Os pilares da política econômica do governo ruíram com a crise, afirma Rogério Studart
A atração de investimentos estrangeiros e a expansão do comércio exterior são dois pilares da política econômica do governo Bolsonaro, comandada pelo ministro Paulo Guedes, que simplesmente ruíram com a paralisação da produção provocada pela Covid-19, conforme o economista Rogério Studart, formado na UFRJ e doutor pela Universidade de Londres.
Studart mora nos EUA, trabalhou na ONU e no Banco Inter-Americano de Desenvolvimento (BID). Ele expôs suas ideias durante a Sala Virtual de Debates promovida pela CTB nesta terça-feira (2), ao lado do também economista Antônio Corrêa de Lacerda, presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon) e diretor da Faculdade de Economia e Administração da PUC-SP.
Crise antecede pandemia
O economista observou que a crise econômica brasileira antecede a pandemia. “O país já vinha de três anos de estagnação, com sérios problemas de financiamento nos estados e municípios, que não têm Banco Central, desemprego elevadíssimo e milhões vivendo de bicos, compondo um quadro de uma economia que não ia bem”.
Enquanto isto, o Brasil continuava colocando todas as fixas num projeto de retomada econômica sustentado em dois pilares: a expansão do comércio exterior, a atração de investimentos estrangeiros através das privatizações, associado a reformas que subtraem direitos dos trabalhadores com a promessa de que isto vai gerar novos investimentos e empregos. “Nenhuma dessas hipóteses estava sendo cumprida até a crise”, destacou.
O Covid-19 chegou e derrubou a economia de forma inédita em todo o mundo. No Brasil acabou provocando uma paralisação da economia mais profunda do que em outros países, de acordo com Studart. Ele lembrou que a economia internacional já demonstrava em alguns pontos que estava muito fragilizada. O acúmulo de bolhas especulativas desde a crise 2008 mostrava que as coisas não iam acabar bem.
As coisas vão piorar
A pandemia criou uma crise sem precedentes, paralisou a produção e o consumo na China e, logo em seguida, no mundo inteiro por causa do isolamento social. Isto joga por baixo a perspetiva de ajuda da economia internacional, com investimentos estrangeiros e incremento do comércio exterior. E não há sinais de que ocorrerá uma recuperação rápida das atividades.
Os investimentos caíram, muitas empresas – pequenas, médias e mesmo grandes – estão quebrando, o comércio despencou e a guerra entre EUA e China se agrava. Embora a China continue comprando commodities o comércio global está em queda e os capitais estrangeiros, como é praxe nas crises, fogem de países emergentes como o Brasil.
Desta forma, na opinião do economista, os pilares da política econômica comandada por Paulo Guedes, que já não eram sólidos antes da pandemia, ruíram completamente.
“Soma-se a isto uma resposta absolutamente inadequada do governo federal diante da Covid-19. O Brasil vai passar perrengues maiores do que se a resposta à crise fosse distinta”, argumentou. “Medidas emergenciais vieram atrasadas, por pressão do Congresso, sendo adotadas de forma tímida e reticente. As coisas vão piorar”.
Emissão de moeda
Remetendo à pergunta que foi tema do debate (“Imprimir dinheiro para quê?”), Rogério Studart afirmou que a expansão monetária, rejeitada pela equipe econômica do governo Bolsonaro, é a forma mais eficaz e menos custosa de financiar os investimentos necessários para enfrentar a pandemia e amenizar os efeitos da recessão econômica.
Explicou que existem três formas de financiamento. Uma delas seria através do aumento da arrecadação, que porém é inviável no curto prazo uma vez que a paralisação da produção e o aumento do desemprego provocaram uma forte queda na arrecadação de tributos.
Outra consiste em “vender títulos públicos ao mercado, o que implica no aumento da dívida e pode resultar numa pressão muito grande por um novo ajuste fiscal quando a crise sanitária for superada. O ajuste seria uma tragédia, a receita para nos derrubar de vez”.
A terceira seria emissão de dinheiro associado à aquisição de títulos públicos pelo Banco Central, como se faz em vários e distintos países hoje, como Colômbia, Rússia e EUA, entre outros. Seria a melhor opção, na opinião de Studart, embora o temor de que tal alternativa possa gerar inflação é tão grande que colocaram amarras no Banco Central e será necessária uma mudança no orçamento de guerra para viabilizar a expansão monetária.
“A ideia de que vamos retomar o crescimento econômico atraindo investimentos externos e expandindo o comércio exterior caiu por terra. O Brasil vai ter de ampliar os investimentos domésticos em infraestrutura social, saúde, educação, habitação. O mito de que o governo só pode fazer isto emitindo títulos é uma armadilha, pois aumentando a proporção da dívida pública em relação ao PIB a pressão pelo ajuste vai ser grande e venderemos nosso ativo a preço de banana para o capital estrangeiro”, concluiu ao reiterar a defesa da emissão de dinheiro e rebater o temor de que pode provocar inflação numa conjuntura de recessão econômica.
Umberto Martins