Conclat: saudade de 1981, entusiasmo em 2022
Por José Geraldo de Santana Oliveira*
O fabulista e fabuloso Guimarães Rosas — como dizem os belos versos de Carlos Drummond de Andrade, insculpidos no poema “Um chamado João”, de 1958 — diz, em seu maior e monumental livro “Grande Sertão: veredas”, que toda saudade é uma espécie de velhice.
Essa sadia saudade que toca e emociona os velhos bateu-me forte ao participar, por meio remoto, da Conclat 2022, exitosamente realizada aos 7 de abril de 2022, com o tema “Emprego, direitos, democracia e vida”. Isso porque, para além de meus 70 anos de idade, tive o inapagável privilégio de ser delegado à Conclat de 1981, pelo Sindicato dos Professores do Estado de Goiás (Sinpro Goiás).
Pode-se afirmar, sem quaisquer dúvidas, que as marcas da Conclat de 1981, que já é história, parafraseando Fausto — lendário personagem da idade média, magnificamente retratado por Goethe, no atemporal romance que recebeu o título do personagem —, nem em milênios serão apagados.
Não houvesse nenhuma outra razão, e há muitas, a Conclat de 1981 teria valido a pena — parafraseando Fernando pessoa, no poema “Mar Português” —, pois fez emergir a força e o vigor das organizações sindicais dos/as trabalhadores/as, que eram mantidas sufocadas, perseguidas, vigiadas e tratadas como caso de polícia desde o fatídico 1° de abril de 1964, data do golpe militar, que infelicitou o Brasil e os/as brasileiros/as por longos 21 anos.
Por fazer ecoar, em alto e bom tom, bandeiras que encontram respaldo pleno no Estado Democrático de Direito, preconizado pela Constituição Federal de 1988, e que se descortinam como imprescindíveis e inadiáveis para a devolução do Brasil aos/às brasileiros/as e para o resgate de quatro dos cinco fundamentos da República Federativa do Brasil — soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana e valores sociais do trabalho —, que se acham envoltos em impiedosa mortalha desde o golpe de 2016, com certeza, as novas gerações poderão dizer o mesmo da Conclat de 2022.
Todos/as os/as que têm compromisso sincero com essas árduas tarefas, com certeza, não considerarão fora de contexto, indevido ou supérfluo nenhum dos 63 itens constantes da pauta de reivindicação aprovada à unanimidade pela Conclat 2022.
Não sendo possível tecer fundamentados comentários sobre cada um dos referidos 63 itens, nessa singela manifestação de entusiasmo à Conclat 2022, destaco, aqui, dois deles, que, com a devida licença linguística, ecoam-se como prioridades dentro do universo de prioridades que o conjunto deles encerra.
I Política de valorização do salário mínimo, quarto direito fundamental social elencado pelo Art. 7° da CF, que é o item 1 da pauta da Conclat.
Para que se possa aquilatar a relevância social de política com esse crucial objetivo, basta que tome a que vigorou no período de 2003 a 2016, que, segundo a Nota Técnica 265, do Dieese, foi responsável por incorporar ao salário mínimo nada menos do que 78,7% de aumento; sem ela, o valor do salário mínimo seria hoje de R$ 678, e não de 1.212.
Importa dizer: o salário mínimo não seria suficiente sequer para se adquirir a cesta básica em São Paulo, uma vez que em março último seu valor chegou a R$ 761,19. Além disso, o salário mínimo baliza os rendimentos de mais de 30 milhões de trabalhadores/as, equivalentes a 34,54% da população ocupada.
E mais: segundo dados do Ministério do Trabalho e da Previdência Social, dos 31.408.396 benefícios previdenciários pagos em outubro de 2021, 18.596.877 foram de um salário mínimo, sendo 9.141.496 urbanos (49%) e 9.455.381 (99%) rurais, aos quais se somam 4.815.000 de benefícios assistenciais, todos com valor de um salário mínimo.
Conforme dados extraídos do livro “A Previdência Social e a Economia dos Municípios”, publicado pela Anfipe — atualizada até 2020 —, as aposentadorias correspondentes a um salário mínimo constituem-se na principal fonte de riqueza de mais 4 mil dos 5.570 municípios brasileiros, representando mais do que o fundo de participação dos municípios (FPF). São elas, portanto, a mola mestra do pulsar e do desenvolvimento desses municípios.
II Política de erradicação da fome, combatendo a carestia e garantindo segurança alimentar, item 7 da pauta da Conclat.
Segundo relatório de estudo da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Pessan), divulgado em 2021, 19,1 milhões de brasileiros/as afirmaram que passam períodos de 24 horas ou mais sem ter o que comer, insegurança grave. Além disso, 116,8 milhões, mais da metade da população, sofria algum tipo de insegurança alimentar, sendo que 43,3 milhões não tinham acesso a alimentos em quantidade suficiente (insegurança moderada).
Esse quadro de desolação e miséria provocou a seguinte afirmação pelos pesquisadores da Rede Pessan: “O Brasil continua dividido entre os poucos que comem à vontade e os muitos que só têm vontade de comer”.
Ainda de acordo com o comentado relatório, o mapa da fome atinge: 18,1% das famílias da região Norte; 13,8% do Nordeste; 6,9% do Centro-Oeste; 6% do Sudeste; e 6% do Sul.
Faz-se imperioso registrar que, em 2013, a parcela da população em situação de fome havia caído para 4,2% — o nível mais baixo até então —, o que possibilitou a retirada do Brasil do mapa da fome pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO).
Concluída a primeira etapa da Conclat 2022, com o simbólico e vigoroso ato do dia 7 de abril corrente, inicia-se a etapa seguinte que é a de dar vida imediata aos 63 itens da pauta de reivindicação que ela aprovou, fazendo deles o farol do cotidiano de todos/as quantos/as querem resgatar o Brasil para quem trabalha e produz.
A hora é agora!
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee