Relatório Luz recomenda regulamentação e implementação do CAQ para investimento adequado
Monitoramento de grupo de organizações da sociedade civil mostra retrocessos na maioria das metas estipuladas na Agenda 2030, acordo de países coordenado pela ONU para o desenvolvimento sustentável.
Das 11 metas do Relatório Luz 2021 para a educação (veja todas ao final do texto), 8 delas representam retrocesso. Outras duas são ameaças e outra está estagnada.
As metas compõem o ODS 4 – Objetivo de Desenvolvimento Sustentável que prevê a cada país “assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todas e todos.”
Considerando todos os ODSs (17 objetivos), mais de 80% das metas estão em ritmo de descumprimento. Foi realizada audiência pública na Câmara dos Deputados para a exposição das evidências e discussão com parlamentares.
Os retrocessos no ODS sobre educação se dão em acesso e permanência de todas as etapas de ensino na escola, infraestrutura insuficiente, promoção de políticas pautadas nos direitos humanos e diversidades, entre outros. “O descumprimento do Plano Nacional de Educação, pela falta de investimentos e de centralidade de tal política no sistema educacional são o principal fator para o descumprimento também das metas do ODS 4. Se não cumprirmos com a legislação brasileira, não cumpriremos com a Agenda 2030; e a legislação nacional é clara: o desenvolvimento deve servir à garantia dos direitos”, afirmou Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, entidade que integra o GT da Agenda 2030 e que coordenou o capítulo do relatório dedicado à educação.
A exclusão escolar (5,1 milhões de crianças e adolescentes estavam sem acesso à educação em novembro de 2020, de acordo com a PNAD Covid-19 do IBGE) é um dos destaques negativos do relatório, que ressalta a gravidade das desigualdades educacionais existentes no Brasil. Situação essa que se agrava no contexto de pandemia e quando há um recorte por raça e gênero.
Políticas reacionárias do governo Bolsonaro reforçam a estagnação nos índices de analfabetismo e os retrocessos em programas que vão na contramão da promoção da gestão democrática escolar e de perspectivas inclusivas.
No esteio do negacionismo do governo federal, o Relatório Luz 2021 dispõe como sua primeira recomendação a suspensão da Emenda Constitucional 95/2016 (Teto de Gastos) – medida que congela despesas primárias no orçamento federal e atinge negativamente as áreas sociais, como a educação.
Outra recomendação é a a regulamentação e a implementação do Custo Aluno-Qualidade (CAQ), do Sistema Nacional de Educação (SNE) e do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb) – pautas que a Campanha Nacional pelo Direito à Educação considera centrais para as políticas educacionais brasileiras após a conquista do novo e permanente Fundeb.
“Apesar dessa realidade em 2020, o orçamento efetivamente pago para investimentos em infraestrutura para a educação básica foi de apenas R$ 76,5 milhões. A Lei Orçamentária Anual 2021 foi aprovada no Congresso Nacional com 27% de cortes para a área da educação e tendo sofrido o maior entre todos os bloqueios: R$ 2,7 bilhões. A vitória da comunidade educacional com a aprovação do novo Fundo Nacional de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) com garantia dos parâmetros do Custo Aluno-Qualidade (CAQ) tem sido impactada pela imposição de cortes e de orçamentos cada vez mais enxutos para a educação. O Fundeb com CAQ – parte das recomendações do Relatório Luz 2020 – garantiria, em média, R$ 7.200 anuais por matrícula aos estados e municípios. Com os novos contingenciamentos, este será um dos pontos centrais a avaliar no Relatório de 2022”, aponta o documento.
O documento também recomenda a retomada da centralidade de implementação e seguimento do Plano Nacional de Educação 2014-2024 – que também apresenta retrocessos e tendência generalizada de descumprimento de metas há anos.
Metas do ODS – 4
4.1 [AMEAÇADA] Até 2030, garantir que todas as meninas e meninos completem o ensino primário e secundário livre, equitativo e de qualidade, que conduza a resultados de aprendizagem relevantes e eficazes.
4.2 [RETROCESSO] Até 2030, garantir que todos os meninos e meninas tenham acesso a um desenvolvimento de qualidade na primeira infância, cuidados e educação pré-escolar, de modo que eles estejam prontos para o ensino primário.
4.3 [RETROCESSO] Até 2030, assegurar a igualdade de acesso para todos os homens e mulheres à educação técnica, profissional e superior de qualidade, a preços acessíveis, incluindo universidade.
4.4 [RETROCESSO] Até 2030, aumentar substancialmente o número de jovens e adultos que tenham habilidades relevantes, inclusive competências técnicas e profissionais, para emprego, trabalho decente e empreendedorismo.
4.5 [RETROCESSO] Até 2030, eliminar as disparidades de gênero na educação e garantir a igualdade de acesso a todos os níveis de educação e formação profissional para os mais vulneráveis, incluindo as pessoas com deficiência, povos indígenas e as crianças em situação de vulnerabilidade.
4.6 [ESTAGNADA] Até 2030, garantir que todos os jovens e uma substancial proporção dos adultos, homens e mulheres, estejam alfabetizados e tenham adquirido o conhecimento básico de matemática.
4.7 [RETROCESSO] Até 2030, garantir que todos os alunos adquiram conhecimentos e habilidades necessárias para promover o desenvolvimento sustentável, inclusive, entre outros, por meio da educação para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida sustentáveis, direitos humanos, igualdade de gênero, promoção de uma cultura de paz e não-violência, cidadania global, e valorização da diversidade cultural e da contribuição da cultura para o desenvolvimento sustentável.
4.a [RETROCESSO] Construir e melhorar instalações físicas para educação, apropriadas para crianças e sensíveis às deficiências e ao gênero e que proporcionem ambientes de aprendizagem seguros e não violentos, includentes e eficazes para todos.
4.b [RETROCESSO] Até 2020 substancialmente ampliar globalmente o número de bolsas de estudo para os países em desenvolvimento, em particular, os países menos desenvolvidos, SIDS e os países africanos, para o ensino superior, incluindo programas de formação profissional, de tecnologia da informação e da comunicação (TIC), técnicos, de engenharia e científicos programas científicos em países desenvolvidos e outros países em desenvolvimento.
4.c [AMEAÇADA] Até 2030, substancialmente aumentar o contingente de professores qualificados, inclusive por meio da cooperação internacional para a formação de professores, nos países em desenvolvimento, especialmente os países menos desenvolvidos e SIDS.
Sobre o Relatório Luz
O Relatório Luz da Sociedade Civil sobre a Agenda 2030 no Brasil está na quinta edição de sua série iniciada em 2017. Busca, por meio da coleta e análise de dados, responder como os indicadores das metas da Agenda 2030 estão sendo aplicados na realidade brasileira, tomando por base os dados oficiais disponíveis.
Foram analisadas todas as 169 metas definidas na Agenda 2030. Dessas, 92 (ou 54,4%) estão em retrocesso; 27 (16%) estagnadas; 21 (12,4%) ameaçadas; 13 (7,7%) têm progresso insuficiente; e 1 (0,6%) não se aplica à realidade brasileira. Há, ainda, 15 metas (8,9%) que não foram rankeadas por falta de dados. Além da análise das metas, o relatório traz 127 recomendações para que o Brasil avance no cumprimento do que foi pactuado em 2015 na ONU.
O Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 (GT Agenda 2030) – responsável pelo relatório, é uma coalizão formada por 57 organizações e fóruns de todo o país. Participaram de sua elaboração 106 especialistas de todo o País nas mais diversas áreas. Essa é a única publicação no Brasil que oferece um panorama em 360 graus do andamento da implementação dos 17 ODS.
“São dados oficiais estarrecedores e que mostram um Brasil cada vez mais distante do desenvolvimento sustentável, violando princípios constitucionais, violando direitos e desconstruindo políticas fundamentais para superação das desigualdades que marcam o país, hoje mais agravadas pelas crises de governança e pela pandemia. A fotografia é trágica e as consequências do que está acontecendo deverão ser sentidas por muito tempo”, diz Alessandra Nilo, coordenadora geral da ONG Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero, e cofacilitadora do GT Agenda 2030.
Os indicadores mostram que, mesmo num contexto tão grave de pandemia, áreas como Saúde apresentaram retrocesso: R$ 22,8 bilhões da dotação orçamentária autorizada em 2020 para o SUS ficaram sem uso, recurso que poderia ter aumentado o número de vacinas, kits de intubação, máscaras PFF2, leitos e outros insumos.
“O despreparo nacional para lidar com emergências de saúde foi ressaltado pela pandemia. Faltaram transparência e articulação entre o governo federal e os demais entes federativos e o Programa Nacional de Imunização (PNI) foi desestruturado”, explica Denise Dora, diretora executiva da ARTIGO 19.
Outros exemplos de retrocesso X ODS (confira a lista completa de ODS ao final)
- Retorno do Brasil ao Mapa da Fome e o crescimento da pobreza (ODS 1 e 2);
- Política ambiental do país desregulamentada para promover interesses contrários ao desenvolvimento sustentável (ODS 13, 14 e 15);
- Políticas promotoras de igualdade (ODS10) e gênero (ODS5) regredindo gravemente;
- Política cultural duramente atacada e evidente desmonte institucional e do Estado Democrático de Direito (ODS 16);
- Ataques diretos à participação social e desalinhamento do Brasil em relação à comunidade internacional promotora de desenvolvimento sustentável (ODS 17).
“Mas, olhando todos os objetivos e metas, encontra-se retrocesso. Como tratamos a Agenda 2030 como uma agenda integral e articulada entre si, é importante reforçar que o retrocesso em uma meta pode abalar várias outras”, enfatiza Alessandra Nilo.
Mais exemplos de pontos elencados no relatório que mostram retrocesso no Desenvolvimento Sustentável: altura das crianças, famílias assentadas pela reforma agrária, aumento do uso de lenha ou carvão para cozinhar alimentos, encolhimento de programas de redução de pobreza, saúde e educação.