Relator da ONU no Brasil recebe denúncias sobre gestão ambiental do governo Bolsonaro
A questão do vazamento de óleo na costa do Brasil foi destaque em audiência pública na Câmara dos Deputados nesta terça-feira (3), com a presença do relator especial da ONU na área de “Implicações da gestão e eliminação ambientalmente racional de substâncias e resíduos perigosos”, Baskut Tuncak.
Em missão oficial no Brasil até o dia 13, o emissário esteve na Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Casa para ouvir relatos e receber dados de parlamentares e especialistas sobre o tema.
Em meio ao drama que afetou, até agora, a costa de 11 estados brasileiros, o coordenador da comissão externa da Câmara que acompanha as investigações sobre o vazamento de óleo, deputado João Daniel (PT-SE), destacou que o problema foi identificado em 30 de agosto e chegou a um total de 866 localidades em 127 municípios, segundo o último boletim do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais).
“Não temos, até hoje, nenhuma comprovação da origem do óleo. O governo federal em nenhum momento atuou sobre o caso sem antes ter havido uma denúncia ou cobrança por parte da sociedade, da Câmara Federal, do Senado e, em especial, das comunidades atingidas”, relatou o parlamentar.
O problema dos resíduos tóxicos se desdobra também em outras questões, que foram levadas ao relator da ONU também por operadores do sistema de Justiça e integrantes de movimentos populares.
“Suspensão de direitos”
A subprocuradora-geral da República Deborah Duprat, titular da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), compartilhou diferentes preocupações, entre elas atuação de empresários do agronegócio e de outros ramos que dificultam demarcações de áreas para a reforma agrária, indígenas e quilombolas. Ela afirmou que o Brasil vive um quadro de “suspensão de direitos”.
“Nós temos um quadro de irresponsabilidade empresarial, apesar de o direito brasileiro trazer uma legislação muito interessante sobre responsabilidade nas empresas, especialmente no campo ambiental, e de a Suprema Corte ter decidido, em mais de um caso, que as empresas têm compromisso tal qual o Estado de observar, proteger e promover direitos humanos”, completou, ao mencionar ainda a atuação de mineradoras.
A ação predatória de empresas de mineração também foi lembrada pelo geraizeiro Adair Nenzão, da comunidade Vale das Cancelas (MG), que resgatou os casos de Mariana (MG) e Brumadinho (MG), cidades devastadas pelo rompimento de barragens da companhia Vale.
“Não aceitamos mais mineração em Minas e pedimos a imediata interdição dessas empresas. É preciso que haja senso de humanidade e respeito pelo povo de Minas Gerais e do Brasil”, apelou, ao pedir auxílio da ONU para o caso.
Agrotóxicos
Teve destaque ainda a liberação de agrotóxicos no Brasil, que já contabilizada 467 produtos inéditos no mercado nacional este ano, o primeiro da gestão Bolsonaro.
“É o maior índice da historia do país, sendo que mais de 40% deles são proibidos por outros países. Hoje se sabe, por meio de pesquisa, que um em cada quatro municípios do país tem na sua água um coquetel de agrotóxicos”, destacou o presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Leonardo Pinho, ao mencionar os riscos da contaminação por esse tipo de produto.
A exposição a resíduos químicos pode ser a maior causa de doenças e mortes no mundo, segundo aponta a Organização das Nações Unidas (ONU). A problemática atinge principalmente a população pobre de países de baixa ou média rendas, alvo de mais de 90% das ocorrências.
A militante Naiara Bittencourt, da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, sublinhou a preocupação com a nova classificação toxicológica da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que relativiza a gravidade de determinados pesticidas.
“Produtos cujo dano não é tão perceptível ou que têm consequências vistas num período de tempo maior, como as intoxicações crônicas, não mais terão a caveira indicativa na embalagem. Imaginem uma criança ou mesmo um trabalhador rural que não sabe ler. Eles não vão mais identificar nesse produto um risco tóxico. Isso é muito preocupante”, afirmou ao relator da ONU.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) também levou preocupações relacionadas à expansão de pesticidas no campo brasileiro. “Nossa produção está sendo muito ameaçada porque não estamos conseguindo comprovar a certificação dos nossos produtos por estarmos recebendo chuvas de veneno provocadas por aviões e máquinas agrícolas”, relatou a dirigente nacional da entidade Antonia Ivoneide de Melo Silva.
Já o líder indígena Jânio Guarani Kaiowá, do Mato Grosso do Sul, lembrou que a questão do uso de veneno pelo agronegócio causa doenças, atinge escolas indígenas, aldeias em geral e provoca também morticínio de lideranças que resistem a ações de empresas com atuação predatória. Ele também ressaltou que o veneno contamina rios e ajuda na devastação das florestas. “A natureza está pedindo socorro, e sem ela a gente não é nada”.
Relator
Em uma rápida declaração, o relator Baskut Tuncak pediu aos integrantes da sociedade civil, especialistas e parlamentares que seguissem em clima de resistência. “É grave e tremendamente corajoso o que estão fazendo, principalmente os que já receberam ameaças de morte”.
Ao mencionar a problemática dos agrotóxicos, o emissário lembrou que tais produtos são tóxicos e causam diferentes danos. “Uma das verdades que virão à tona é o estrago econômico que tem sido causado pela intoxicação do planeta. As pessoas estão ficando doentes, infelizes, improdutivas. (…) E também há um mito de que a desregulamentação é boa para os negócios, mas isso não é bom porque promove modelos obsoletos e insustentáveis, faz as sociedades recuarem em vez de avançarem com métodos de produção mais avançado”, argumentou.
Este foi o primeiro compromisso público do relator no país, que deverá ter destaque num relatório a ser apresentado por ele em 2020 na sede da ONU em Genebra, na Suíça.