Política de estrutura e organização da base da Contee
Por Gilson Reis*
UM BREVE HISTÓRICO
A questão que envolve a estrutura e organização sindical no Brasil tornou-se, nos últimos 40 anos, tema presente no cotidiano das entidades sindicais. O assunto engloba as estruturas horizontais e estruturas verticais, bem como todo o complexo sistema organizativo sindical dos trabalhadores. A organização por local de trabalho continua sendo o maior desafio e entrave da estrutura sindical brasileira, ainda hoje muito debilitada e distante da realidade dos trabalhadores. Portanto, a necessidade de estruturação e enraizamento dos sindicatos nos locais de trabalho deve ser um importante objetivo a ser alcançado.
A pulverização de milhares de pequenos sindicatos de categoria é outro permanente desafio para a nossa estrutura sindical. A unicidade sindical, que deveria conter a expansão sindical e o pluralismo, em certa medida favoreceu uma lógica sempre defendida pelo capital como referência para a representação sindical dos trabalhadores, ou seja, sua fragmentação em pequenas e frágeis estruturas. Os sindicatos por empresa sempre foram um sonho acalentado pelos ultraliberais, que consideram que a organização sindical deve estar atrelada à organização do capital e de seus interesses cumulativos.
As estruturas verticais — centrais, confederações e federações — são outros importantes e decisivos instrumentos na estruturação e organização da luta e resistência dos trabalhadores, hoje e ao longo da história. Podemos afirmar que, neste momento, tornam-se ainda mais importantes, devido à permanente movimentação do capital produtivo e do improdutivo, que tendencialmente buscam a concentração e a centralização, seja através de monopólios, oligopólios ou cartéis, constituindo-se, portanto, em grandes empresas de âmbito nacional e regional.
É importante registrar também o papel das centrais sindicais ao longo do tempo, as quais sempre estiveram presentes nas grandes lutas sindicais dos trabalhadores e nos momentos decisivos da história. Cabe ressaltar ainda que somente no governo do Presidente Lula elas alcançaram a condição de legalidade, uma vez que a elite política e empresarial brasileira sempre buscou interferir e dificultar sua existência. Mesmo diante de todas as dificuldades, podemos afirmar que os trabalhadores brasileiros conquistaram e organizaram poderosas centrais sindicais, referência mundial, que interferiram de forma decisiva nos destinos do país nas ultimas décadas.
NOVO CONTEXTO HISTÓRICO
O ciclo democrático construído a partir do fim da ditadura militar no Brasil trouxe um conjunto de conquistas importantes para a sociedade brasileira, como a anistia ampla geral e irrestrita; a Constituinte de 1988; as eleições gerais e a ampliação democrática; o fortalecimento de estruturas institucionais, incluindo a sindical; as organizações populares; a disputa democrática de concepções econômicas e sociais etc. A luta política e democrática foi consolidada e amadurecida ao longo dos anos, apesar de inúmeros problemas e desafios.
Em 2014, com a quarta vitória eleitoral das forças democráticas e populares, as elites políticas, econômicas e sociais locais, em articulação com o grande capital internacional, com setores fundamentalistas, com parte do judiciário e com o apoio do império estadunidense, derrubaram o governo da Presidenta Dilma e estabeleceram uma nova agenda para o pais: a “ponte para o futuro”. O programa, de caráter eminentemente ultraliberal, conduziu o país a uma profunda crise política, econômica e social e garantiu, num pleito atípico e fraudulento, a eleição de um agrupamento ainda mais conservador nos costumes e ainda mais ultraliberal na economia.
Um dos pilares dessa nova ordem política e de um novo ciclo histórico é justamente o ataque aos trabalhadores e suas organizações sindicais. A reforma trabalhista do governo golpista de Temer mudou profundamente as relações de trabalho no Brasil. As mudanças alteraram amplamente a legislação do trabalho, a Justiça do Trabalho e o financiamento das entidades sindicais. A reforma criou inúmeras modalidade de contratos de trabalho — incluindo contratação temporária e/ou intermitente —, tornou a terceirização ampla e irrestrita, precarizou as leis trabalhistas, impôs o negociado sob o legislado, dentre várias outras medidas. A Justiça do Trabalho foi cerceada e controlada pela nova legislação, o que dificulta aos trabalhadores recorrer às instâncias do Judiciário para reaver parte de seus direitos negados pelo capital.
Todavia, é no financiamento das entidades sindicais que o ataque é mais perverso. A contrarreforma simplesmente retirou das entidades sindicais um mecanismo de financiamento conquistado desde os anos 40 do século passado: o imposto sindical. A medida estrangulou toda a estrutura sindical dos trabalhadores. Para piorar ainda mais o ataque, o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou a decisão de permitir a contribuição negocial ou assistencial somente para os filiados aos sindicatos.
Depois de um ano de vigência da nova legislação, sentimos no cotidiano a dimensão e profundidade das mudanças vigentes. Os ataques deferidos pelos golpistas e empresários feriram gravemente a estrutura, organização e o direito do trabalho no Brasil. Diante de tamanha ofensiva, somos chamados a contragolpear nossos algozes e preparar os trabalhadores para futuros e inevitáveis confrontos entre capital e trabalho. No campo da legislação do trabalho, está sendo elaborado, com ampla participação dos trabalhadores, um novo estatuto, um novo arcabouço jurídico que garanta uma legislação equilibrada e avançada entre o capital e o trabalho, em substituição à CLT. Esse estatuto deve ser um norteador, um instrumento convergente de nossas ações e debates para o próximo período.
No que se refere à Justiça do Trabalho, devemos incorporar as várias ações dos magistrados da Justiça do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho, que vêm movimentando a sociedade com debates, manifestações e ações políticas. O objetivo da magistratura aliada ao trabalho é mostrar à sociedade o quanto são graves e inoportunas as mudanças ocorridas no último período na legislação trabalhista. Existe uma guerra não declarada entre os setores do Judiciário que defendem o trabalho de um lado e o capital do outro. É preciso que o movimento sindical dos trabalhadores faça uma opção clara e objetiva no sentido de apoiar e fortalecer todas as iniciativas do Judiciário comprometido com o trabalho e com os trabalhadores, não permitindo novos retrocessos, como, por exemplo, o fim da Justiça do Trabalho, proposta que circula nos bastidores de Brasília.
Quanto à questão do financiamento da estrutura sindical, nós — centrais, confederações, federações e sindicatos — precisamos intensificar e ampliar o debate com nossas bases e representações sindicais. No processo da contrarreforma, o governo, os empresários e a mídia nos derrotaram dizendo que o movimento sindical brasileiro tinha apenas um interesse na proposta apresentada pelo governo: a manutenção dos privilégios aos dirigentes sindicais que usufruíam de recursos dos trabalhadores para seus próprios interesses. Precisamos retomar com força esse debate entre os trabalhadores, mesmo porque, com o passar do tempo e o aprofundamento da crise, os próprios trabalhadores vão reconhecendo as trapaças e mentiras ditas pelos representantes do capital. A contribuição compulsória aos sindicatos através de mensalidades, para todos que forem abrangidos pela convenção ou acordo coletivo, deve ser um dos pilares dessa agenda financeira de sustentação das entidades sindicais. A contribuição direta ajuda a conscientizar os trabalhadores sobre a importância dos sindicatos e de sua estrutura organizativa, cria sinergia e adesão política à entidade. Entretanto, somente com a contribuição mensal voluntária os sindicatos teriam dificuldades em sua gestão e financiamento. No Brasil, temos uma imensa rotatividade de emprego, pouquíssima democracia nos locais de trabalho, uma grande precarização do trabalho, principalmente com a terceirização ampla e irrestrita, o que dificulta ainda mais a relação dos terceirizados com os sindicatos profissionais, dentre outras dificuldades.
Nesse sentido, uma taxa compulsória aprovada em assembleia da categoria, compatível com um razoável desconto e que garanta a gestão dos sindicatos e suas estruturas, deve ser nossa meta. Essa taxa será paga por todos os trabalhadores e trabalhadores abrangidos pelas convenções coletivas de trabalho e acordos coletivos de trabalho, independente de sua filiação, incluindo os terceirizados, intermitentes, pejotizados etc. A regulamentação dessa norma deve vir por meio de uma lei ordinária, conforme determina a Constituição Federal, em seu artigo 8°, parágrafo IV. A matéria votada no STF pelos ministros desconfigurou o texto constitucional ao impor limites aos contribuintes e, por consequência, às receitas dos sindicatos. O Supremo feriu a liberdade de organização sindical determinada pela própria Constituição e pelos constituintes. O ativismo judicial dos ministros do STF violou a Constituição ao legislar sobre matérias de responsabilidades do Congresso Nacional.
A CONTEE E OS DESAFIOS PARA O PRÓXIMO PERÍODO
O Conselho Sindical (Consind) da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimento de Ensino — Contee, realizado em novembro de 2018 em Brasília, aprovou por unanimidade duas orientações gerais para as entidades filiadas de base: sindicatos e federações.
A primeira diz respeito à contribuição dos sindicatos à Confederação. Conforme decisão, a partir de janeiro de 2019 será cobrado dos sindicatos um valor nominal de cada trabalhador filiado à entidade de base. A soma desses valores corresponderá a uma mensalidade paga pelas entidades de base à Contee. Esses valores serão obrigatórios até o Congresso Extraordinário da entidade, marcado para julho de 2019. Os valores nominais estão previstos em decisão congressual e seus valores são de R$ 0,15 até R$ 0,22, conforme definição do Consind, a depender do número de trabalhadores filiados ao sindicatos e informados à Contee. O Congresso Extraordinário de julho poderá fixar novos valores a serem cobrados a partir de agosto de 2019.
Compreendemos que a situação derivada da contrarreforma de Temer, a expansão do capital privado na rede privada, a constituição de grandes conglomerados no setor, as dificuldades impostas pelas novas relações de trabalho, o avanço do fundamentalismo na educação, o modelo privatista de Bolsonaro, a desregulamentação proposta pelo governo, a privatização das escolas públicas etc. colocaram a Contee no centro da luta política e sindical. Portanto, o fortalecimento político e material da entidade, para cumprir um novo e estratégico papel nas relações educacionais e de trabalho, será decisivo para o avanço de toda a estrutura política e organizativa dos professores e auxiliares da educação privada no país.
A segunda medida definida pelos delegados e delegadas do Consind diz respeito à nossa organização e estrutura sindical. Em primeiro lugar, no que pese as entidades de base serem filiadas em mais de uma central sindical, consideramos estratégico e de grande importância a adesão e o comprometimento político e financeiro com nossas centrais sindicais. Conforme descrito acima, a luta de um século para viabilizar juridicamente e fortalecer politicamente as centrais sindicais foi decisiva para esse ciclo histórico que se encerrou com o golpe de Estado. Temos a mais completa certeza de que as centrais sindicais serão norteadoras e catalizadoras das lutas que impreterivelmente serão travadas pelos trabalhadores e trabalhadoras do Brasil no próximo período.
Em relação à organização e à estrutura da Contee, indicamos a construção e consolidação de sindicatos com capacidade de enfrentar o capital monopolizado e concentrado nos grandes grupos empresariais. Não é prudente manter sindicatos frágeis, com bases restritas, com pequena capacidade material, com fragilidades financeiras e de representação. Sindicatos que não jogam o papel diante do grande capital, da expansão privatista e da precarização do trabalho. Uma ofensiva gigantesca. Fundir sindicatos, criar sindicatos regionais e/ou estaduais, com maior capacidade material, política e organizativa devem ser nossas metas. Contudo, também não podemos prescindir da organização no local de trabalho, fortalecer a presença de jovens nos sindicatos, aumentar a participação das mulheres, da representatividade racial, abrir espaços para a participação de grupos LGBTI nas estruturas sindicais, dentre outras medidas. Sindicatos fortes, combativos, representativos e de luta.
Por fim, indicamos no XX Consind a fusão das federações que compõem o sistema Contee. Hoje, temos dez federações dispersas e fragilizadas pelo país devido às medidas de desmonte sindical aprovadas no último período. Compreendemos que o fortalecimento dessas entidades intermediárias ajudará muito na articulação e construção da política desenvolvida pela direção da Contee. Uma estrutura intermediária que fará permanente sinergia entre a entidade nacional e os sindicatos de base. As federações também cumprirão uma função decisiva nos processos de negociações coletivas nas regiões do país, garantindo uma maior unidade no enfrentamento aos conglomerados regionais. Ainda ajudarão fortemente nas restaurações dos sindicatos de base, ajudando-os no processo de fusão e fortalecimento. Em nossa opinião, o sistema Contee comportaria no máximo cinco ou seis federações, organizadas nas regiões Sul, Sudeste, Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Enfim, o movimento sindical brasileiro precisa se reinventar e repensar novas formas de organização e estrutura capazes de enfrentar os imensos retrocessos verificados no mundo do trabalho desde o golpe de Estado de 2016. A direção nacional de nossa entidade aprovou em seus fóruns estatutários, de maneira unânime, essas diretrizes e orientações. Precisamos construir um movimento sindical dos trabalhadores forte e unitário, capaz de enfrentar os desafios que a situação política exige de todos nós. Vamos à luta.
*Gilson Reis é coordenador-geral da Contee