“Paz não pode ser atingida se não houver segurança alimentar”, diz José Graziano em nota sobre Nobel ao Programa Mundial de Alimentos
Responsável pelo Fome Zero no governo Lula, José Graziano contou sua trajetória na direção-geral da FAO e cumprimentou o atual diretor do Programa Mundial de Alimentos, David Beasley, pelo Nobel da Paz
Em nota publicada nesta segunda-feira (12), o ex-diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), José Francisco Graziano, que foi responsável pelo programa Fome Zero no governo Lula, agradeceu às manifestações de carinho por ocasião do Nobel da Paz concedido ao Programa Mundial de Alimentos (PMA) na sexta-feira (9) e relembrou a sua trajetória para promover a segurança alimentar no mundo.
Citando estudos realizados entre a FAO e o PMA sobre a segurança alimentar, Graziano recordou a defesa que fez da ligação que existe entre o combate à fome e a consolidação da paz no planeta.
“Em março de 2016, Angola, então membro não-permanente do Conselho de Segurança da ONU , convidou-me, como Diretor-Geral da FAO a apresentar um desses relatórios que até então era de uso interno das agências do sistema ONU. Na oportunidade, defendi a tese que a a fome é uma variável que pode ser utilizada como próxi dos conflitos; e que a paz não pode ser atingida ou consolidada se não houver segurança alimentar – e vice versa. Até então, o CSNU não havia considerado a fome como parte de suas análises”, conta.
“O prêmio concedido na última sexta-feira reconhece a expertise do Programa Mundial de Alimentos em promover a segurança alimentar em áreas afetadas por conflitos, tendo a capacidade de estar presente rapidamente quando da eclosão de crises. Em tempos em que o sistema ONU está parcialmente paralisado pela crise do multilateralismo desde antes do COVID-19, o PMA, por meio das contribuições voluntárias recebidas, tem conseguido mostrar sua agilidade operacional e logística para chegar nos pontos de conflito e atuar de maneira eficaz”, escreve graziano antes de cumprimentar o diretor-executivo do programa, David Beasley.
Leia a nota de José Graziano na íntegra
Nota sobre o Prêmio Nobel da Paz concedido ao Programa Mundial de Alimentos
Queridos amigos e amigas,
Quero agradecer a manifestação de carinho de muitos de vocês por ocasião do Prêmio Nobel da Paz concedido ao Programa Mundial de Alimentos (PMA), na sexta-feira (11/10).
Gostaria de pontuar algumas questões relacionadas ao trabalho realizado pela FAO na área da paz e segurança alimentar durante meus dois mandatos como Diretor-Geral.
Embora tenha sido criado como um programa conjunto entre a Secretaria-Geral da ONU e a FAO o PMA tem hoje completa autonomia financeira e operacional graças às generosas doações que recebem dos doadores (incluindo o setor privado) para combater a fome em países em emergências seja por conflitos internos, seja por catastrofes naturais.
Ao longo dos últimos anos, a FAO e o PMA estreitaram suas relações de maneira a complementar suas ações em suas sedes, em Roma, e no terreno.
Uma dessas ações materializou-se na produção de relatórios conjuntos, em que também participava a UNICEF e o Escritório das Nações Unidas para Ações Humanitárias (OCHA), sobre o levantamento detalhado da situação da segurança alimentar nos países.
Em março de 2016, Angola, então membro não-permanente do Conselho de Segurança da ONU , convidou-me, como Diretor-Geral da FAO a apresentar um desses relatórios que até então era de uso interno das agências do sistema ONU. Na oportunidade, defendi a tese que a a fome é uma variável que pode ser utilizada como próxi dos conflitos; e que a paz não pode ser atingida ou consolidada se não houver segurança alimentar – e vice versa. Até então, o CSNU não havia considerado a fome como parte de suas análises .Ficou acertado, então, de que a FAO e o PMA entregariam anualmente ao Conselho de Segurança um documento específico sobre a situação da fome nos países avaliados regularmente por aquele órgão, com base naquele relatório de monitoramento em tempo real da segurança alimentar já citado.
Ainda em 2016, em maio, criamos a Aliança pela Segurança Alimentar e Paz entre a FAO e os laureados pelo Nobel para apoiar iniciativas relacionadas à virtuosa e mútua relação entre a segurança alimentar e a construção da paz.
Diante da reação positiva a apresentação no CSNU, a FAO e o PMA, em conjunto com outras agências parceiras, foram solicitadas, em 2017, a produzir um relatório anual sobre crises alimentares agudas, com financiamento da União Europeia. No mesmo ano, FAO e OMS apresentaram em sessão formal do CSNU um relatório conjunto sobre a situação humanitária do Iêmen, até então a pior entre as crises humanitárias de todo o planeta. Consolidou-se, assim, o nexo “paz-desenvolvimento-emergência humanitária”, e que foi evidenciado durante visitas conjuntas dos chefes de FAO e PMA a países em conflito com níveis elevados de insegurança alimentar, como Sudão do Sul (2017) e Níger (2018).
Em março de 2018, entreguei ao Secretário-Geral da ONU, Antonio Guterres, um documento sobre a “Política Corporativa da FAO para a Paz Sustentável” , mesmo mês em que lançamos a segunda edição do relatório de crises alimentares agudas. Em maio desse mesmo ano, o Conselho de Segurança aprovava sua primeira resolução (2417) que atrelava a fome extrema como causadora de conflitos, ponto ressaltado durante a fundamentação do Prêmio Nobel da Paz concedido agora ao PMA .
Vale dizer que, no segundo semestre de 2018, membros do Comitê Executivo do Nobel da Paz realizaram visita às sedes da FAO e do PMA, em Roma, em busca de informações mais detalhadas sobre o trabalho de ambas organizações. Na ocasião, fui convidado a participar de painel paralelo à cerimônia de entrega do Nobel da Paz, em dezembro de 2018, em Oslo, sobre mudanças climáticas, com o ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore, como orador principal. Na ocasião, tive a honra de ser convidado à cerimônia que agraciou a ativista Nadia Murad e o médico Denis Mukwege e participei de discussões informais sobre uma eventual nomeação conjunta de FAO e PMA ao Prêmio Nobel da Paz, tendo em vista o trabalho complementar existente entre as duas organizações.
O prêmio concedido na última sexta-feira reconhece a expertise do Programa Mundial de Alimentos em promover a segurança alimentar em áreas afetadas por conflitos, tendo a capacidade de estar presente rapidamente quando da eclosão de crises.
Em tempos em que o sistema ONU está parcialmente paralisado pela crise do multilateralismo desde antes do COVID-19, o PMA, por meio das contribuições voluntárias recebidas, tem conseguido mostrar sua agilidade operacional e logística para chegar nos pontos de conflito e atuar de maneira eficaz.
Mais uma vez, transmito meus parabéns ao meu amigo, o Diretor-Executivo David Beasley, por esse prêmio merecido, e a toda a equipe do PMA ao redor do mundo.