Bedel, algoz, juíza
Por José Geraldo de Santana Oliveira*
O personagem da música João e Maria, de Chico Buarque, era, a um só tempo, rei, bedel e juiz, e, pela sua lei, todos eram obrigados a ser felizes.
A presidente eleita do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministra Maria Cristina Peduzzi, em entrevista ao jornal “Folha de Paulo”, publicada na edição do dia 16 de dezembro corrente, fez solene e expressa profissão de fé e de reverência — mais apropriado seria dizer subserviência — absoluta aos interesses do capital.
Nessa entrevista, como que parafraseando o personagem da citada música, muito embora tenha se servido de sofisticadas palavras, declarou-se juíza, líder da bancada empresarial, advogada de defesa desse seguimento no TST, chefe de torcida e, por conseguinte, algoz dos trabalhadores e de seus direitos.
Sem nenhum pejo e com a empáfia que lhe é peculiar, a ministra polivalente taxou de tímida a reforma promovida pela Lei N. 13.467/2017, que reescreveu a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), para fazer dela a CLC — consolidação das leis do capital —, estrangulou e esvaziou a organização sindical e esvaziou e amordaçou a Justiça do Trabalho, da qual ela é juíza (ministra) há mais de 17 anos e a qual irá presidir a partir de fevereiro de 2020.
Negou que a Medida Provisória (MP) 905, que deixa envergonhada a referida Lei N. 13.467/2019, possa ser incluída no rol de reformas trabalhistas. Isso não obstante tal MP criar emprego sem direitos, por meio do impropriamente chamado contrato de trabalho verde amarelo, tributar os desempregados e conceder isenção para os empresários que adotarem essa modalidade de contrato.
Não satisfeita, bradou por mais mudanças na CLT, a quem chamou de caduca e inservível; ou, dito em outras palavras, por mais redução e supressão dos direitos assegurados pela CLT e por outros diplomas legais de igual jaez, os quais, a ministra, sem rodeios, afirma não mais servirem aos interesses do capital.
Para fechar com chave de chumbo o seu desapreço pelos valores sociais do trabalho, quarto fundamento da República Federativa do Brasil, conforme o Art. 1º, inciso IV, da CF, a ministra, em cristalino e odiento desprezo pelos sagrados direitos dos trabalhadores ao lazer, descanso, convívio familiar e religioso e ao multissecular simbolismo do dia de domingo, afirma, em tom de repulsivo deboche: “vamos acabar não distinguindo mais segunda de domingo”.
Tomando-se o conjunto das contundentes afirmações da senhora ministra na destacada entrevista, o emprego do verbo ir, na primeira pessoa do plural, reveste-se de caráter majestático e de indicação de como, ao sentir e ao agir dela, o TST deva tratar o trabalho aos domingos.
Parece não haver sequer cogitação de que essa regra poderá ser válida para ela e para o Tribunal que irá presidir.
Como se vê, ao reverso do que assevera o personagem da realçada música de Chico Buarque, para a senhora ministra presidente eleita do TST, o povo trabalhador é obrigado a ser infeliz, como condição primeira para que o capital, a quem ela declara fielmente servir, possa ser plenamente feliz.
Convenha-se que não é nada alvissareiro para o mundo do trabalho saber que a cadeira de presidente do TST, na qual se sentaram e se assentaram ministros com a sensatez, a galhardia, a parcimônia e o inarredável respeito pelos valores sociais do trabalho — tais como Francisco Fausto, João Oreste Dalazem e Antônio Barros Levenhagem, sem prejuízo de outros tantos —, será ocupada por quem não se constrange em declarar guerra a esses valores.
Se a senhora ministra presidente eleita encerrasse o pensamento e a conduta de todos os ministros do TST — o que, felizmente, nem longe pode ser afirmado —, aos trabalhadores seria forçoso inverter a ordem o significado da famosa metáfora de François Andrieux, presente no poema “O moleiro de Sans-Souci”, que, em sua contenda com imperador da Prússia, Frederico II, que pretendia apropriar-se de seu moinho, desafiou-o com a seguinte sentença: “Ainda há juízes em Berlim”.
Se fosse adequado — o que, repita-se, não o é — tomar o TST pelas declarações de sua presidente eleita, os trabalhadores brasileiros teriam de asseverar: não há mais juízes na instância maior da Justiça do Trabalho.
Em que pesem o desalento e a desesperança que a comentada entrevista, inevitavelmente, provoca em todos quantos respeitam a ordem democrática, que não passa de mera figura de retórica sem os valores sociais do trabalho, repudiados pela ministra que a concedeu, isso, em nenhuma hipótese, pode se mostrar bastante para que os trabalhadores façam coro com os combativos de ocasião e os declarados inimigos da Justiça do Trabalho, e abracem a não menos maléfica e repulsiva bandeira de sua extinção.
O TST é muito maior do que a sua presidente eleita, e a ela não sucumbirá, como não sucumbiu sob a presidência do ministro Ives Gandra Martins Filho, que pensa e age como ela.
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee