadores que fazem o caminho inverso, 85% dos atuais parlamentares tentam conquistar votos para permanecer no Congresso.

Baixa renovação

Segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), com tantos nomes disputando a reeleição, a taxa de renovação da Câmara deve ser a mais baixa desde 1990. A estimativa é que somente entre 35% e 40% das vagas recebam novos ocupantes. Em 2014, o índice foi de 43%. Entre os 32 senadores que concorrem à reeleição, 26 aparecem bem posicionados nas pesquisas para conquistarem mais um mandato – destes, 17 foram citados na Lava Jato.

Para Antônio Augusto de Queiroz, analista do Diap, parlamentares em exercício largam com uma ampla vantagem: com bases eleitorais consolidadas, cabos eleitorais fidelizados, nome e número conhecidos, entre outros fatores. Com a reforma eleitoral, os atuais parlamentares ainda obtiveram uma vantagem adicional: o encurtamento do tempo de campanha, que caiu de 90 para 45 dias, dificultando ainda mais a tarefa de candidatos novatos. Os veteranos também passaram a concentrar o grosso dos recursos do novo fundo de campanhas.

Mesmo as eventuais “novas caras” do Congresso devem ter um aspecto familiar. Em 2014, 85% dos deputados de primeira viagem que tinham menos de 35 anos tinham parentesco com outros políticos. Outros novatos incluíam membros de siglas nanicas, que incharam o número de partidos no Congresso para 28 siglas, dificultando ainda mais a formação e estabilidade de coalizões no Parlamento.

“Se o presidente da República não tiver base parlamentar, ele não governa. Não basta eleger o presidente da República. Se você não eleger um bom Congresso, o presidente não vai conseguir fazer o que ele pretende”, afirmou a professora de direito constitucional Adriana Ancona de Faria, da PUC-SP.

Guia para escolha do Congresso

Diante desse quadro, algumas iniciativas tentam chamar a atenção para a “outra eleição”. Uma delas é a Um Novo Congresso, movimento apoiado por 30 entidades e ONGs. No seu texto de apresentação, o grupo aponta como, na sua visão, o cenário chegou a esse ponto. “Nenhum dos atuais 513 deputados e 81 senadores foi enfiado goela abaixo de nenhum de nós. Ninguém foi obrigado a escolher esse ou aquele candidato, essa ou aquela candidata. Gostemos ou não, o atual Congresso Nacional é resultado exclusivo das nossas próprias escolhas”, diz o texto.

A iniciativa disponibilizou um guia para que eleitores formem grupos e “rodas de conversa” para discutirem suas escolhas para o Congresso. Entre as sugestões, o movimento aponta que essas rodas podem elaborar listas com opções de candidatos, eliminando aqueles que estão implicados com atos de corrupção ou filiados a siglas nanicas sem qualquer programa para reduzir a desigualdade social.

Outra ferramenta é o “Detector de Ficha de Político”, um aplicativo para celular criado pelo site Reclame Aqui, que permite que os usuários fotografem o rosto do político em qualquer lugar – como folhetos – com o celular. O aplicativo, então, identifica o político fotografado e revela imediatamente quais processos de corrupção ou improbidade administrativa ele responde na Justiça.

“Só o engajamento da cidadania será capaz de alterar esse quadro, escolhendo pessoas com perfil e vocação republicanas e ‘denunciando’ os atuais que não honraram suas propostas de campanha”, aponta Antônio Augusto de Queiroz, do Diap.

Deutsche Welle

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