Covid veio para ficar: países precisam decidir como se adaptar
A variante Ômicron desnudou a necessidade de se viver com uma doença que apresenta um conjunto mutante de desafios
Para quem tinha esperanças de passar a pandemia para o pretérito perfeito, a variante Ômicron é um duro lembrete de que ainda está muito presente. Em vez de fazer planos de volta à vida ‘normal’ que conhecíamos antes da pandemia, 2022 é o ano em que o mundo tem que aceitar o fato de que a SARS-CoV-2 veio para ficar.
Os países têm que decidir como vão conviver com a COVID-19 – e conviver com a COVID-19 não significa ignorá-la. Cada região precisa pensar em como equilibrar as mortes, deficiências e transtornos causados pelo vírus com os custos sociais e financeiros de tentar controlá-lo, tais como a obrigatoriedade da máscara e o fechamento de empresas. Este equilíbrio vai variar de um lugar para o outro e com o tempo, à medida que novas terapias sejam disponibilizadas – e que novas variantes apareçam.
O surgimento da variante Ômicron, em novembro passado, ressaltou os desafios da vida com SARS-CoV-2. Alguns países já estavam enfrentando surtos da altamente transmissível variante Delta, mas as vacinas e as infecções prévias conferiam níveis relativamente altos de proteção contra ela, sobretudo contra uma manifestação mais séria da doença.
Esperava-se que as mutações do genoma viral fosse lentamente submeter-se a esta imunidade, especialmente sua habilidade em deter a transmissão viral. Mas a Ômicron deu um golpe mais rápido e mais sério do que se esperava na imunidade. Está claro agora que as reinfecções por SARS-CoV-2 são mais comuns, e que algumas das vacinas mais amplamente utilizadas falharam face à variante. As vacinas iniciais, desenvolvidas contra uma variante anterior, requerem agora um reforço ou adaptação para oferecer níveis eficazes de proteção.
Mas as notícias não são de todo más. As vacinas, especialmente quando adaptadas ou reforçadas, ainda parecem dar boa proteção contra casos graves ou fatais. Dados preliminares de estudos com animais sugerem que a Ômicron pode gerar uma patologia diferente se comparada a variantes anteriores, causando infecção maior no trato respiratório superior e menos infecção dos pulmões. Dados de vários países sugerem que a variante está associada à forma menos grave da doença, embora ainda não se saiba se isso se deve à própria variante ou a uma vasta imunização preexistente.
Com taxas de infecção em alta no mundo todo e muitos países ainda sem acesso a uma vacinação adequada, mais variantes preocupantes continuarão a surgir. E, como ficou provado como a Ômicron, prever o curso dessas variantes torna-se mais difícil, pois as complexidades da evolução viral e a imunização preexistente complicam os modelos previamente usados para antecipar o curso da pandemia. Novos modelos precisam levar em conta os efeitos das vacinas, as infecções anteriores, a queda da imunidade ao longo do tempo, as doses de reforço e as variantes virais – e, no decorrer no ano, deverá ser considerado o impacto de novos tratamentos antivirais.
O que fica claro, porém, é que a esperança de que as vacinas e as infecções anteriores fossem criar a imunidade de rebanho – uma possibilidade improvável desde o início – quase desapareceu. É consenso que SARS-CoV-2 se tornará endêmica em vez de extinta, com as vacinas oferecendo proteção contra manifestações graves e morte, mas sem erradicar o vírus.
Como a Ômicron e outras variantes têm demonstrado, isto só aumenta a urgência da distribuição das vacinas a países que não as têm. Esforços estão em curso para reforçar a produção de vacinas em países como a África do Sul, que não são historicamente centros de fabricação de vacinas. Estes e outros esforços para aumentar o acesso a vacinas é do interesse de todos os países: variantes devastadoras têm grandes possibilidades de surgir e semear graves surtos em regiões com baixo índice de vacinação, e seu alastramento será ainda mais exacerbado onde níveis de testagem e vigilância genômica sejam baixos também.
O próximo capítulo
Felizmente, 2022 tende a aumentar nossas defesas contra a pandemia. Novas vacinas – tais como a de base protéica, que poderão custar menos e requerer menos rigor na estocagem do que as atuais vacinas de mRNA – estarão mais amplamente disponíveis. Em dezembro, a Organização Mundial de Saúde aprovou a longamente esperada vacina de proteína feita pela Novavax em Gaithersburg, Maryland, para uso emergencial, Testes clínicos em progresso vão estabelecer se os futuros vacinas candidatas, que visam variantes específicas de coronavírus, ou que podem ser inaladas ou tomadas oralmente em vez de injetadas, serão eficazes. Várias candidatas nasais estão em testagem clínica, incluindo a da CanSino, em Tianjin, China, e uma outra desenvolvida pela AstraZeneca em Cambridge, UK.
Além disso, novas drogas antivirais, formuladas em comprimidos que podem facilmente ser administrados no curso da infecção para reduzir as chances de gravidade ou morte, oferecem uma nova abordagem contra a COVID-19. Nos últimos meses, alguns países autorizaram o uso de duas dessas drogas: o molnupiravir, fabricado pela Merk em Kenilworth, Nova Jersey, e Ridgeback Biotheurapeutics em Miami; e o Paxlovid, fabricado pela Pfizer, em Nova Iorque. Outras drogas candidatas poderão fornecer dados essenciais no ano vindouro.
Tudo isso vai expandir a capacidade mundial de lidar com os surtos de SARS-CoV-2. É também causa de esperança e otimismo, mas com uma forte dose de realismo: o vírus vai continuar a circular e a modificar-se, e os governos precisam continuar a confiar nas orientações e conselhos dos cientistas. Nem sempre seremos capazes de prever o caminho do vírus, e devemos estar prontos a nos adaptar a ele.
Nature | Vol 601 | 13 Janeiro 2022
Tradução: Marina Espírito Santo, professora de Língua Inglesa, diretora do Sinpro-Rio.